Para especialistas, “Corte não está numa posição confortável” e há “cenário de golpe”, apesar da falta de apoio político
Cristiane Sampaio, no Brasil de Fato
A capital federal amanhece imersa em um cenário de dúvidas nesta quarta-feira (7) sobre como deverão se desenrolar as próximas horas deste 7 de Setembro, data para a qual o presidente Jair Bolsonaro (PL) agendou evento comemorativo em Brasília (DF) durante o período da manhã, antes de seguir para uma programação semelhante no Rio de Janeiro (RJ).
Na noite de terça (6), a cidade ampliou o alerta diante da data após o ex-capitão viver um embate público com o governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha (MDB), por conta do acesso à Esplanada dos Ministérios durante o evento, que este ano marca os 200 anos de independência do Brasil.
O presidente mandou o Exército liberar a entrada de caminhões no espaço, mas o mandatário local disse que não está autorizado esse tipo de ingresso porque somente a circulação de pessoas está prevista para o desfile de 7 de Setembro nesta quarta na Esplanada, onde é esperado um contingente de 280 mil pessoas – a rede hoteleira de Brasília, por exemplo, está com 83% de ocupação por conta das comemorações, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do DF (Abih-DF).
A Esplanada está interditada desde a noite de segunda-feira (5), o que mexeu com a rotina da cidade. O bloqueio estava previsto para ocorrer somente no final da tarde de terça, mas a chegada inesperada de um grupo de caminhoneiros fazendo um buzinaço no local acabou antecipando o início do esquema para segunda. O episódio fez o Supremo relembrar o trauma do ano passado, quando um grupo de representantes da categoria fez algo semelhante, conseguiu adentrar a Esplanada e acabou se retirando de lá somente no dia 9 de setembro, após falhas na segurança do evento.
Este ano a via foi totalmente bloqueada no trecho entre a Rodoviária de Brasília e a Praça dos Três Poderes, uma extensão de quase 3 km. “A Polícia Militar está lá e a ordem é não entrar ninguém”, disse Ibaneis à Folha de S. Paulo após ser procurado pela imprensa para tratar do despacho dado por Bolsonaro, que contrariou o esquema de segurança já anteriormente previsto pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF).
Em meio à queda de braço pública entre o chefe do Executivo federal e o emedebista, militares do Exército chegaram a cadastrar, durante o dia de terça, uma média de 60 veículos que supostamente podem ingressar no espaço nesta quarta.
Cenário
O clima de tensão em relação às comemorações deste ano já vinha se anunciando nos últimos meses por conta das seguidas bravatas de Bolsonaro contra o Judiciário e o sistema democrático. O presidente convocou apoiadores a se mobilizarem em sua defesa neste feriado, em uma iniciativa que tem como cenário diferentes ações do Supremo que contrariam a gestão. O destaque mais recente é a decisão do ministro Edson Fachin de limitar os decretos de armas assinados pelo ex-capitão, que ampliaram o acesso a armas de fogo no país. A decisão foi dada na segunda (5).
Em 2021, o evento do 7 de Setembro serviu de palanque para o presidente, mais uma vez, atacar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e tentar se promover política e midiaticamente. Agora, diante do cenário pré-eleitoral e com o ex-capitão sendo superado pelo ex-presidente Lula (PT) em todas as pesquisas de intenção de voto, o mundo político aguarda com atenção os próximos passos de Bolsonaro para saber se o chefe do Executivo irá abrandar o discurso em relação ao ano passado ou se irá dobrar a aposta e esticar ainda mais a corda da crise institucional nas vésperas do pleito
O evento está agendado para iniciar às 9 horas e contará com mais de 3 mil militares. Além das tropas, a programação inclui a presença de alunos de colégios militares e das escolas públicas da capital, desfile de veículos blindados e aeronaves.
STF
Um dos elementos que mais chamaram a atenção no ambiente político desde a noite de segunda-feira em Brasília foi o rígido cercamento do prédio do STF, que este ano está submetido a um esquema de segurança ainda mais duro, por conta dos ataques à Corte. Na terça, por exemplo, mesmo com uma agenda entre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o ministro Luís Roberto Barroso para tratar do piso nacional da enfermagem, a Corte decretou ponto facultativo e proibiu o acesso de jornalistas e até mesmo de servidores ao prédio.
O esquema é semelhante ao que foi feito no ano passado, quando o STF também isolou o prédio nas vésperas do 7 de Setembro, mas é ainda mais rigoroso desta vez. Será empregada, por exemplo, uma equipe exclusiva da tropa de choque da Polícia Militar especialmente para proteger o prédio da Corte, que entrou na mira de bolsonaristas principalmente depois de junho de 2020, quando um grupo de extremistas apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a jogar fogos de artifício contra o prédio do Supremo, inaugurando, na ocasião, mais um capítulo da crise institucional.
Este ano há blocos de concreto espalhados a uma certa distância do STF para garantir uma corrente de isolamento da Corte e também uma barreira antidrone que será testada experimentalmente pela segurança.
“Lembremos que nós temos um presidente que ameaça abertamente o STF, que se recusa a cumprir decisões, chama ministro de ‘canalha’. Isso não é normal, e é evidente que cria instabilidade. Existe uma dúvida, por exemplo, em relação à postura das Forças Armadas, que estão se prestando a esse papel de agente político, então, eu diria que isso não pode ser desprezado. De fato, a Corte não está numa posição confortável, o que não é bom pra democracia”, observa o professor Pablo Holmes, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol-UnB).
O pesquisador pondera, no entanto, as chances de Bolsonaro expandir ainda mais as arestas que resguardam os limites constitucionais entre os Três Poderes para efetivar uma aventura golpista, prometida desde os últimos anos: “Eu diria que o presidente não tem essa força toda, mas a verdade é que a gente não sabe. Não acho que haja risco de uma ruptura exatamente porque não há apoio pra tanto do ponto de vista político, mas, claro, a Corte está sob pressão e o que estamos vendo não é algo natural numa democracia”.
O cercamento da Corte – que se refletiu nos ministérios como um todo, onde também foi fixado ponto facultativo na terça – provocou grandes alterações no fluxo do trânsito na capital federal nas imediações do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do STF, tríade que concentra o maior contingente do funcionalismo público federal na cidade.
A pesquisadora Carla Guareschi, do grupo de estudo Democracia e Desigualdade, do Instituto Ipol-UnB, vê um aspecto físico de proteção do patrimônio e das pessoas que frequentam o ambiente do Supremo e também um aspecto simbólico na iniciativa do Supremo.
“O Judiciário tem a característica de se ver menos envolvido nesse processo. Acho que, pela forma como os poderes são repartidos, o Executivo e o Legislativo sempre souberam, de alguma forma, lidar com essa tensão. Já o Judiciário, por essência, tem outra finalidade. E ele é trazido, por conveniência do discurso golpista, pro centro desse cenário, ainda que não seja o papel institucional com o qual o Poder Judiciário lida”, acrescenta.
“Cenário de golpe”
Ao resgatar na memória os fatos que se sucederam no 7 de Setembro de 2021 e observar as cenas atuais, o professor aposentado do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Sérgio Pinheiro enxerga na iniciativa de superblindagem da Esplanada e do Supremo um “cenário de golpe”.
“É a decadência em termos de sistema democrático quando o STF, primeiro, tem que se defender de uma eventual invasão. E, além da proteção policial que eles tiveram no 7 de Setembro passado, hoje se fala num esquema de evacuação para retirá-los do Supremo caso ele seja invadido. Isso é um péssimo sinal em termos do que se pretende fazer efetivamente no 7 de Setembro”, critica Pinheiro, que também foi ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
“Invadir um poder da República é algo absolutamente inaceitável e, se isso vier a ocorrer, é um sinal de alarme para a resistência a essa tentativa de desestabilizar o sistema democrático”, acrescenta o intelectual.
Pinheiro exalta a conduta que a Corte tem apresentado até aqui durante os capítulos que acentuaram a crise institucional nessas últimas semanas. Ele acredita que a calibragem da postura do Judiciário tem se mostrado à altura das principais ameaças que se avizinham do pleito de outubro.
“O Moraes determinou a prisão daqueles empresários [que ameaçaram o país de um golpe] e não fez só prender esse pessoal por fake news, não. Eles são os financiadores desses atos antidemocráticos. Muita coisa que a gente vai ver nesta quarta em Copacabana ou Brasília está sendo financiada por empresários. Nós esperamos que ele continue com a coragem que tem demonstrado desde a sua posse, assim como também o Fachin, que está sendo criticado pela Taurus, que é a financiadora da morte porque fabrica o armamento vendido aqui.”
Edição: Glauco Faria
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Supremo turbinou gradeado que protege o prédio mais de 24 horas antes do início do feriado de 7 de Setembro – Cristiane Sampaio