Procuradoria Regional da República da 3ª Região
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, acolheu recurso do Ministério Público Federal (MPF) e determinou que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) faça uma nova análise de uma ação civil pública movida contra três delegados da Polícia Civil de São Paulo por atos cometidos durante a ditadura militar. Como aponta o MPF, os três participaram de crimes de tortura, abuso sexual, desaparecimentos forçados e homicídios, em serviço e nas dependências do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), durante o regime militar (1964–1985). Entre as vítimas apontadas, estão o jornalista Vladimir Herzog, morto na prisão em 1975.
Com sua decisão, o STJ reforma o acórdão do TRF3 que entendeu ter havido prescrição dos pedidos do MPF e, além disso, aplicou a Lei da Anistia para afastar os pedidos de reparação de caráter cível e administrativo.
A ação pede a responsabilização pessoal de Aparecido Laertes Calandra, David dos Santos Araujo e Dirceu Gravina, além da condenação a reparação por danos morais coletivos e restituição das indenizações pagas pela União. Capitão Ubirajara, capitão Lisboa e JC, codinomes utilizados, respectivamente, pelos três policiais enquanto atuaram no DOI-Codi, foram reconhecidos por várias vítimas ou familiares em imagens de reportagens veiculadas em jornais, revistas e na televisão.
A ação – O MPF propôs a ação civil pública em agosto de 2010, pedindo que os agentes fossem condenados a indenizar os familiares das vítimas e tivessem cassadas as aposentadorias, ou perdessem os cargos públicos que eventualmente exerçam, e ainda que ficassem impedidos de assumir quaisquer novas funções públicas. O MPF também requereu a condenação dos delegados ao pagamento de danos morais coletivos. A ação também pede que a União e o estado de São Paulo publiquem pedidos formais de desculpas à sociedade brasileira, além do fornecimento dos dados de todos os funcionários envolvidos nas atividades do DOI-Codi.
A ação foi julgada improcedente em primeira instância. Houve a rejeição antecipada do mérito do pedido, ou seja, nem sequer foi iniciada a instrução probatória. O MPF recorreu, mas em 2017 o Tribunal manteve a sentença, sob o argumento de que a Lei de Anistia alcançou todos os atos cometidos no período do regime militar, inviabilizando a pretensão de punição civil e administrativa dos agentes. O Tribunal também afirmou que os pedidos de indenização civil por atos de tortura estariam prescritos.
Em julho de 2018, o MPF recorreu ao STJ pedindo a retomada do processo para instrução probatória. “A anistia (…) foi de natureza criminal, em sentido estrito. Assim, a anistia não alcança a responsabilização civil dos responsáveis por ilícitos perpetrados no contexto da repressão à dissidência política”, afirmou o procurador regional da República Marlon Alberto Weichert em seu recurso.
O procurador ainda apontou que o TRF3 rejeitou o cumprimento da sentença da Corte, no paradigmático Caso Gomes Lund (guerrilha do Araguaia), sob o argumento de que o Poder Judiciário não precisa observar a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos. “O Tribunal a quo afirmou, ainda, que não reconhecia a competência da Corte internacional para apreciar a matéria sob demanda, com o entendimento de que o Brasil reconheceu como obrigatória a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos apenas para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998”, explicou o procurador, apontando veemente discordância do MPF com esse posicionamento.
Decisão do STJ – Com a decisão do STJ, o processo deve voltar para primeira instância, para que seja devidamente instruído e julgado. O ministro Og Fernandes, relator do recurso, apontou que existe precedente do próprio STJ no sentido de que a Lei da Anistia não incide sobre as causas cíveis, de forma que o Judiciário não poderia estender sua aplicação para alcançar hipóteses não previstas na lei.
O relator ainda apontou que, ao contrário do que entendeu o TRF3, a jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que são imprescritíveis as ações civis fundamentadas em atos de perseguição política, tortura, homicídio e outras violações de direitos fundamentais cometidas durante o regime militar, independentemente do que tenha entendido a Corte Interamericana de Direitos Humanos ou do que estabeleçam os tratados internacionais de que o Brasil é parte.
“Portanto, não há nenhum óbice apriorístico quanto às pretensões da parte autora. Assim, devem os autos retornar à origem, para prosseguimento da instrução”, concluiu o ministro.
(Com informações do STJ)
Processo nº 0018372-59.2010.4.03.6100
Andamento no STJ
Recurso do MPF
Acórdão do TRF3 –
Inicial da ação.
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Foto: Instituto Vladimir Herzog