‘Vouchers vão gerar um apartheid educacional’

Roberto Leher, pesquisador da educação e ex-reitor da UFRJ, vê grave encontro de fundamentalismos na política de vouchers anunciada pelo ministro da economia, Paulo Guedes, para a educação infantil

Beatriz Mota – EPSJV/Fiocruz

Enquanto o ministro da educação Abraham Weintraub tenta sobreviver a uma crise gerada pelas falhas de correção no Enem, vem de fora da pasta (e do país) o anúncio que pode impactar fortemente o futuro da educação no Brasil. No Fórum Econômico Mundial, em Davos, o ministro da Economia Paulo Guedes afirmou que haverá um “gigantesco” programa de distribuição de vouchers para a educação infantil. A ideia é que os cupons – que funcionam como uma espécie de cheque – sejam entregues diretamente às famílias das crianças, para que elas possam escolher “livremente” onde aplicar esses recursos: em mensalidades de creches e escolas privadas ou públicas.

Guedes apresentou a medida como parte da estratégia do governo federal pela diminuição da desigualdade social, quando, entretanto, as maiores críticas a este modelo residem justamente no aprofundamento das disparidades entre oportunidades educacionais. A experiência em maior escala da proposta aconteceu no Chile, a partir de 1980, implantada por economistas liberais discípulos da mesma corrente de pensamento que o ministro brasileiro, a Universidade de Chicago. Um relatório publicado em 2018 pela Universidade do Colorado apontou os efeitos nocivos da política de vouchers no país latinoamericano: as escolas públicas das regiões mais pobres passaram a ter que concorrer pelos recursos públicos com as instituições privadas e com as públicas mais bem localizadas e, portanto, com melhores resultados. Dessa forma, o estrato mais rico da população continuou tendo acesso às melhores escolas, enquanto as pessoas com menos renda ficaram reféns de instituições cada vez mais precárias.

Para entender melhor as possíveis consequências da adoção dos vouchers no Brasil, o Portal EPSJV/Fiocruz entrevistou Roberto Leher, pesquisador da área de educação e ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Leher é enfático em suas críticas e prevê a instalação de um modelo perverso que geraria um “apartheid educacional” no país, penalizando setores mais pobres, explorados e expropriados da sociedade. “Muitos objetivos políticos estão convergindo para a política de vouchers, por isso entendo que este é um dos acontecimentos mais graves do governo Bolsonaro”, afirma Leher.

O pesquisador articula a medida com outras políticas e propostas em curso no país, que, segundo ele, têm como objetivo “enterrar a Constituição de 88”, alerta para um futuro de professores “uberizados”, com jovens formados como força de trabalho degradada, e ainda refuta a ideia de liberdade de escolha para as famílias de estudantes: “É uma falsa escolha. As famílias estarão escolhendo qual é a escola menos precária que eles terão acesso com seus vouchers. As desigualdades gerais das sociedades só vão aumentar”. Leia a entrevista:

A fala do ministro Paulo Guedes no Fórum Econômico Mundial, semana passada, veio a partir de um questionamento a respeito da agenda do Brasil relacionada à diminuição da desigualdade social. Sabemos que políticas de acesso à educação são essenciais para transformação desta realidade, mas é na distribuição de vouchers que a discussão deveria estar centrada, na sua opinião?

No Brasil, nós sabemos que o processo de implementação de vouchers tende a aumentar muito a desigualdade da oferta de educação, sobretudo penalizando setores mais pobres, explorados e expropriados da sociedade. É importante destacar que o modelo que Guedes seguramente reivindica é o modelo original do Chile. Nesse modelo, as famílias, ao receberem vouchers, podiam fazer opções entre as escolas públicas e as escolas privadas. As escolas públicas das periferias não têm outra receita senão os próprios vouchers. A população pobre não pode desembolsar recursos e fins próprios para complementar o valor da mensalidade, enquanto as famílias de setores mais favorecidos, das classes médias e altas, utilizavam o voucher como uma parte do pagamento.

E o que esta política ocasionou socialmente no Chile?

As marchas dos estudantes, em 2006, pelo movimento Pinguim [os estudantes chilenos foram apelidados assim por se vestirem de terno e gravata], demonstraram de maneira muito contundente que as escolas financiadas exclusivamente pelos vouchers eram muito degradadas, porque o valor não assegura o custeio básico adequado para elas. Então, na realidade, nós tivemos o pior cenário possível. Ou seja, de um lado as escolas voltadas para os setores mais pauperizados, mantidas pelos vouchers, em condições cada vez mais precárias. E, de outra parte, os setores das classes médias, os setores dominantes, em geral, com recursos muito mais relevantes, porque o voucher era apenas uma parte do pagamento da mensalidade. As famílias complementavam com recursos próprios as mensalidades.

As escolas privadas do Chile, por sua vez, fazem seleção dos estudantes, ou seja, já há uma seleção prévia, o que mascara os resultados educacionais. Essas instituições privadas que recebem voucher, além de terem um montante de recursos muito maior (voucher + mensalidade), são escolas seletivas. Com isso, nós tivemos, no caso chileno, um modelo extremamente perverso, que está na base da Revolta dos Pinguins e que chegou a mobilizar 20% da população do Chile – algo único na história das lutas pela educação pública. É uma mobilização que está na base do atual levante social que ainda está em curso no Chile. Diversas desigualdades permaneceram e isso é percebido hoje, pela população, como uma política nefasta.

Apesar da experiência mais próxima do Chile, em Davos o ministro apontou os investimentos em educação no Japão e na Coreia do Sul como inspirações. Podemos comparar a realidade educacional desses países com a do Brasil?

Países como Japão e Coréia estão em forte decréscimo populacional. O Japão é, hoje, um país em que a população e a unidade escolar estão encolhendo de forma muito acentuada. A opção do Japão foi não abrir o país aos imigrantes, e portanto eles têm um sistema educacional bastante homogêneo. A desigualdade social prévia, que é o grande problema dos vouchers, não existe por lá.

Mas mesmo países que utilizaram voucher e que têm igualdade social muito mais relevante do que a brasileira, como é o caso, por exemplo, da Suécia, não tiveram bons resultados. O próprio Ministério da Educação da Suécia disse ter sido uma má experiência, porque aumentou a desigualdade educacional. No caso da Suécia, isso ocorreu especialmente porque existe população imigrante. O voucher é uma política de indução, de diferenciação e competição interna das escolas.

O argumento da concorrência vem de um dos maiores defensores do voucher, Milton Friedman (1912-2006), prêmio Nobel de Economia e professor da Universidade de Chicago, da qual Guedes e os economistas liberais do Chile foram alunos… Após a ideia ter sido posta em prática e fracassado em países de realidades diferentes, já se pode dizer que esse é um argumento falho?

Sim, acredita-se que o benefício que o voucher traz é: quanto maior a competição, quanto mais concorrerem entre si pelos recursos, melhor as escolas vão se estruturar, vão investir na sua capacitação, etc. O que não se verifica no mundo real.

Na realidade, a escola pública é algo que – nas revoluções liberais, desde a Revolução Francesa, a Revolução Gloriosa, na Inglaterra, a Revolução Americana – sempre esteve associada a uma ideia do que uma nação gostaria de compartilhar com todo povo. A população tem muita mobilidade e há conhecimentos que devem ser de apropriação universal. Isso gera uma perspectiva de escola pública referenciada, um conceito complexo, que é a noção de cidadania. Ou seja, a escola assegura condições, ou deveria assegurar, para o exercício da cidadania, uma perspectiva muito mais ampla do que a formação de capital humano.

Hayek [Friederich Hayek, da Escola Austríaca de pensamento econômico], quando defende a utilização de mecanismos de mercado na educação básica, está, justamente, voltando-se contra a perspectiva da cidadania. Nesse caso, ele é mais radical do que o próprio Friedman, pois o que vale é os indivíduos competirem entre si. Portanto, a lógica neoliberal da educação é, essencialmente, uma lógica individualista. São os indivíduos que fazem escolhas no mercado, com seus vouchers, e a partir dessas escolhas os indivíduos mais empreendedores, mais agressivos, com maior capacidade de competição, irão optar pelas escolas que valorizam essa sua qualidade, de ser um indivíduo mais competitivo, de maior capacidade de se sobrepor aos outros no mercado. Isso desestrutura o sistema de educação, é uma política que inviabiliza qualquer horizonte de elevação geral da cultura, enfim, do conjunto da população. É o fim da experiência que se consolidou no século 19 de que a educação pública é um dever do Estado.

O que a política de vouchers indica, no Brasil, em relação ao entendimento da construção de cidadania e direitos sociais associados à educação pública e garantidos hoje pela Constituição?

A proposta é coerente com a política mais geral que está em curso no Brasil, expressa pelo próprio Guedes, de que a Constituição de 1988 tem que ser enterrada. Ou seja, não é mais possível, no padrão de acumulação no capital de hoje, o país ter uma constituição com os conceitos, princípios e diretrizes que estão presentes na Constituição de 1988. Os conceitos de Seguridade Social, de Saúde e de Educação, além de outras questões relativas ao uso social da terra, à proteção dos territórios indígenas… Enfim, tudo isso, na perspectiva de poder que hoje conduz a política econômica – representada pelo Guedes – coloca como estratégico o fim da Constituição de 1988.

O voucher é um subterfúgio para quebrar a centralidade da luta que os educadores e os setores democráticos têm relação à construção de um Sistema Nacional de Educação. Um sistema que é diverso, mas com princípios orientadores, valores comuns sobre o direito ao conhecimento, sobre a liberdade de cátedra, sobre a possibilidade de transformar cada escola no espaço que tenha a vibração da vida. Uma escola que seja pujante, que seja criadora, na qual as crianças se apaixonem pela ciência, pela cultura.

É isto que está em jogo, porque com os vouchers, não há perspectiva de ter alguma coisa comum no país. Ao contrário. Nós vamos ter as disparidades regionais e, dentro de cada região, as disparidades locais muito exarcebadas, naturalizando um apartheid educacional. Ou seja, nós vamos ter verdadeiros ‘bantustões’ [regiões criadas pelo regime do apartheid na África do Sul para manter os negros fora dos bairros de brancos], em que as crianças e os jovens ficarão com escolas de pobres, enquanto que os setores mais favorecidos podem se valer do seu voucher, para ser apenas uma complementação das suas mensalidades.

A quais interesses políticos, econômicos e ideológicos o uso de vouchers atende?

Os vouchers são uma forma de viabilizar a mudança estrutural na educação, a partir de uma conjunção de interesses extremamente poderosa: primeiro, da pequena política municipal, já que as escolas de Educação Básica são essencialmente escolas municipais e estaduais. A rede federal é uma ínfima perto do conjunto. Assim, o prefeito e o governador poderão operar politicamente por meio dos vouchers, como se fosse um favor de partido, da corrente política, de estar lá garantindo para aquela família o seu direito.

Segundo, contemplam o interesse das grandes corporações de educação, que, com a crise do Fies, estão buscando novos nichos de mercado. Eu me refiro aqui às empresas que tem capital na Bolsa, que são grandes corporações educacionais. A existência de vouchers seria a alavancagem do setor privado e mercantil. E os vouchers criariam condições de segmentar mais, como já estão segmentando, as escolas para tipos de estudantes diferentes. Essa é a essência dessa política. Ou seja, vai haver um tipo de escola para os pobres e um tipo de escola para alunos com tíquetes acima de R$ 2 mil, R$ 3 mil reais. Na educação básica, esse é um outro público, que serve para as corporações.

Em outra parte, atende também aos setores fundamentalistas, que apoiam o governo no parlamento. A bancada evangélica tem muito interesse nos vouchers, porque isso permitiria que eles elevassem o seu aparato educativo associado à sua religiosidade. É, justamente, o encontro de fundamentalismos, porque contempla tanto os adeptos do livre mercado selvagem, radical, como também aos fundamentalistas religiosos.

Movimentos como o Escola Sem Partido são contemplados por esta política?

O voucher é um instrumento para permitir que a educação pública seja alforriada do Estado e deslocada para a esfera do mercado. É seguro que muitos objetivos políticos estão convergindo para a política de vouchers, por isso que eu entendo que este é um dos acontecimentos mais graves do governo Bolsonaro. Com isso, teremos a supremacia das construções religiosas e das grandes corporações, que estão segmentando o mercado, mas também objetivos políticos que estavam subjacentes à Escola Sem Partido e outros movimentos.

Futuramente teremos consequências muito graves para o afastamento do Brasil da ciência contemporânea. Porque, com essa política perseverando, o país vai ficar em desconexão com a ciência do século 21, que busca perspectivas interdisciplinares. Temos muitos problemas estruturais neste século: com as consequências de mudanças climáticas, de problemas futuros com recursos hídricos, da proliferação de doenças, de arboviroses, o caso da China agora… E a ciência deve ser um acervo, deve ser um direito, deve ser um patrimônio da humanidade, para se poder pensar e transformar o mundo, para que nós não caiamos na  completa barbárie.

Nós estamos em um ambiente muito estranho, em que prevalece a chamada pós-verdade. Não há compromisso ético com a verdade. Há uma ofensiva contra um conceito de ciência como patrimônio da humanidade, da validade dos conhecimentos científicos, que obviamente sempre estão abertos a problematizações, questionamentos… Mas existem formas de validação do conhecimento científico que possibilitam que ele tenha um rigor, e seja explicativo da natureza, da sociedade, do mundo real. Tudo isso está sendo pasteurizado na perspectiva de que a ciência é apenas mais um discurso, ela é uma ficção verbal, então não há compromisso de coerência no discurso e os fatos do mundo real. Vimos isso em diversos momentos, nas questões relativas ao desmatamento na Amazônia, das queimadas, do aumento do trabalho precário, no Brasil, com o IBGE, enfim, diversos momentos. Infelizmente nós estamos encontrando esse tipo de formulação.

Após anunciar a política de vouchers, Guedes atribuiu a desigualdade brasileira a dois aspectos: o acesso à educação e aos altos impostos no trabalho. De que maneira a medida educacional apresentada está articulada especificamente com a política trabalhista em curso no Brasil?

É evidente que uma escola que se mantém por meio de voucher é uma escola que tem que perseguir de maneira mais radical possível a redução de custos. Daí, virão professores ‘uberizados’, não sindicalizados… Essa é uma experiência que aconteceu nos Estados Unidos, com muitas greves para lutar contra o cerceamento de ingresso de professores sindicalizados. O fato de o professor ter se sindicalizado em algum momento pode ser um fator impeditivo para que ele possa ter um emprego na escola mantida pelos vouchers.

O Brasil, infelizmente, está sendo pensado a partir da reforma trabalhista, da reforma da Previdência, e de todas as formas de hiperterceirização, inclusive das atividades fins, como o paraíso do trabalho simples, e não do trabalho complexo. Então, é também um horizonte para formação humana, da maior parte da juventude brasileira, como força de trabalho degradada, simples, expropriada. Recente estudo mostra que, de fato, o Brasil não cria empregos, hoje, acima de dois salários mínimos. Nós estamos nos convertendo num grande bolsão de força de trabalho superexplorada.

Mas um dos argumentos da utilização dos vouchers é relacionado justamente à liberdade das famílias na escolha do melhor ensino para o futuro de seus filhos…

O tema da liberdade de ensino foi um grande tema que polarizou as discussões sobre a Lei de Diretrizes e Bases, em 1961, que anunciava que setores da sociedade civil estavam conspirando abertamente contra a democracia, o que acabou se confirmando com o Golpe de 1964. O discurso de hoje tem semelhanças com aquele de 1961, porque a perspectiva era de que a escola pública seria uma escola que iria doutrinar, padronizar a formação da juventude, e isso feriria o direito das famílias de assegurar a melhor educação aos seus filhos.

Esse é um discurso que é retomado, nos dias de hoje, e que tem a ver com o momento de expansão política da bancada evangélica e também com um projeto de poder que está em curso, que é incompatível com a existência de perspectivas de cidadania, de direito social, de direito humano e de um pensamento crítico. Tudo isto, hoje, infelizmente, afirma-se como um projeto em que os setores econômicos e os setores fundamentalistas estão caminhando de mãos dadas.

Qual seria a fundamentação do direito de escolha? A família com um cheque vai poder fazer a escolha que for mais adequada para os seus anseios, e para suas perspectivas, para os seus horizontes de vida? Em primeiro lugar, é importante destacar que as famílias provenientes dos setores mais explorados, expropriados, que moram nas favelas, nos territórios de maior pobreza, terão que forçosamente fazer escolhas com escolas diferenciadas daquelas dos setores mais favorecidos da sociedade. Elas terão que se contentar com escolas em seus próprios territórios: a mobilidade social na cidade não comporta o deslocamento de milhões de crianças em busca de escolas “de maior prestígio”. Até porque essas escolas não têm vaga e, sobretudo, as privadas fazem seleção.

É uma falsa escolha. Elas terão que escolher, na realidade, escolas do seu próprio contexto, e que rigorosamente não se mantém com os vouchers. Nessas escolas, os vouchers são a maneira de empurrar para baixo o gasto educacional. Isso é dito como um gasto mais eficiente, o que vai ser um menor gasto, porque terá menos recursos. Os professores não têm carreira, não têm reconhecimento da sua qualificação, quando fazem especialização, mestrado e doutorado, porque as escolas não têm atividades mais diversificadas, como oficinas de leitura e atividades vinculadas à arte, à cultura, laboratórios de ciência. As instituições terão que enxugar muito os seus gastos.

Então, as famílias estarão escolhendo qual é a escola menos precária que eles terão acesso com seus vouchers. As desigualdades gerais das sociedades só vão aumentar. Porque a escola pública é mais democrática que a sociedade. Se nós olharmos o perfil social dos estudantes que estão chegando à universidade pública, ele é muito mais democrático do que a sociedade. Ou seja, se pegarmos os 40% mais pobres e, sobretudo, 20% mais pobres da população brasileira, há uma participação percentual maior na universidade pública do que eles têm em relação a outras dimensões sociais, em relação a salário, em relação à moradia, em relação às condições de habitação, saneamento. A escola pública tem uma composição mais democrática do que a estrutura da sociedade. Isso é uma herança positiva e muito relevante, da própria perspectiva Iluminista, que vem da Revolução Francesa, e que, de certa forma, orienta grande parte dos debates sobre a escola pública do século 19 e início do século 20.

O anúncio da política de vouchers se articula com o adiamento da discussão e renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização de Profissionais da Educação (Fundeb) – principal fonte de financiamento da educação básica pública no Brasil, que tem vigência apenas até 2020? É possível pensar financiamento da Educação, hoje, sem abordar o Custo Aluno-Qualidade (CAQ), previsto pelo Plano Nacional de Educação e ainda não implementado?

Os vouchers são uma forma do governo federal  estruturar um aparato político, em todo país, em que a autonomia relativa dos municípios e dos estados vai ser desconsiderada. O Fundeb, com todos os seus imensos limites, estabeleceu parâmetros que reduziram as disparidades regionais. Mas o Fundeb não avançou na redução das desigualdades, justamente porque o Custo Aluno-Qualidade de hoje não permite uma elevação do orçamento e da qualidade da educação pública.

Nós temos que lembrar que foi aprovada uma lei [do Plano Nacional de Educação], que tem seus problemas, mas que determinou que o país alcançasse, em 10 anos, 10% do PIB. Hoje, o país gasta 5% do PIB, e, portanto, o tema do Fundeb é sobre como vamos chegar, em última instância, nos 10% do PIB. Para elevar os gastos da educação com resultados efetivos, um gasto racional, que efetive melhoria da escola pública, precisamos implementar o CAQ. Assim, nós podemos ter uma mirada para escola pública não apenas como uma escola de pobre, para pobre, mas como uma instituição da nação. Uma instituição estratégica, que assegura direitos, e nós precisamos muito assegurar esses direitos da juventude.

Uma escola pública, hoje, é necessariamente uma instituição muito complexa, porque a ciência, a tecnologia, a cultura, a arte, as linguagens, se complexificaram enormemente. Então, nós precisamos de escolas públicas com infraestrutura de bibliotecas, para esportes, para área de cultura e de artes, para área da ciência, salas e laboratórios de ensino. Sobretudo, nós precisamos assegurar uma assistência estudantil que proteja as crianças provenientes dos setores mais expropriados, frente à pressão econômica, para que elas possam se manter na escola.

Então, precisamos elevar os gastos com a educação. Hoje, nas condições que temos no país, sobretudo, pensando a curto e médio prazos, nós precisamos de um mecanismo que corrija essas desigualdades, essas disparidades regionais. E o Fundeb, lastreado no Custo Aluno-Qualidade, pode ser uma ferramenta muito importante para isso.

É importante destacar que a União aporta, aproximadamente, somente 10% dos recursos do Fundeb, e o resto fica por conta dos estados e municípios. De 5% do PIB que o país gasta com toda educação – da educação infantil à graduação das universidades públicas – aproximadamente, 3,85% vêm dos estados e municípios. A União só comparece com 1,2% do PIB.

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

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