Escola sem Partido: entre o embuste e a cortina de fumaça

por Erick da Silva*, no Sul21

Capitaneado pela organização “Escola sem Partido” e encampado por uma série de parlamentares de perfil conservador, tem buscado se impor através da aprovação de projetos de lei, de mesmo nome, em parlamentos estaduais, municipais e também na Câmara e Senado Federal uma mudança radical no ensino brasileiro. Basicamente, sob o pretexto de defender princípios como a “neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado”, assim como o “pluralismo de ideias no ambiente acadêmico”, o Programa Escola sem Partido pretende colocar o professor em constante vigilância e acabar com a liberdade acadêmica.

O movimento alega-se apartidário, mas em seu site é facilmente encontrado ataques ao PT, revelando um claro posicionamento político, distante da isenção que tentam vender. Efetivamente, seus defensores pouco conhecem sobre o sistema de ensino brasileiro, não possuem nenhum amparo teórico-pedagógico e se utilizam fartamente de uma retórica de frases de efeito e baixo conteúdo. Sua sustentação se resume a ficar reeditando dogmas obscurantistas somados a uma recauchutagem de velhos slogans anticomunistas dos tempos da guerra fria.

A nota técnica apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) ao Congresso Nacional, em que aponta a inconstitucionalidade do projeto de lei que inclui o Programa Escola sem Partido entre as diretrizes e bases da educação nacional, é bastante precisa sobre as falhas do projeto. A nota aponta que projeto subverte a atual ordem constitucional por inúmeras razões: confunde a educação escolar com aquela fornecida pelos pais e, com isso, os espaços público e privado, impede o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de aprendizagem e contraria o princípio da laicidade do Estado – todos esses direitos previstos na Constituição de 1988.

A educação brasileira seguramente encontra muitos problemas e desafios. Um de seus maiores problemas encontra-se justamente no ofício docente, fator estruturante da qualidade de um sistema educacional. Professoras e professores do ensino fundamental e médio sofrem com a baixa valorização profissional, sinalizada por baixos salários e baixo prestígio social; um processo que a ditadura ajudou a produzir e que todos os governos da redemocratização pouco fizeram para reverter.

Ao contrário de enfrentar esse problema básico, a ofensiva de caráter fascista do Escola Sem Partido quer converter as professoras e professores como ameaças a sociedade. Não como parceiros que auxiliem a meninas e meninos em seus processos de descoberta do mundo, amadurecimento intelectual e construção de um pensamento próprio.  Buscam criar um embuste discursivo que converte ao magistério em potenciais doutrinadores, que devem ser permanentemente vigiados, controlados e punidos.

O Escola Sem Partido é um projeto que, se vitorioso, destruirá os atuais pilares da educação brasileira. Não conta em suas fileiras com um único defensor digno de respeito. Mas avança no parlamento, levado adiante por uma elite política ignorante e oportunista.

A tragédia maior da educação sob o governo golpista não é que alguns insanos fundamentalistas resolveram propor um projeto fascista chamado Escola Sem Partido. A tragédia maior é o simples fato de estarmos discutindo o tal projeto. É a possibilidade real de que qualquer absurdo, nesta atual correlação de forças do congresso, pode ser levada adiante.

O esforço de barrar esse retrocesso é tarefa prioritária. Chegamos a um ponto tão retrógrado na conjuntura brasileira que temos de perder todo esse tempo e energia para demonstrar que o projeto é falacioso, autoritário e deseducador.

Não pode ser desconsidera o uso que este projeto tem tido como uma cortina de fumaça. O temor do retrocesso impede que se lute para promover avanços na educação, ainda que urgentes. Ao conseguirem colocar este projeto na agenda política, empurram ao conjunto de educadores e o movimento estudantil, para mobilizados, tentar impedir o seu avanço, enquanto, por outro lado, se acelera os planos para um desmonte e privatização do ensino público.

*Erick da Silva é historiador e blogueiro.

Imagem: Escola ocupada por estudantes em Porto Alegre |Thanise Melo.

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