Fio internacional da trama parece levar a um deputado, à direção do maior partido do Congresso e a militares da ativa conspirando com cidadãos estrangeiros para dar um golpe de Estado no Brasil
por Hugo Souza, em Come Ananás
Em outubro de 2022, entre o primeiro e o segundo turnos das eleições daquele ano, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) embarcou para a Argentina supostamente para “mostrar a dura realidade” do país vizinho, então governado pela esquerda, a fim de “alertar os brasileiros sobre as consequências de votar no socialismo”.
Na época, enquanto pegava fogo a campanha do segundo turno da eleição para presidente no Brasil, Eduardo Bolsonaro passou quatro dias em Buenos Aires na companhia de três cidadãos argentinos; para cima e para baixo com o “consultor político digital” Fernando Cerimedo, dono do site extremista La Derecha Diario, e dois jovens ligados a Cerimedo, Ezequiel Acuña e Giovanni Larosa.
Apenas duas semanas após aquela viagem de Eduardo Bolsonaro, e quatro dias após o pai de Eduardo ser derrotado por Lula no segundo turno, o principal anfitrião do 03 na Argentina, Fernando Cerimedo, “quebrou a internet” no Brasil transmitindo de Buenos Aires, via La Derecha Diario, uma live intitulada “Brazil Was Stolen” (“O Brasil Foi Roubado”).
Na live, Cerimedo afirmou que tinha recebido um relatório do Brasil apontando que determinados modelos de urnas eletrônicas haviam registrado fraudulentamente mais votos para Lula do que para Jair Bolsonaro.
Antes de ser derrubado no Brasil por determinação do TSE, o vídeo de Cerimedo viralizou como um rastilho de pólvora entre os grupos bolsonaristas na internet e ajudou a impulsionar os acampamentos golpistas que começavam pulular na frente dos quartéis, alimentando-os com o slogan “Brazil Was Stolen” ao longo de novembro, dezembro e até o 8 de janeiro de 2023.
No dia da live “Brazil Was Stolen”, 4 de novembro de 2022, o segundo anfitrião de Eduardo Bolsonaro na Argentina, Ezequiel Acuña, postou no então Twitter uma foto dos bastidores da live, num indicativo de que Acuña estava presente no local e na hora da transmissão.
O terceiro cicerone de Eduardo Bolsonaro na Argentina, Giovanni Larosa, era referido na época tanto como “correspondente do La Derecha Diario no Brasil” quanto como “assessor de Eduardo Bolsonaro para assuntos internacionais”. Na prestação de contas das despesas de campanha do deputado em 2022, consta um pagamento para Larosa no valor de R$ 3,9 mil, conforme revelou a agência Pública em julho de 2023.
Na campanha eleitoral de 2022, Giovanni Larosa chegou a viajar no avião presidencial com Jair Bolsonaro, a quem chamava de “el chefón”. O jovem acompanhou a apuração do primeiro turno com “el chefón” e “Bolso Jr.” em Brasília.
No dia da live “Brasil Was Stolen”, uma grande loja de armas de São Paulo, a No Risk, publicou em suas redes sociais um vídeo do La Derecha Diario no qual Giovanni Larosa aparecia entrevistando bolsonaristas concentrados “contra o comunismo”, falando em “eleições fraudadas” e pedindo “intervenção federal” na frente de um quartel.
“Já que a mídia brasileira imunda não divulga, as de fora mostram o que está acontecendo”, dizia a legenda da postagem da No Risk, referindo-se ao La Derecha Diario.
Por coincidência, foi na loja No Risk, que fica na capital paulista, onde o terrorista George Washington de Oliveira Sousa, que morava em Xinguara, no Pará, usou a maior parte dos R$ 65 mil gastos por ele para comprar armas (legalmente, com seu registro de CAC) antes de tentar explodir uma bomba no aeroporto de Brasília, no âmbito da conspiração golpista de 2022.
O tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de golpe de Jair Bolsonaro, disse em delação premiada que Eduardo Bolsonaro contava com uma “tropa” de CACs para ajudar na intentona do pai. Quando foi preso, George Washington tentou acionar o também deputado federal e fundador do movimento Pró-Armas Marcos Pollon (PL-MS), maior liderança CAC do país e amigo de Eduardo Bolsonaro.
No inquérito do golpe, a Polícia Federal mostrou que Fernando Cerimedo foi municiado com dados para a live “Brazil Was Stolen” por um major da reserva do Exército Brasileiro e pelo “gênio de Uberlândia” contratado pelo PL de Valdemar Costa Neto – e de Jair e Eduardo Bolsonaro – para envenenar as hordas bolsonaristas contra as urnas eletrônicas.
A PF mostrou também que, após a live, militares da ativa usaram sites do exterior para repercutir o “VT” entre os bolsonaristas acampados na frente dos quartéis, a fim de driblar o controle de fake news eleitorais pelo TSE.
A PF indiciou Fernando Cerimedo e Valdemar Costa Neto no inquérito do golpe, mas o procurador-geral da República, Paulo Gonet, preferiu não denunciar ao STF nem o argentino, nem Valdemar, cortando, no processo, o fio das relações exteriores da tentativa de golpe de Estado – um fio que parece levar a pelo menos um deputado federal, à direção do maior partido do Congresso Nacional e a militares da ativa do Exército Brasileiro conspirando com cidadãos estrangeiros para dar um golpe de Estado no Brasil.
Todos eles a serviço de “el chefón”.
Eduardo Bolsonaro sequer foi indiciado pela PF, muito menos denunciado pela PGR por tentativa de golpe de Estado. Leve e solto, “Bolso Jr.” pode se tornar nesta semana presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, posto onde o PL quer vê-lo para – quem poderia imaginar? – urdir com forças estrangeiras sabotagens contra o Brasil.
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Eduardo Bolsonaro/ Twitter