MPF quer responsabilização civil de três ex-agentes da ditadura por tortura e mortes no DOI-Codi em São Paulo

Em alegações finais, Ministério Público pede que réus sejam condenados a ressarcir União e estado de SP por indenizações pagas a vítimas da repressão

Ministério Público Federal em São Paulo

O Ministério Público Federal (MPF) quer que a Justiça Federal reconheça a responsabilidade civil de três ex-agentes da ditadura por violações a direitos humanos cometidas no DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, na primeira metade dos anos 1970. Aparecido Laertes Calandra, David dos Santos Araújo e Dirceu Gravina atuaram na unidade naquele período onde participaram da tortura e da morte de diversos opositores do regime militar. O pedido do MPF faz parte das alegações finais apresentadas no âmbito de uma ação civil pública que tramita desde 2010. Esta é a última etapa do processo antes do julgamento.

O MPF pede também que os réus sejam condenados a ressarcir valores que a União e o estado de São Paulo pagaram desde 2005 para indenizar os crimes políticos praticados no DOI-Codi contra 15 vítimas. Caso as requisições do MPF sejam integralmente acolhidas, os ex-agentes terão ainda as aposentadorias canceladas e perderão eventuais funções ou cargos públicos que ocupem atualmente. Por fim, a ação quer que o estado de São Paulo seja obrigado a revelar todos os servidores que, assim como Calandra, Araújo e Gravina, foram designados ou cedidos para atuar na unidade de repressão.

Com o pedido para que seja declarada a responsabilidade civil dos réus, o MPF busca o reconhecimento de que o Estado brasileiro cometeu atos ilegais e de lesa-humanidade contra a população. A repressão política durante a ditadura baseou-se em um sistema organizado e marginal de perseguição aos opositores do regime com o objetivo de exterminá-los. As condutas dos ex-agentes são imprescritíveis e não podem ser anistiadas, uma vez que foram praticadas em um contexto de ataque sistemático e generalizado à sociedade.

Apesar de clandestino, o aparato de repressão seguia uma coordenação centralizada, de cuja operação a cúpula militar tinha pleno conhecimento. A recente revelação de áudios das sessões do Superior Tribunal Militar nos anos 1970, por exemplo, revela que os ministros da Corte sabiam da prática de tortura em unidades como o DOI-Codi em São Paulo e chegavam a externar preocupação com os relatos de crueldade, exigindo apurações.

Outro documento que demonstra a ciência do alto comando sobre os abusos é um relatório de abril de 1974, assinado pelo então diretor da CIA William Colby. Ele descreve uma reunião na qual o presidente Ernesto Geisel deu aval para que o Serviço Nacional de Informações (SNI) prosseguisse com as mortes de militantes políticos, desde que as autoridades superiores fossem antes consultadas.

O DOI-Codi em São Paulo foi um dos principais centros de tortura durante a ditadura militar, sobretudo entre 1971 e 1974, quando esteve sob o comando do major Carlos Alberto Brilhante Ustra. Espancamentos, choques elétricos, afogamentos e estupros eram práticas comuns contra os presos para que revelassem informações sobre as atividades de oposição à ditadura. Capturadas sem mandados judiciais e mantidas ilegalmente em prisão, as vítimas muitas vezes não resistiam às agressões. Naqueles quatro anos, ao menos 55 pessoas morreram ou desapareceram após passagem pelo destacamento. Os sobreviventes tiveram que suportar sequelas físicas e psicológicas.

“Além dos danos sofridos diretamente por essas pessoas e seus familiares, também a coletividade (sociedade brasileira) suportou e suporta prejuízos de ordem imaterial. O medo, o desrespeito às leis e aos direitos humanos e a omissão da verdade sobre as circunstâncias dos ilícitos perpetrados também geraram – e geram – danos que devem ser reparados”, destacou a procuradora da República Ana Letícia Absy, autora das alegações finais do MPF.

Condutas como as de Calandra, Araújo e Gravina são coibidas por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e já renderam duas condenações ao país na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que afastou a possibilidade de anistia e determinou a obrigação de investigar, processar e julgar ex-agentes da ditadura. Apesar disso, a Justiça brasileira continua se baseando na Lei da Anistia (6.683/1979) para impedir o avanço de ações desse tipo.

Além das vedações à sua aplicação, a lei de 1979 não abrange reparações civis como as requeridas no processo contra os ex-integrantes do DOI-Codi. Ainda assim, a Justiça Federal em São Paulo e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) evocaram o texto para negar os pedidos do MPF em primeira e segunda instâncias. A ação foi retomada somente em janeiro de 2020, após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolher recurso do Ministério Público e reconhecer a imprescritibilidade da pretensão indenizatória em casos de violações a direitos fundamentais durante o regime militar. A tramitação prossegue desde então na 7ª Vara Cível Federal de São Paulo.

O número da ação é 0018372-59.2010.403.6100. O andamento pode ser consultado aqui.

Íntegra das alegações finais do MPF

Foto: Arquivo Nacional/ Correio da Manhã

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