Reconhecida em decreto como de direito de Quilombo Paiol de Telha (PR), posse de área é julgada pelo TRF-4

Em pauta nesta terça-feira (12) no Tribunal Regional Federal, recurso de apelação da Cooperativa Agrária reivindica reintegração de área. Decisão pode resultar em despejo de 50 famílias.

Por Terra de Direitos

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) deve julgar, na próxima terça-feira (12), em Porto Alegre (RS), sobre a posse de uma das áreas de direito territorial da Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha. Localizada em Reserva do Iguaçu (PR), a Comunidade é alvo de um recurso de apelação movido pela Cooperativa Agrária. A sessão está agendada para às 9h.

O recurso em julgamento busca reverter uma decisão desfavorável à Cooperativa, no âmbito de uma ação de interdito proibitório. Com ida para justiça federal em 2015, a ação requeria que as famílias da Comunidade quilombola fossem impedidas de residir na área em julgamento até encerramento do processo de desapropriação e do pagamento da indenização à Agrária – uma das etapas finais do longo processo de titulação de um território tradicional quilombola. Com decisão favorável à comunidade pela 11ª Vara de Curitiba (PR), a Cooperativa busca – em 2ª grau – reverter a decisão inicial.

Caso os desembargadores acolham o recurso de apelação movido pela Cooperativa, a decisão pode significar o despejo de cerca de 50 famílias residentes na área, por meio de uma reintegração de posse em favor da Cooperativa.

Em recente manifestação, o Ministério Público Federal opinou pela rejeição do recurso movido pela Agrária. “Considerando o direito à posse dos remanescentes de quilombos de área já reconhecida como quilombola e declarada de interesse social, a situação de vulnerabilidade da comunidade quilombola, a necessidade de se evitar intenso conflito fundiário, e o estágio avançado da ação originária, a solução mais adequada é confirmar a manutenção da posse da comunidade quilombola”, declara em um trecho.

Na manifestação o órgão faz referência a um conjunto de contextos e documentos que asseguram – na lei e no processo administrativo – o direito de posse coletiva à Comunidade. Antes mesmo do ajuizamento da ação pela Cooperativa o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) já havia reconhecido, em 2014, por meio da Portaria de Reconhecimento nº 565, a área como território quilombola Paiol de Telha. Em 2015, mesmo ano de ajuizamento do interdito, a Presidência da República emitiu decreto de desapropriação que compreendia a área em julgamento. Em avançada fase de desapropriação, a autarquia obteve em 2021 a imissão de posse das áreas que ainda não foram tituladas. (Veja mapa)

Ainda que não seja propriamente a titulação da área, a imissão antecipa os efeitos de titulação até que a efetiva titulação aconteça, permitindo às famílias o exercício da posse tradicional quilombola sobre essas áreas. Isto porque, como medida liminar, possibilita que a autarquia federal transfira a posse das matrículas para a associação quilombola da comunidade. Com isso, o andamento do processo já permitia – em termos legais – o direito de ocupação das áreas e organização da vida no território tradicional pelas famílias.

Para o MPF o acolhimento do recurso, com a reintegração da área pela Cooperativa, no decurso do andamento do processo de titulação geraria uma violação em larga escala dos direitos territoriais quilombolas e mesmo risco à sobrevivência da Comunidade.

“Seria um enorme contrassenso permitir a retirada de remanescentes de quilombos dos seus territórios étnicos – pondo em risco a sobrevivência do grupo – para, em seguida à desapropriação, restituir a eles as mesmas terras, além de configurar um atentado indesculpável aos direitos fundamentais destas populações, com a completa frustração dos objetivos subjacentes ao referido art. 68”, aponta o MPF.

Ônus da paralisação
Na avaliação da Terra de Direitos, organização que assessora juridicamente a Comunidade Paiol de Telha, ao reivindicar a reintegração da área em favor da Cooperativa, a Agrária transfere novamente para as famílias o ônus da lentidão do Estado em finalizar o processo de titulação do território tradicional.

Isto porque os danos gerados pela lentidão do estado em assegurar a posse coletiva do território tradicional à Comunidade é objeto, inclusive, de uma Ação Civil Pública (ACP) ajuizada em 2018 pela Associação Paiol de Telha. Em março de 2019 a juíza federal Sílvia Regina Salau Brollo, da 11ª Vara Federal de Curitiba, concedeu liminar para obrigar a autarquia federal a titular uma área de 225 hectares, já que a União já tinha recursos para desapropriação disponíveis desde 2016. A juíza ainda determinou que a União repassasse ao Incra o montante de 23 milhões de reais, no prazo de 6 meses, para que seja dado seguimento à titulação.

Diante da paralisia do Incra, a medida judicial foi determinante para garantir a titulação parcial do território em 2019 – de área de 225 hectares. A pequena área é insuficiente para assegurar condições para reprodução da vida às mais 300 famílias da Comunidade e muito distante dos 2,9 mil hectares oficialmente reconhecidos pelo Incra, ou seja, apenas 7,8%, como de direito da Comunidade.

Mais ainda, o repasse não ocorreu. No trânsito da Ação Civil Pública o Incra e a União afirmaram, em 2019, que a demora na regularização da titulação total da área decorre por conta da insuficiência de recursos financeiros para pagamento das indenizações.

Passados dois anos o orçamento destinado à desapropriação de áreas para fins de titulação evidenciam que o argumento e ação da administração pública estão alinhados: no ano de 2021 o governo executou a rubrica de apenas R$ 956,3 mil para fins de desapropriação, de acordo dados mapeados com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). O baixíssimo valor, na prática, significa a paralisação da titulação quilombola. Opositor à titulação quilombola, o presidente Jair Bolsonaro (PL) cumpre à risca a promessa feita em campanha eleitoral de não assegurar “nem um centímetro para quilombola ou reserva indígena”. 

De acordo com a assessoria jurídica da Terra de Direitos, a Cooperativa poderia desenvolver com outras ações para pressionar a União para pagamento da indenização da área, com menor prejuízo às famílias, como ingressar na Ação Civil Pública, como terceira parte interessada ou propor uma ação ou mesmo seguir em acordos com o Incra, entre outras possibilidades. 

Foto: Lizely Borges

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