Indústria pesqueira de SC pede revogação da lei que garante sustentabilidade à atividade no RS, com apoio de Bolsonaro
Marcelo Ferreira, Brasil de Fato
Pescadores gaúchos já podem estar percebendo o que seriam os benefícios da proibição da modalidade da pesca de arrasto dentro das 12 milhas do litoral do Rio Grande do Sul. Conforme relato de amadores que praticam a atividade, há muito tempo não se viam as redes cheias como agora, com espécies como pescada amarela, papa terra e outras. A restrição da prática veio com a instituição da Política Estadual da Pesca, em 2018, que nasceu de amplo debate do setor pesqueiro na busca de soluções para a forte crise que enfrenta, devido à diminuição das capturas. Ao mesmo tempo em que comemoram, contudo, os pescadores gaúchos se mostram preocupados com a movimentação do setor industrial de Santa Catarina, que pede a revogação da restrição do arrasto, com o apoio de parlamentares catarinenses e do próprio governo federal.
“Já nesse ano, na safra da tainha, tivemos um grande resultado na quantidade. A qualidade também já mostra melhoria. Alguns pescadores mais antigos, com 40 e 50 anos de profissão, relatam que foram pescadas tainhas com dois, três quilos ou maiores, o que não era visto há 20 anos”, relata o vice-presidente do Fórum da Pesca do Litoral Norte, Leandro Miranda, que também é secretário da Colônia dos Pescadores Z40, de Tramandaí (RS). “Ainda chamou a nossa atenção, dos pescadores profissionais, a grande incidência de robalo na pesca amadora, principalmente de robalo flecha, que são peixes com mais de 10 kg. Também entraram borriquetes, que não eram vistos há mais de 10 anos, corvinas agora em agosto, que não são típicas do período, e a pescada amarela, que é mais comum perto de novembro e está aparecendo agora em grande abundância”, conta.
Aprovada por unanimidade pela Assembleia Legislativa do RS em agosto de 2018 e vigorando desde 21 de outubro, a Lei 15.223 criou uma série de dispositivos que exigem do Estado o investimento em políticas públicas para o setor. Entre eles, a criação de um fundo estadual para a pesca e a definição das instâncias que deliberam sobre o tema. No seu artigo 30, a lei ampliou a restrição da pesca de arrasto de fundo, que passou de 3 para 12 milhas náuticas. A medida foi embasada em um estudo realizado pelos Institutos de Oceanografia e de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Rio Grande (FURG).
Na costa gaúcha, o mar territorial – como é chamada a área de até 12 milhas náuticas, que equivale a 22 km – tem a característica de ser berçário para diversas espécies. Como a modalidade do arrasto não é seletiva, a atividade gera grande descarte de indivíduos jovens, aponta a coordenadora da Câmara Técnica de Pesca do Conselho Gaúcho de Aquicultura e Pesca Sustentáveis (Congapes), Ana Spinelli, que participou da construção do projeto de lei, fruto de amplo debate do setor, com apoio da Ong Oceana e baseado em pesquisa científica. “Os estudos que embasaram acompanharam várias pescas de arrasto e mediram que o rejeito, que não tem valor comercial, é de mais de 40%. E o que é esse rejeito? São espécies juvenis de peixes como corvina, pescada, pescadinha, castanha”, explica.
O professor do Instituto de Oceanografia (IO) da FURG, Luís Gustavo Cardoso, que compõe a equipe responsável pelo estudo, formada por três pesquisadores da IO e uma do Instituto de Economia da FURG, aponta que ainda é cedo para afirmar que o aumento da captura dos peixes e de espécies que não se tinha notícia, registrado pelos pescadores, seja uma consequência direta do fim do arrasto. Contudo, explica o professor, a pesquisa prevê, em um prazo já de dois anos, um aumento de 6.907 toneladas (+976%) da disponibilidade do pescado.
“Isso que os pescadores relatam pode ser fruto de variações ambientais, ainda não há certeza científica se é fruto da lei, mas a gente espera que isso aconteça, sim. Nós estamos monitorando a frota de emalhe pra ver se os rendimentos vão aumentar realmente ao longo do tempo para poder fazer uma checagem se a lei teve efeito ou não”, afirma o pesquisador.
Baseado em dados de cruzeiro, quando os pesquisadores vão de barco para o mar realizar a pesquisa, o estudo estimou que, em 2016, os barcos de arrasto capturaram e descartaram 642 toneladas de indivíduos juvenis das espécies referidas por Ana. Conforme os cálculos, a cada tonelada de peixes pequenos não capturada pelo arrasto no mar territorial, os pescadores artesanais e as embarcações de emalhe, ou mesmo o arrasto fora das 12 milhas, teriam acesso a quase dez toneladas a mais no período de dois anos.
Em meio à crise pela qual passa o Rio Grande do Sul, a restrição do arrasto também deve ser positiva para a economia do Estado. O estudo aponta que, nesse período de dois anos, os armadores de pesca (embarcações comerciais) poderiam aumentar suas receitas em R$ 32,4 milhões, enquanto as indústrias, em R$ 1,7 milhões, se comparado ao realizado em 2016. Esse aumento de receita impactaria positivamente na arrecadação estadual, através do ICMS, que poderia alcançar a faixa de R$ 4,1 milhões, um aumento de R$ 3,5 milhões. Além disso, a medida promete ser benéfica ao meio ambiente ao diminuir a captura de dezenas de espécies classificadas em risco de extinção, que têm sua pesca proibida.
Conflito de interesses
O setor pesqueiro gaúcho é composto por pescadores artesanais, de mão de obra familiar, e por embarcações industriais que praticam a técnica do emalhe, em que uma rede fixa captura os peixes à medida que os cardumes se deslocam. Diferente da pesca de arrasto, que não é praticada pelo setor no Estado e que, como sugere o nome, redes tipo sacos são arrastadas no fundo do mar. Conforme o pesquisador e mestre em Gerenciamento Costeiro Ederson Pinto da Silva, da Colonia Z3 de Pelotas, “essa frota vem de fora para arrastar na nossa costa e, além de revolver o fundo do oceano, acaba matando peixes menores. Então, o conflito é: de um lado os pescadores artesanais e as embarcações de emalhe da indústria gaúcha, e do outro o arrasto, principalmente os arrasteiros de camarão de Santa Catarina”.
O coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Setor Pesqueiro da Assembleia Legislativa do RS, deputado estadual Zé Nunes (PT), ressalta que a lei não proibiu a pesca no litoral gaúcho, mas busca a sustentabilidade da atividade. “E não é uma proibição para os pescadores catarinenses, mas para qualquer um que queira praticar essa modalidade. Temos convicção, com base em dados e estudos científicos, que o arrasto prejudica a possibilidade dos pescadores continuarem pescando de maneira viável”, disse.
“A gente compreende que exista uma cadeia estruturada em SC. A grande questão é a captura de camarão, porque a pesca de arrasto de peixe pode ser feita fora das 12 milhas e segue acontecendo. O problema é esse fragmento do setor pesqueiro e o prejuízo que a pescaria deles está trazendo para toda a cadeia no RS. Eles poderiam mudar para uma modalidade menos impactante, trabalhar com emalhe, espinhel, e capturar”, assinala Ana.
Pressão do governo federal
Com a aproximação da safra do camarão, que vai de setembro a fevereiro, os donos de barcos e profissionais de Santa Catarina vêm se movimentando pela revogação da lei. No dia 8 de agosto, representantes do setor e deputados catarinenses se reuniram com o secretário nacional de Aquicultura e Pesca, Jorge Seif Junior, e o secretário de Estado da Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural, Ricardo de Gouvêa, em Brasília, para discutir a questão.
O tema ganhou repercussão nacional no dia 1º de agosto, quando o presidente Jair Bolsonaro (PSL), em uma de suas “lives”, questionou a medida gaúcha, dizendo que vai pedir a revogação ao governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB). “É o presidente falando, que tem todo o peso, eu estou com muita esperança que a gente consiga ter vitória nisso”, disse o deputado catarinense Felipe Estevão (PSL), que é presidente da Comissão de Pesca e Aquicultura da Assembleia Legislativa de SC. Na live, ao lado do presidente, estava o secretário Seif Junior, que disse: “Infelizmente, foi uma lei fundamentada no estudo de uma Ong, que não foi publicada, não passou pela secretaria de Pesca, não passou pelo debate com as universidades do Brasil, e jogou vários pescadores na criminalidade, sem ter como trabalhar”.
“O governo federal, ao assumir essa postura e tomar posição, está ignorando todo o processo, está ignorando que no RS existe um setor pesqueiro e pesquisa”, afirma Ederson. Para ele, o secretário se posiciona cegamente a favor da frota industrial de SC e não olha os impactos ambientais e sociais deixados no RS. “Não é verdade, como ele fala, que a lei foi feita em 45 dias. Não é verdade que foi feita a partir de estudo não publicado”, completa.
Os deputados de Santa Catarina do PSD e do PSL estão levantando a hipótese de judicializar disputa. “Falta uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) em relação à lei do Rio Grande do Sul. Está na hora do nosso governador entrar em cena, afinal de contas o estado consome produtos do Rio Grande e estão prejudicando os nossos pescadores”, avaliou Ismael dos Santos (PSD), que sugeriu ao deputado Estevão “provocar um encontro entre os governadores”.
O presidente da Federação dos Sindicatos de Pesca do RS, Ivan Vasconcellos, afirma que a movimentação dos parlamentares que apoiam a volta do arrasto junto ao governo de Santa Catarina e ao federal é um absurdo. “Isso desautoriza tudo o que foi feito, querem nos desautorizar, desautorizar o Estado do RS. O nosso governador e a Assembleia Legislativa não devem aceitar isso, a bancada gaúcha junto ao Congresso Nacional não deve aceitar esse tipo de manobra feita por entidades da indústria de Santa Catarina”, aponta.
“A lei foi constituída a partir da discussão com várias entidades federais e estaduais, com universidades, então tem que ser respeitada por todos. Não existia um processo de ordenamento pesqueiro no RS e, não havendo, toda e qualquer embarcação podia entrar e fazer a pesca do jeito que quisesse. O secretário pertence à indústria de SC, ele fala em nome da indústria”, denuncia Ivan. Segundo ele, Seif Junior já teve a oportunidade de se reunir com o setor gaúcho e recuou. “Ele sabe que tem uma construção por trás dessa lei, uma construção da base do setor pesqueiro, feita dentro do Conselho Gaúcho de Pesca, passou por dentro do governo, construída dentro da Assembleia Legislativa do RS, aprovada por unanimidade, sem nem uma emenda”, assinala.
Secretário é de família da indústria pesqueira
De fato, o secretário está ligado à indústria catarinense. No início de agosto, sua família, que é proprietária de uma empresa de pesca em Itajaí, a JS Pescados, foi autuada em R$ 70 mil pelo Ibama. O motivo da multa foi pesca ilegal praticada em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Após a repercussão negativa, Seif Junior publicou um vídeo no Instagram pedindo perdão pelo ocorrido e também explicando que ele havia se desligado da empresa ao entrar no governo e que, então, quem deve responder é o proprietário, seu pai.
Segundo levantamento realizado pela reportagem da Folha de São Paulo, há pelos menos dez multas ambientais em nome da família Seif. A mais grave é no valor de R$ 300 mil, de 2014, também no RJ, pelo transporte de mais de 12 mil kg de cherne-poveiro, espécie listada como criticamente em risco de extinção. O secretário questiona a classificação dizendo que a restrição da pesca do animal já está indo para 12 ou 13 anos e não foi realizada uma nova pesquisa. “Isso é coisa de cabeça de ambientalista com viés ideológico, não é questão de sustentabilidade, é loucura”, disse.
Ainda sobre essa questão, conforme a reportagem da Folha, Seif Junior acusa o Ibama de perseguição. “O Ibama sempre teve um viés, tanto que o próprio presidente foi multado pescando. Sempre teve essa fama de multar de graça”, disse. Segundo ele, a revisão ou a suspensão da lista de animais aquáticos ameaçados é uma das metas de sua gestão.
Governador afirmou compromisso com setor gaúcho
Questionado sobre as manifestações do presidente Bolsonaro e do secretário Seif Junior, o governador do RS, Eduardo Leite, se demonstrou favorável a manter a legislação, “uma decisão soberana da Assembleia Legislativa do RS”, mantendo-se aberto ao diálogo para encontrar possíveis soluções para o impasse. “Recebemos os deputados que trabalharam na aprovação desta medida sobre a pesca de arrasto, com base em estudos da FURG, estudos bastante consistentes, que têm critérios técnicos que levaram a essa posição. Não sei se o presidente [Bolsonaro] tem esse conhecimento, dos estudos que foram promovidos para embasar a decisão, então que possamos conduzir aquilo que seja melhor para o meio ambiente e para os pescadores que tiram do mar seu sustento”, disse o governador.
Leite já realizou dois encontros sobre o tema, intermediados pela Frente Parlamentar em Defesa do Setor Pesqueiro, que foi constituída em março de 2018 com 37 deputados gaúchos dos mais variados partidos políticos. No primeiro, dia 15 de julho, com a presença de lideranças de todo o Estado, foi apresentado ao governador o processo de construção da lei e o estudo que sustenta sua importância para a cadeira pesqueira e também para o desenvolvimento do Estado. No dia 14 de agosto, conforme o deputado Zé Nunes, uma nova reunião contou com a presença de 23 prefeitos da região Sul, quando o governador reafirmou o compromisso com o setor, apesar da pressão que tem vindo do governo federal e de Santa Catarina.
O parlamentar explica que, a cada ano, a pesca no Rio Grande do Sul vem enfraquecendo. “Chegamos a ter 32 indústrias de pescado e 17 mil trabalhadores na pesca. Hoje, temos duas indústrias e menos de mil trabalhadores em todo o setor. O retrocesso é muito grande”, afirma. Segundo ele, a atividade tem sido prejudicada por barcos de fora do Estado, pelo sistema do arrasto e por “um esquema de sonegação de impostos comprovado nos anos de 2013, 2014 e 2015, na ordem de R$ 300 milhões e 200 mil toneladas de peixes retirados do estado sem tributação”, conclui.
Mobilização em Imbé
Além de participarem ativamente do Conselho Gaúcho de Pesca (Congapes) e da Frente Parlamentar, os pescadores do RS têm se mobilizado e feito muitas discussões em suas colônias, sindicados, fóruns e federações. Para chamar a atenção ao tema, lideranças do Litoral Norte preparam um ato público, às 10h do dia 17 de agosto, na Barra de Imbé, em favor da manutenção da lei.
“O governo federal não está tendo imparcialidade, está do lado dos pescadores de arrasto de Santa Catarina. Diante disso, estamos nos mobilizando para chamar a atenção e mostrar que o setor está unido”, aponta Leandro. “Inicialmente, achamos que só os profissionais iam aderir, mas pelo contrário, estamos com diversos apoios. Das plataformas marítimas de pesca, dos sindicados de pescadores, dos sindicatos de armadores, que são os proprietários de embarcações, da federação das colônias, da federação da pesca amadora, dos fóruns de pesca do RS, da Associação dos Municípios do Litoral Norte, da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), da Frente Parlamentar, do movimento estudantil e de defensores do meio ambiente”, relata o secretário da Colônia dos Pescadores Z40.
Ameaças
Leandro conta que recebeu ameaças por parte de integrantes da comunidade pesqueira industrial de Santa Catarina, depois de ter sido inserido, sem seu consentimento, em um grupo de Whatsapp chamado “Homens de Fé”. Ele acredita que foi identificado após comentar as publicações do secretário da Pesca no Instagram. “Estando no grupo, comecei a explicar a lei, em porque pensar nas gerações futuras. Quando a coisa começou a esquentar eu saí, mas na manhã seguinte recebi mensagens de áudio onde a pessoa disse coisas como ‘tu sabe que tanto no RS como em SC têm pescadores bons e ruins, tu tem que pensar na tua família, em ti, na tua integridade física’”, revela.
O áudio foi enviado para a Frente Parlamentar e também para a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia gaúcha, mas Leandro decidiu não levar a questão adiante. Apesar de preocupado, não registrou boletim de ocorrência. “Guardei o áudio e comuniquei a quem precisava, voltei ao grupo e disse que tinha sido ameaçado e que ‘agora mesmo que vou fazer frente na luta’. De certa forma, estamos dando cara a bater, não sabemos com quem estamos lidando. São embarcações de R$ 6 milhões e não caiaques de lagoa de R$ 3 mil. São pessoas com grande poder aquisitivo que querem mercado e que, com esse governo, estão tendo uma oportunidade”, reflete.
Legalidade da lei gaúcha
“Temos convicção da legalidade e da constitucionalidade da lei. Embora sejam águas federais, existe a possibilidade do Estado legislar concomitantemente e suplementarmente à União”, explica Zé Nunes. Outros estados têm políticas semelhantes, aponta Ana: “No Pará, por exemplo, é proibido o arrasto dentro de 10 milhas. Em São Paulo, criaram três Áreas de Proteção Permanentes, onde não pode o arrasto. O objetivo dessa lei é tornar a pesca sustentável”.
Conforme o coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Setor Pesqueiro, a Lei 15.223/18 é constitucional nos termos do artigo 24 da Constituição Federal, em conformidade com a Lei 11.959/2009, que dispõe sobre a Política Nacional de Desencolhimento Sustentável da Aquicultura e Pesca. O artigo 24 da Constituição, nos seus 2º e 3º parágrafos, diz que “a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades”.
Já o 1º artigo da Lei 11.959/2009, em seu inciso I, diz que a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca busca promover “o desenvolvimento sustentável da pesca e da aquicultura como fonte de alimentação, emprego, renda e lazer, garantindo-se o uso sustentável dos recursos pesqueiros, bem como a otimização dos benefícios econômicos decorrentes, em harmonia com a preservação e a conservação do meio ambiente e da biodiversidade”.
“Na pior das hipóteses, e eu duvido que isso aconteça, o governo federal poderia emitir um documento para a Assembleia Legislativa do RS dizendo que a lei é inconstitucional, e assim teria 30 dias para responder”, conta Leandro. “Mas acho que não vai acontecer, porque as organizações do Brasil inteiro estão voltando os olhos para a situação”, completa.
Ação no MPF
Foi Leandro, representando os pescadores gaúchos da Colônia Z40, quem entrou com uma medida cautelar solicitando ao Ministério Público Federal (MPF), em Capão da Canoa, que seja resguardada a segurança jurídica da legislação. “Com orientação da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (Confrem), entregamos o documento ao MPF, no mesmo modelo da carta que entregamos ao governador do Estado, que explica o processo de tramitação da lei. Queremos proteger a lei, optamos pela medida cautelar pela questão de ser o judiciário quem a protege quando pode haver um dano”, relata.
O meio ambiente agradece
Além dos benefícios para o setor pesqueiro gaúcho e para a economia do Rio Grande do Sul, a restrição do arrasto favorece o meio ambiente, podendo inclusive impactar positivamente no contingente de animais em risco de extinção. Zé Nunes lembra que são muitos os estudos que comprovam que a modalidade é predatória: “Há mais de 30 anos se discute os efeitos, com pesquisas feiras em diversos lugares do mundo. Não foi a FURG que descobriu que o arrasto mata tudo o que encontra pela frente, muito menos as Ongs, como diz o governo Bolsonaro e o secretário da Pesca”.
A proibição da pesca de arrasto de fundo em áreas marinhas não é novidade. Já é uma realidade, por exemplo, em países como Estados Unidos, que proibiu o arrasto em grande parte da sua costa oeste, e no Chile, que proibiu os arrasteiros de atuarem em 117 montes submarinos localizados dentro de sua Zona Econômica Exclusiva.
A equipe de pesquisadores da FURG identificou 60 espécies na área das 12 milhas da costa gaúcha, onde se concentram os peixes mais jovens, em estágio de desenvolvimento, além de crustáceos, moluscos, animais como tartarugas, toninhos, leões marinhos e golfinhos. “Dessas 60, que também ocorrem fora das 12 milhas, 22 estão com algum grau de risco de extinção. Ou seja, espécies que estão mais impactadas pela pesca. Tirando o arrasto, a mortalidade será diminuída e, assim, terão mais chance de recuperação”, explica o professor Luís Gustavo.
Segundo o pesquisador, devido à diversidade biológica, é normal que os resultados não sejam regulares: “Obviamente que têm espécies que ocupam zonas mais costeiras e outras zonas mais profundas, então o impacto da retirada do arrasto é específico conforme a distribuição dela. Com isso, o impacto pode ser maior para algumas espécies, para outras nem tanto”.
Ele também rebate as críticas contrárias à medida e o discurso que diz que a lei não foi baseada em pesquisas: “O curso de Oceanologia tem quase 50 anos de trajetória, nós temos o Instituto de Oceanografia com 3 programas de pós-graduação em vários campus. O estudo que embasa a lei foi feito dentro da pós-graduação de Oceanografia Biológica, que tem o conceito máximo no Ministério da Educação (MEC), a nota sete. É um conceito dificílimo e temos a única nota sete no Brasil. O programa tem parceria com pesquisadores de cerca de 60 instituições internacionais”.
Ações da Frente Parlamentar
Além da manifestação marcada para o dia 17 agosto, na Barra de Imbé, que segundo o deputado Zé Nunes tem todo o apoio da Frente Parlamentar em Defesa do Setor Pesqueiro, também está marcado um grande ato no município de Rio Grande, no dia 24 do mesmo mês. Além disso, a frente está articulando uma reunião com a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, Tereza Cristina, durante a Expointer, para buscar uma saída que respeite a decisão soberana da sociedade gaúcha.
Edição: Marcelo Ferreira
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Imagem: Pescadores artesanais e industriais do RS conquistaram política para o setor em 2018, depois de muito debate / Foto: Divulgação Oceana