Decisão liminar reconheceu ilegalidade de norma da Funai que permitiu imóveis particulares em áreas indígenas em processo de homologação
Ministério Público Federal em São Paulo
O Ministério Público Federal conseguiu na Justiça impedir o registro de propriedades rurais em terras indígenas que ainda estão em processo de demarcação nos municípios paulistas de Peruíbe, Itanhaém, Mongaguá, Praia Grande e São Vicente. Decisão liminar proferida nesta segunda-feira (5) determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) levem em conta as terras indígenas com processo de homologação em andamento ao analisar a sobreposição de áreas para certificar os limites de imóveis rurais. A decisão atende a pedidos feitos pelo MPF em ação civil pública ajuizada em setembro.
O registro de propriedades particulares dentro de terras indígenas que ainda não foram homologadas se tornou possível após a edição, pela Funai, da Instrução Normativa (IN) nº 9, de 16 de abril de 2020. O novo texto substituiu uma norma de 2012 e restringiu substancialmente as hipóteses que impediam a emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites (DRL) para proprietários rurais. Tal documento, exigido para o registro do imóvel, atesta a inexistência de sobreposição da propriedade com área de usufruto indígena, pertencente à União.
Antes da IN 09/2020, não podiam obter a DRL os imóveis que incidiam em terras indígenas em estudo de identificação e delimitação, bem como naquelas delimitadas pela Funai, declaradas pelo Ministro da Justiça ou interditadas. Com a edição da nova norma, tais casos deixaram de ser impedimento para o reconhecimento dos limites de imóveis rurais, permitindo-se o registro de propriedade de territórios que podem se tornar terras indígenas no futuro.
Atendendo aos pedidos do MPF, a liminar reconheceu, de forma incidental, a ilegalidade, inconvencionalidade e inconstitucionalidade da IN 09/2020. Para a juíza federal substituta Marina Sabino Coutinho, autora da decisão, a norma editada pela Funai não só viola direitos dos povos indígenas, como também cria situação de insegurança jurídica para os particulares. “A certificação da propriedade sob terras indígenas gera expectativa de direito que tende a ser suprimida pela posterior, e possível, homologação da terra indígena”, afirma. A magistrada destaca ainda que a instrução normativa aumenta a possibilidade de conflitos fundiários, já numerosos em nosso país.
Nos municípios integrantes da Subseção Judiciária de São Vicente, a IN 09/2020 afetava pelo menos oito terras indígenas cujos processos de demarcação ainda estão em andamento. São elas: Aldeinha e Guarani de Paranapuã (Xixova Japuí), em São Vicente; Itaóca, em Mongaguá; Aldeia Tangará e Aldeia Nhamandu Oua, em Itanhaém; Aldeia Tekoá Mirim, em Praia Grande; Piaçaguera, em Peruíbe; e Tenondé Porã, localizada nos municípios de São Vicente e Mongaguá, além de São Bernardo do Campo e São Paulo.
Medidas – A decisão determina que a Funai mantenha ou, no prazo de 30 dias, inclua no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) as terras indígenas em processo de demarcação nos municípios de Peruíbe, Itanhaém, Mongaguá, Praia Grande e São Vicente. Tais áreas deverão ser consideradas na emissão da DRL. O Incra também deverá levar em conta tais territórios no procedimento de análise de sobreposição realizada pelos servidores credenciados no Sigef para a certificação dos limites de imóveis rurais. O instituto e a União, que é igualmente ré na ação, deverão ainda se abster de qualquer ato que possa impedir o cumprimento da decisão judicial.
Entende-se por terra indígena em processo de demarcação as áreas formalmente reivindicadas por grupos indígenas, aquelas em estudo de identificação e delimitação, as terras indígenas delimitadas (com os limites aprovados pela Funai), as declaradas (com os limites estabelecidos pela portaria declaratória do Ministro da Justiça) e aquelas com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios isolados.
A ação civil pública que motivou a decisão é de autoria do procurador da República Ronaldo Ruffo Bartolomazi. O número do processo é 5002617-29.2020.4.03.6141. Para consultar a tramitação, acesse o site da Justiça Federal.
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Imagem: TI Tenondé Porã (Foto: Carlos Penteado )