Governo de MG rastreou e compartilhou dados de crianças e adolescentes, denuncia entidade

Especialistas classificam o caso como gravíssima violação de direito. De acordo com HRW, situação ocorreu de 2020 a 2023

Por Amélia Gomes, no Brasil de Fato MG

O que era para facilitar o acesso de estudantes à educação durante a pandemia de covid-19 acabou se tornando invasão da privacidade de crianças e adolescentes de Minas Gerais.

Uma investigação realizada pelo Human Rights Watch apontou que a plataforma desenvolvida pelo governo mineiro para o ensino remoto “Se liga na Educação” fornecia diversos dados de navegação das crianças e adolescentes do estado para agências de publicidade.

“Esses sites observaram essas crianças não somente durante as aulas online, mas também as seguiram na internet, realmente identificando as suas preferências, a quantidade de cliques que eles fizeram no mouse e outras coisas mais, mergulhando absolutamente na sua vida privada”, explica a diretora do HRW, Maria Laura Canineu.

“Nenhuma dessas práticas é necessária para entregar o resultado que é a educação online. Nem o governo nem as empresas revelaram essas práticas nem para os alunos nem para o seus pais”, completa.

ECA e LGPD foram violados

A advogada Elisângela Dias Menezes, especialista em direito digital, explica que o caso se trata de uma violação dos direitos garantidos no Estatuto da Criança e Adolescente e também na Constituição Federal.

“Houve uma violação do Estatuto da Criança e do Adolescente na medida em que a criança é esse ser protegido, é um ser em fase de formação da vida, cuja exposição excessiva pode gerar danos ao seu desenvolvimento saudável, ao seu crescimento e a sua formação como um ser humano completo, integral, equilibrado”, ressalta.

A especialista afirma ainda que o rastreio e fornecimento dos dados destes estudantes infringe drasticamente a Lei Geral de Proteção de Dados, em vigor no Brasil desde 2018. Entre outras determinações, a norma estabelece que o uso de dados pessoais de crianças e adolescentes só pode ser realizado para o melhor interesse da criança. No entanto, estas informações foram enviadas a agências de publicidade para fins comerciais. Além disso, a LGPD também determina que pelo menos um dos pais tenha ciência e deem consentimento ao uso destas informações, o que também não ocorreu.

Riscos podem ser ainda maiores

Depois da denúncia sobre o caso e após pedidos do HRW, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais retirou o rastreio dos estudantes da plataforma. No entanto, outra preocupação é que as informações coletadas tenham saído do país. “É preciso ver onde os dados que registram as informações da Secretaria de Educação estão hospedados porque não me parece correto hospedar dados das nossas crianças e adolescentes em outro país. Porque muitas vezes esse país não tem as mesmas regras de defesa de privacidade e proteção de dados que o Brasil”, alerta o professor e pesquisador da Universidade Federal do ABC Sérgio Amadeu.

“É preciso continuar essa investigação, porque os dados das nossas crianças não podem ser usados para treinar algoritmos de empresas americanas para tentar vender produtos”, esclarece.

O que fazer?

O Human Rights Watch, instituto responsável pela investigação, se prontifica a fornecer todos os dados do levantamento a quem se interessar em oferecer denúncias na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Além do órgão, aqueles que se sentirem lesados também podem entrar com ações na justiça civil e criminal. O relatório da HRW também apresenta uma série de recomendações e orientações aos governos e instituições de justiça para que novos casos sejam evitados no país.

Na avaliação da advogada Elisangela Menezes, a postura da ANPD diante do caso será uma diretriz fundamental sobre a responsabilização do Estado em garantir o direito à privacidade no Brasil. “Violações deste tipo cometidas por órgãos públicos ainda é algo novo para nós. Então vamos ver como a ANPD reage, se posiciona e o que ela vai impor de punição e sanção para a Secretaria sobre o caso”, pontua a especialista.

O que diz o governo

Em nota a Secretaria de Educação de Minas Gerais informou que “não utiliza e nem coleta dados de alunos, pois não exige nenhum tipo de login para acesso à plataforma. Assim, a ferramenta não coloca os dados dos usuários em risco, tampouco repassa-os a terceiros. Além disso, constantemente são realizadas criteriosas análises técnicas, rastreamentos e adequações, caso necessário, nas plataformas online utilizadas pela pasta”, esclarece.

A Secretaria informou ainda que “desde 2009, o Governo de Minas tem convênio com a Google para a implantação do pacote de aplicativos do Google Apps Edu (For Education) na rede de ensino pública estadual. Por este motivo, a ferramenta utilizada no desenvolvimento do Estude em Casa foi do Google Sites, bem como a ferramenta (Google Analytics) utilizada por esta Secretaria para análise e acompanhamento de acessos na referida plataforma. Importante destacar que essa ferramenta não identifica “quem são” estes usuários e não coleta nenhuma informação pessoal”, afirma em documento.

Edição: Elis Almeida

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.

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