Equipe de transição garante construção de cisternas como prioridade no governo Lula

por Adriana Amâncio*, Marco Zero Conteúdo

Assim que saiu o resultado das eleições, a agricultora Francisca Oliveira, de 55 anos, que mora na comunidade Sombra, área rural do município de Angico, no Semiárido potiguar, disse: “Agora vou ganhar a minha cisterna. Votei no homem que dá cisterna. Se Deus quiser tá liberando a minha cisterna para eu aparar a água da chuva.” Dona Chica, que caminha seis horas por dia em busca de água em um açude há meio quilômetro da sua casa, viu o sonho de ter uma cisterna ficar mais distante nos últimos anos. A causa foi a intensa desaceleração no programa Cisternas, a partir de 2017.

Se em 2021, o programa executou um orçamento de pouco mais de R$ 32 milhões e entregou 4.305 cisternas, este ano, até o momento, executou pouco mais de R$ 498 mil e implementou só 998 tecnologias. Os dados são do Ministério da Cidadania e do Siga Brasil, respectivamente. O recurso previsto no orçamento de 2023 foi de apenas R$ 2,2 milhões, o que seria o último suspiro do Programa. Para se ter uma ideia, em 2013, ano áureo do programa, o orçamento executado foi de R$ 816,8 milhões.

A integrante do gabinete de transição e ex-ministra de Combate à Fome, Tereza Campello, afirma que o Programa Cisterna é uma das prioridades na recomposição orçamentária, mas pede um pouco de calma até se definir de onde virão os recursos. “O Programa de Cisternas será prioridade e teremos recursos para retomá-lo, sim! Isso está em processo de discussão com o parlamento. Então, a solução vai estar no bojo do debate mais geral, se vai ser PEC, se não vai ser PEC, explica a ex-ministra.

Ainda de acordo com Tereza Campello, o desafio de retomada do Programa Cisternas transcende a questão orçamentária. “Infelizmente o nosso desafio não é só orçamentário, o modelo do Programa Cisternas elogiado pelo TCU, por ser barato e eficiente, e que adotamos inspirado na Articulação Semiárido, foi completamente destruído. Não foi somente pela falta de dinheiro, desorganizaram uma série de processos e procedimentos, que levarão tempo para serem reconstruídos”, esclarece.

Mãe de três filhos e sem cisterna, a agricultora Daniela Santos, do Sítio Gruta Funda, área rural de Casinhas, no semiárido pernambucano,explica porque é a maior dificuldade para uma mãe de família não ter uma cisterna. “Eu continuo carregando água na cabeça e pegando no barreiro também. Sinto dores absurdas com o peso da água na cabeça. Se em 2023, sair os projetos e eu ganhar a minha cisterna, aí vai melhorar, né!”, afirma.

Hoje, a agricultora conta apenas com a cisterna da casa do pai, que tem 16 mil litros e serve a duas famílias. A água é usada para o consumo humano. Além disso, ela usa água de um barreiro, próximo de casa, para a lavagem da roupa, limpeza da casa e das louças. Ela avalia que, nos últimos quatro anos, “praticamente não foi feito nada [de cisternas], agora, espero que tudo venha a melhorar”, declara esperançosa.

Em nota técnica, a Coalizão Direitos Valem Mais, um grupo de organizações que trabalha por uma política econômica a favor dos direitos humanos, propôs um piso emergencial para a retomada do Programa Cisternas de R$ 4,2 bilhões. Para chegar a essa proposta, foram levados em consideração os valores mencionados pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) em um documento elaborado em 2019. No texto, a ASA afirmava que seriam necessários R$ 1,3 bilhão para atender à demanda de água de consumo e R$ 4,3 bilhões para água de produção.

Além disso, esse valor tem o objetivo de recuperar o desfinanciamento do programa que segundo o assessor da FIAN Brasil e autor da nota técnica, Pedro Vasconcelos, chegou a “90% em relação ao que já foi o auge do programa, que já teve R$ 1 bilhão de orçamento”, pontua. Ainda segundo Pedro, é importante levar em conta que a aplicação desse valor precisa de uma estrutura de governança.” Entretanto, comparar o que foi proposto no texto com o que está previsto na proposta de orçamento para 2023 dá uma ideia da disparidade”, analisa.

O coordenador da Frente Parlamentar do Semiárido, criada para assegurar a manutenção e o desenvolvimento do Programa Cisternas, o deputado Estadual Carlos Veras, afirmou, por meio de nota, que o “Governo Bolsonaro, executor da política pública, boicotou a ação [de garantir a manutenção do programa Cisternas]”. Ainda segundo a nota, “a partir de 2023, é certa a reconstrução da política de cisternas, com os contornos e necessidades orçamentárias que começam a ser identificadas agora, a partir do diagnóstico a ser elaborado pela equipe de transição”, diz o texto.

Na nota, Veras sinaliza ainda uma perspectiva de origem do recurso, que envolve, além do Programa Cisternas, outros gastos sociais. “Está em discussão para que seja apreciada e promulgada na sequência, antes de 15 de dezembro, a PEC de Transição, que deve trazer dispositivo para retirar os valores do Bolsa Família do Teto de Gastos, permitindo a utilização de R$ 105 bilhões para outras despesas, de acordo com o que for definido pelo novo governo” pontua o parlamentar.

Segundo estimativas da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), rede formada por cerca de 3 mil organizações que trabalham com políticas públicas de convivência com o Semiárido, ainda há cerca de 1 milhão de pessoas sem acesso à água de consumo humano na região.

Somando os recursos executados no Programa Cisternas, entre os anos 2018 e 2020 e 2021, na gestão do Governo Bolsonaro, foram gastos pouco mais de R$ 170 milhões. O cálculo foi feito com base nos dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop).

*Jornalista, mora em Recife, tem 12 anos de atuação na cobertura de pautas nas áreas de direitos humanos, meio ambiente e gênero.

Imagem: Crédito: Leo Drumond/Flickr ASA Brasil

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