A análise completa e as recomendações sobre as violações na comunidade da Amazônia maranhense serão apresentadas na 45ª Sessão Ordinária do Conselho de Direitos Humanos (CDH), na sede das Nações Unidas, em Genebra, com transmissão ao vivo através da UN TV.
Joka Madruga, em Terra Sem Males*
O Estado brasileiro será cobrado pelas violações de direitos ocorridas em Piquiá de Baixo (Açailândia-MA). Recomendações serão apresentadas em relatório, na 45ª Sessão Ordinária do Conselho de Direitos Humanos (CDH), nesta sexta-feira (18/09) às 10h, na sede das Nações Unidas, em Genebra com transmissão ao vivo através da UN TV. Baskut Tuncak, relator especial na área “Implicações da gestão e eliminação ambientalmente racional de substâncias e resíduos perigosos” até julho de 2020, esteve no Brasil em dezembro de 2019, visitando comunidades atingidas, entre elas Piquiá de Baixo.
O relatório completo da visita será apresentado pelo chileno Marcos Orellana, atualmente novo relator da ONU sobre gestão de substâncias e resíduos perigosos, que apresentará a análise e as recomendações ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) com base no levantamento de Baskut. Além do caso de Piquiá de Baixo, o Governo do Brasil também será cobrado pelas medidas tomadas em relação aos crimes ambientais nas comunidades mineiras de Brumadinho e Mariana e a utilização indiscriminada de agrotóxicos no país.
Piquiá sofre há mais de trinta anos pela poluição incessante provocada pelas empresas de mineração e siderurgia instaladas na região através do Programa Grande Carajás, implementado pela então Companhia Vale do rio Doce, hoje Vale S.A. O caso da comunidade é emblemático e já foi tema por duas vezes na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) interpelou formalmente o Governo brasileiro, sobre as violações de direitos na comunidade, por meio de uma carta de quatro Relatores Especiais com dez perguntas solicitando informações sobre “contaminação e envenenamento” em Piquiá de Baixo. Pela segunda vez, o Governo do Brasil será cobrado pela forma com que tem tratado as violações de direitos humanos na comunidade.
O Conselho de Direitos Humanos é o órgão criado pelos Estados-Membros da Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de reforçar a promoção e a proteção dos direitos humanos em todo o planeta. A 45ª Sessão Ordinária do Conselho ocorrerá entre os dias 14 de setembro e 06 de outubro de 2020. Em decorrência da pandemia de COVID-19, acontecerá em formato híbrido: o Conselho de Direitos Humanos dialoga e delibera por meio de videoconferência e por vídeos gravados. A Sessão será transmitida ao vivo através da UN TV.
Em visita ao Brasil, o relator Baskut Tuncak esteve no bairro de Piquiá de Baixo e ouviu moradores sobre os impactos e violações causados pelas siderúrgicas e pela empresa Vale na comunidade maranhense. Ao final de sua estadia no país, ele participou de uma coletiva de imprensa, em Brasília, onde compartilhou observações preliminares de sua visita a Piquiá de Baixo e as demais comunidades. “As dificuldades do povo de Piquiá de Baixo, sofrendo osimpactos do transporte e processamento do minério de ferro literalmente em seus quintais,representa um dos casos mais audaciosos de um grupo empresarial que opera em totaldesrespeito aos direitos humanos e, ao mesmo tempo, a incrível história de uma comunidade que continua lutando por seus direitos humanos”, afirmou.
Em luta há mais de 10 anos por reassentamento longe da poluição, a comunidade pôde ver o novo bairro “Piquiá da Conquista” ganhar forma a partir de novembro de 2018. No entanto, as obras já iniciaram ameaçadas: houve cortes significativos no programa federal Minha Casa Minha Vida, do qual provém a maior parte do recurso para a construção do reassentamento da comunidade. Sobre o assunto Tuncak pontuou: “A tomada de ações urgentes pelo governo é necessária para garantir a continuação do programa Minha Casa Minha Vida,bem como contribuições consistentes e rápidas do governo e das empresas envolvidas, paraatender aos desejos dos membros da comunidade, que optaram a serem removidos dascondições de vida inquestionavelmente tóxicos, e as quais foram forçados a aguentarem por décadas”.
O novo relator, Marcos Orellana, esteve presente de forma remota no V Fórum Regional de Empresas e Direitos Humanos para a América Latina e o Caribe, realizado na última quinta-feira, 10 de setembro, que reuniu lideranças de quatro países da América Latina, entre eles o Brasil, com a participação da comunidade de Piquiá de Baixo. A sessão paralela do Fórum tinha como tema “Estratégias da Sociedade Civil para responder aos impactos das atividades extrativas sobre Direitos Humanos no contexto da pandemia”.
Wandeberg Menezes de Oliveira, educador social e morador de Piquiá de Baixo, trouxe relato sobre os impactos durante o Fórum e fez um apelo ao relator: “Em 7 de dezembro doano passado, em sua visita ao Brasil, o relator especial de resíduos tóxicos Baskut Tuncakesteve em nossa comunidade para conhecer nossa luta. […] Nós, moradores de Piquiá deBaixo e todos as famílias que esperam por suas casas, gostaríamos de que a preocupaçãodo relator que nos conhece pessoalmente também seja a preocupação do senhor Marcos Orellana. Nós esperamos que o relator especial da ONU nos apoie em nossa luta.”
Sobre a 45ª Sessão Ordinária do Conselho
As organizações não governamentais (ONGs) e Instituições Nacionais de Direitos Humanos (INDHs) que não estiverem presentes em Genebra participarão via vídeos previamente gravados. Desta forma, a 45ª Sessão funcionará em modo reduzido, sem a realização de eventos paralelos físicos e sem os importantes espaços de reuniões bilaterais e consultasinformais com diplomatas, ONGs, INDHs e funcionários da própria ONU. As negociações dos projetos de resoluções ficaram também reduzidas, uma vez que algumas delegações decidiram apresentar seus projetos em futuras sessões.
Comunidades da Grande Ilha São Luís: Taim, Cajueiro e estudiosos do Maranhão foram ouvidos
Baskut Tuncak esteve em São Luís, no dia 09 de dezembro, e ouviu pesquisadores e representantes de movimentos populares e comunidades impactadas pela cadeia da mineração. Na ocasião, moradores da zona rural da capital, que sofrem com o alto índice de poluição, relataram como os poluentes têm afetado a vida humana, fauna e flora na GrandeIlha São Luís. Os saberes e relatos das dificuldades para sobreviver nestas áreas, juntamente com estudos de especialistas desenharam a realidade das regiões impactadas.
Um breve histórico sobre o reassentamento de Piquiá de Baixo
Piquiá de Baixo é um dos bairros mais antigos do município de Açailândia – MA, sua ocupação remota a década de 1950. No final dos anos 80, a partir da instalação de siderúrgicas e da Estrada de Ferro Carajás, seus moradores passaram a conviver com a poluição decorrente das operações de mineração da Vale S.A. e da produção de ferro-gusa, aço, cimento e energia termoelétrica pelas empresas siderúrgicas que se instalaram na comunidade no contexto do Programa Grande Carajás. A partir de 2008, organizados em associação, os moradores optaram pelo reassentamento coletivo e por reivindicar várias outras medidas de reparação integral pelos danos sofridos.
A partir de uma intensa mobilização popular, com ocupações da BR 222, nas portarias das empresas siderúrgicas, denúncias a Organização das Nações Unidas (ONU), a Comissão interamericana de Direito Humanos, o caso de Piquiá de Baixo alcançou visibilidade e apoio em nível nacional e internacional, a Associação Comunitária de Moradores de Pequiá (ACMP) conseguiu levar as empresas, consideradas responsáveis pelas violações socioambientais, a uma mesa de longa negociação extrajudicial, mediada pelo Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública Estadual do Maranhão.
Entre 2007 e 2012, a luta da comunidade foi para formar uma mesa de negociação onde estivessem presentes as siderúrgicas, a Vale S.A., o Município e o Estado. Alguns acordos foram firmados, mas só em 2013 a Associação teve condições técnicas e financeiras de apresentar o projeto para aprovação na prefeitura local. Em 2014, o projeto básico foi
apresentado e aprovado pela Caixa Econômica Federal; em 2015 foi selecionado pelo Ministério das Cidades, o que garantiu cerca de 60% dos recursos (públicos) necessários à construção do novo bairro, que já tem nome registrado em cartório: Piquiá da Conquista.
O terreno para o reassentamento foi obtido após uma longa batalha em ação judicial de desapropriação, concluída em 2015. O novo espaço terá que receber toda a infraestrutura a que as famílias têm direito; O custo total da obra foi avaliado acima de R$ 29 milhões, sendo que desse montante apenas R$ 2 milhões e 130 mil (7,5%) foram aportados pelas empresas siderúrgicas, através do Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Estado do Maranhão (SIFEMA). Está ainda sendo aportado um valor de Vale S.A. e Fundação Vale, no valor total de R$ 6 milhões e 240 mil (22%).
No final de 2018, tiveram início as obras do novo bairro, que deve abrigar 312 famílias. Devido à demora e à burocracia para aprovação do projeto executivo do novo bairro, as obras já tiveram início com uma defasagem nos recursos de cerca de R$ 3 milhões, uma vez que entre o período de cálculo dos valores dos materiais e o início das obras os materiais de construção haviam subido de preço, mas os repasses de valores pelo programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, não acompanharam esses aumentos.
Para cobrir essa defasagem nas obras, a Associação de Moradores da comunidade apresentou várias demandas de comprometimento para o poder público municipal e Governo do Estado, por entender que são corresponsáveis pelas violações de direitos na comunidade, uma vez que o direito de operação das empresas e a fiscalização é feita pelos poderes públicos. No final de 2019, a prefeitura de Açailândia entrou com o aporte de R$ 1 milhão, referente a recurso da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais). Já o governo estadual sempre alegou falta de recurso. A Associação também apresentou demanda à Vale para cobrir a defasagem das obras, mas até o momento ainda não aconteceu nenhum aporte nesse sentido.
Em março de 2020, a comunidade de Piquiá sofreu com uma enchente que desabrigou 253 pessoas e destruiu 25 casas, em paralelo houve a chegada da pandemia do novo coronavírus e as obras ficaram paralisadas por mais de 100 dias. Com a paralisação e o constante aumento dos materiais de construção (segundo levantamento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção – CBIC- a maioria dos itens teve alta de até 10%), a obra de Piquiá da Conquista precisa cobrir despesas relativas a pandemia no valor total de outros R$ 315.817,82. Os moradores esperam que o relatório apresentado na próxima sexta-feira, possa reforçar junto aos poderes públicos a necessidade de atenção ao processo de reassentamento da comunidade.
*Com informações do Justiça nos Trilhos.
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Imagem: Fim de tarde em Piquiá de Baixo / Foto: arquivo Justiça nos Trilhos