ES: Quilombolas constroem Protocolo de Consulta referente à Convenção da OIT

Trabalho orientado pela Defensoria e Ministério Público é voltado para todo o Sapê do Norte

Fernanda Couzemenco, Século Diário

As comunidades integrantes do Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, localizado nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Estado, estão empenhada em construir o seu Protocolo de Consulta, referente à implementação das diretrizes estabelecidas na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O trabalho é orientado pela Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) e o Ministério Público Federal (MPF) e tem previsão de conclusão ainda neste ano, produzindo, pela primeira vez no Espírito Santo, um documento que conduza a implementação deste importante tratado internacional dentro do território de um povo tradicional.

Até o momento, o que se tem notícia é de protocolos semelhantes já elaborados por outras comunidades quilombolas e algumas indígenas em outros estados brasileiros, como o povo Krenak, cujo Terra Indígena se localiza em Resplendor/MG, próximo à divisa com o Espírito Santo.

A Convenção 169 da OIT garante aos povos e comunidades tradicionais do mundo o direito à “consulta livre, prévia, informada e de boa-fé”, mediante qualquer obra ou serviço, público ou privado, que queira se estabelecer dentro de seu território ou que possa provocar impactos sobre ele. Ela foi ratificada no Brasil por meio do Decreto nº 5.051/2004.

Já o protocolo de consulta tem como função detalhar de que forma a “consulta livre, prévia, informada e de boa-fé” deve ser feita no Sapê do Norte. “O protocolo torna esse direito legal mais concreto e visível”, explica a defensora pública Samantha Negris, integrante do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia (Nudam) da DPES.

Em linhas gerais, cabe ao Estado (governos federais, estaduais e municipais) cumprir a Convenção e o Decreto, garantindo a consulta aos povos tradicionais antes de iniciar o processo de licenciamento das atividades.

No protocolo do Sapê do Norte, território explorado principalmente pelos extensos plantios de eucalipto da Suzano (Ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria), também as empresas receberão instruções sobre como proceder. “Em caso de violação, o protocolo busca responsabilizar a empresa também. Ambos têm que trazer para os povos e comunidades tradicionais, quais são os impactos previstos de forma bem clara, para que eles possam deliberar sobre. Tem que ocorrer antes mesmo do licenciamento ambiental”, ressalta.

“As comunidades do Sapê do Norte possuem um modo de vida tradicional, têm uma ancestralidade, uma luta por direitos que é histórica e enfrenta obstáculos por parte do Estado, que historicamente – não somente por este governo ou dos mais recentes – é caracterizado por um projeto desenvolvimentista, que, também em âmbito nacional, procurou dizimar os povos tradicionais. Elas têm direito ao seu território ancestral garantido pela Constituição Federal, mas dependem de reconhecimentos pela Fundação Palmares e de titulação pelo Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. Ambos processos estão paralisados no Brasil há alguns anos”, expõe a defensora.

Comissão quilombola

Cada comunidade no Sapê tem sua própria representatividade política, geralmente por meio de uma associação de moradores e agricultores familiares. Coletivamente, elas também são representadas pela Comissão Quilombola do Sapê do Norte, que é a quem os empreendimentos e o Estado devem se reportar para implementação a Convenção 169 da OIT. O documento trará ainda quando, como e onde essa “consulta livre, prévia, informada e de boa fé” deve ser feita junto à Comissão Quilombola.

O trabalho de elaboração do Protocolo também tem atuado positivamente em processos internos das comunidades que são muito importantes para o fortalecimento da luta histórica, por meio de oficinas participativas que vêm acontecendo. “O direito de consulta é acompanhado de outros direitos, como autodeterminação dos povos tradicionais, emancipação, autonomia, identidade cultural e direito a propriedade comunal”, salienta a defensora.

Até momento já foram realizados três encontros, envolvendo 60 membros das comunidades. A expectativa é que o Protocolo de Consulta do Sapê do Norte seja finalizado até o final do ano pelos defensores públicos no Nudam.

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