Por Cajueiro Resiste
Assinada nesta quarta-feira, 6 de janeiro de 2016 na Secretaria de Portos da Presidência da República em Brasília, a autorização para construção e exploração de terminal portuário privado em São Luís do Maranhão, pela empresa WPR São Luís, subsidiária da gigante da engenharia/construção civil WTorre, é um exemplo categórico da manutenção de privilégios aos poderosos, tanto no âmbito nacional, quanto no local, em que empresas que se utilizavam de esquemas nada transparentes durante os governos capitaneados pela Família Sarney seguem agindo da mesma forma no estado, agora governado pelo PC do B de Flávio Dino.
A WPR ficou conhecida na capital do Maranhão em 2014, quando promoveu uma série de ataques para expulsar a comunidade tradicional do Cajueiro do local onde pretende construir seu porto. Sua dona, a WTorre, não tinha seu nome citado nessas transações, talvez para não atingir sua marca com o trabalho sujo desempenhado pela sua subsidiária. Entre esses ataques, destacam-se o uso de seguranças privados agindo com intimidação na comunidade, tentativa de instalação de cancelas para proibir os pescadores de terem acesso ao mar, derrubada de casas dos moradores, conluio com políticos, o que permitiu uma posteriormente suspensa concessão de terras no apagar das luzes dos governos ligados à Família Sarney.
As irregularidades não param por aí. Exemplo disso foi a audiência pública realizada no quartel da Polícia Militar do Maranhão em outubro de 2014, durante o Governo Roseana Sarney, com o intuito de impedir a participação popular.
Com a forte resistência por parte dos moradores, o governo eleito foi acionado, e acompanhou, em diversas reuniões, antes mesmo da posse, o drama destas famílias. Depois da troca de comando do Governo do Estado, as reuniões prosseguiram, com a comunidade sendo ouvida sem, no entanto, ter uma solução última que lhe garantisse tranquilidade de seguir habitando o local onde secularmente está localizada. No território do Cajueiro situa-se o mais antigo lugar de culto afro na Ilha do Maranhão, o Terreiro do Egito, que deu origem a vários terreiros que se espalharam não apenas no Estado, mas por outras partes do mundo. A construção do Porto é, também, uma grave ameaça a essa história, tendo sido denunciada pela Caminhada realizada no final de 2015 por vários líderes de terreiros na região.
Com as conversas em andamento junto ao Governo do Estado, pensou-se que o direito das pessoas seria finalmente reconhecido e respeitado. Entretanto, as ações não se concretizaram, a suspensão não foi transformada em cancelamento da licença prévia para instalação do empreendimento, embora diversas entidades e advogados apontem as irregularidades do processo. Ao contrário: a falta de transparência na condução dessa questão segue o mesmo rito do governo anterior: a Comissão Pastoral da Terra (CPT/MA) já por diversas vezes solicitou vistas do processo na Secretaria Estadual de Meio Ambiente, sem sucesso. Os pedidos formulados pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão tiveram o mesmo destino. Dessa forma fica claro que não apenas os governos federal e estadual devem satisfações à sociedade, como esse tipo de procedimento, envolto numa cortina de fumaça, favorece a empresa, que deve ter passado a contar com o apoio dos atuais ocupantes do Palácio dos Leões, tal como tinha nos tempos dos governos anteriores.
Outra medida que aponta nesse sentido é que até o legítimo direito de protestar contra essa situação é negado ao Cajueiro: em novembro do ano passado, a comunidade decidiu interromper o tráfego na BR 135, o que já havia feito antes (inclusive com participação e apoio de integrantes do atual governo), mas foi duramente reprimida com o deslocamento de várias viaturas das polícias Militar e Rodoviária Federal, que impediram que qualquer denúncia pública fosse feita com a ocupação da via.
Dilma, Flávio Dino, Lobão, Sarneys, Barbalhos: responsáveis pela iminente morte da comunidade do Cajueiro para beneficiar uma empresa eivada de suspeições
A WPR/WTorre é inimiga do Maranhão, disso não restam dúvidas. Em que pese essa verdade, os poderes constituídos rompem com a democracia ao beneficiar a WPR/WTorre em detrimento da sociedade, como visto na cerimônia realizada no dia 6 de janeiro em Brasília para autorizar a construção e instalação de seu porto em São Luís. Ao ato de assinatura dessa autorização (em que pese isso ter sido trombeteado como uma das tábuas de salvação do governo em meio à crise, a cerimônia foi realizada a portas fechadas e longe do povo, visto como empecilho para a consolidação desse crime), compareceram um conjunto significativo de quem saúda um empreendimento desses, responsável pela provável morte e desaparecimento de mais uma comunidade na Ilha do Maranhão: estiveram presentes o secretário estadual de Indústria e Comércio, Simplício Araújo; o senador Edison Lobão, prócer da oligarquia Sarney e suposto adversário do governo estadual, às voltas com denúncias de corrupção em sua passagem pelo Ministério de Minas e Energia do Governo Dilma Rousseff; e o secretário de Portos da Presidência da República, Helder Barbalho, da oligarquia paraense cuja família dispensa maiores apresentações.
A forma em que se deu essa cerimônia, longe do povo, é, como dissemos, bem representativa de quem beneficiado pelo ato e de quem será sacrificado por ele. A empresa, que deveria ser investigada pela sua atuação autoritária e policialesca na área sem que tivesse competência para tal, é premiada, mesmo tento sido a responsável pelo choro de crianças, de pais e mães de família, que desmentem seu discurso de que chega para ajudar e desenvolver o Estado (outra coisa que devia ser investigada era a propriedade que ela diz ter da área ocupada há muito templo pelas famílias, mas o que acontece, como se vê, é justamente o contrário).
Além disso tudo, não se menciona que o “investimento” da WTorre no porto que pode acabar com o Cajueiro pode não passar de mera aventura dessa corporação. Isso porque, embora atue na construção de armazéns, essa seria, segundo o jornal Valor Econômico de 6 de janeiro de 2016, a primeira investida do grupo na construção e operação portuária.
Outro fato que não se leva em consideração é o grande endividamento do grupo, que fez com que abrisse mão de outros investimentos, pondo à venda sua participação em shopping centers numa tentativa de diminuir esse déficit. Seria esse mais um caso em que o povo do Maranhão é sacrificado em nome de aventuras que depois se revelam grandes calotes, como aconteceu, por exemplo, no mal-afamado polo de confecção de Rosário, na refinaria da Petrobras, e outros empreendimentos? Até nisso a esperada mudança de rumos do Governo do Estado se limitaria a ser mais do mesmo daquilo que infelizmente já vimos e vivemos? Como os governos federal e estadual se lançariam a essa aventura, rifando uma comunidade inteira para entregar uma área a uma empresa que estaria apenas experimentando novos investimentos? E mais: com que dinheiro seria construído esse porto, já que a WTorre está endividada? Mais uma vez o dinheiro público seria desviado para atender interesses privados, em pleno momento de crise? Essas perguntas precisam ser respondidas pelos envolvidos, tanto nas esferas local quanto federal, e também pela empresa, em nome da transparência, e para que não se sacrifique novamente os maranhenses para atender tenebrosas transações.
Governo Local deve explicações
Além disso, resta ao Governo do Estado responder publicamente várias questões envoltas na mais total falta de transparência em relação a esse assunto: o que foi feito do processo para implantação desse terminal portuário, que a Secretaria de Meio Ambiente se nega a dar vistas? Ainda está em vigor a suspensão da licença que fora dada pelo governo anterior? Quais dados objetivos fizeram mudar sua visão em relação à atuação da WPR no Estado? Se não mudou, por que silencia enquanto a WPR segue sua trajetória de desrespeito à autonomia do Maranhão? Por que não ouve a população em relação a questões como essa? Cadê o diálogo?
Como vimos nas questões levantadas acima, o governo deve respostas ao Maranhão que o elegeu.
E segue sem dá-las não é de hoje, já que há muito essas perguntas ecoam. Em setembro do ano passado, em cerimônia realizada no Palácio dos Leões, sede do governo maranhense, com a participação de vários setores da Igreja Católica e vários secretários de estado (aguardado, o governador mandou dizer que não iria), ao ouvir nova cobrança sobre o Cajueiro e a criação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim (a criação dessa unidade de conservação na zona rural de São Luís pode ser uma forma de assegurar tranquilidade às famílias da região ante ao avanço predatório das indústrias poluentes na área, que tem feito desaparecer inúmeras comunidades – o processo está concluso aguardando assinatura da presidenta da República, e até hoje não conta com o respaldo do Governo Estadual, tal como aconteceu durante os governos de Roseana Sarney), os representantes do governo, que antes se mostravam propensos à criação da Reserva, limitaram-se a, titubeantemente, responder que a questão era mais complexa do que se mostrava, já que aquela era uma área de interesse do grande capital internacional, que vinha exercendo grande poder de pressão contra a instalação da Reserva Extrativista.
Nenhum deles pode alegar desconhecimento desse pleito, apresentado aos representantes do atual governo em todas as reuniões em que assuntos como a Reserva Extrativista e a situação do Cajueiro foram tratados. O próprio secretário de Indústria e Comércio, que esteve em Brasília no ato de autorização da construção do porto, declarou, num desses encontros, ainda no início de 2015: “Não há um dia aqui que não tratemos sobre Resex de Tauá-Mirim”. Entretanto, o que fica é a indicação de que o governo local pode até dialogar com as comunidades, mas na hora de atender os pleitos, os poderosos é que são beneficiados. Assim, até hoje, a Reserva não conta com o apoio do governo estadual para sua criação. Atualmente, tal como nos tempos de Roseana Sarney, o tratamento dispensado é o mais profundo silêncio, como se não existissem nem a demanda, nem as comunidades.
Diante de tudo isso, resta saber se o Governo do Maranhão vai realmente abrir mão de sua autonomia em razão da pressão dos interesses externos. Se o Brasil vai baixar a cabeça, e também abrir mão de sua soberania em razão de interesses que não são seus, que não são planejados aqui, para beneficiar os sugadores de sempre. Foi para isso que se trocaram os comandos nos palácios, para seguir na mesma submissão a velhos esquemas? Será dada continuidade a um modelo de exploração colonial, em que somos vistos apenas como rota de passagem das riquezas aqui exploradas em razão de interesses externos? A promessa não era justamente o contrário disso, de assegurar a altivez do nosso povo, de termos nas mãos o poder de decidirmos nosso destino? Seguirão nos calando e sacrificando por causa de interesses que nos são alheios, sob a eterna mentira do desenvolvimento, que nunca nos atende? Seguirão nesse modelo de economia de enclave, com o qual prometeram romper e que está fortemente representado nesse projeto que ameaça a comunidade do Cajueiro?
Infelizmente, a julgar pela ação do governo em relação a outras demandas populares, a solução que resta ao povo é uma só: resistir a esses ataques. Nessa mesma reunião, ao responder à cobrança em relação aos ataques feitos por latifundiários, madeireiros, grileiros em terras indígenas, quilombolas e de camponeses no Estado, a área de segurança pública anunciou que dentro em breve daria a resposta com uma grande ação de repressão a esses ataques. O que se viu de lá para cá, foi o aumento do número de assassinatos de lideranças do campo, dos incêndios criminosamente provocados por esses agentes em terras indígenas, a invasão de aldeias por madeireiros que se servem criminosamente da extração em áreas de preservação. Ninguém foi preso pelos assassinatos. Ninguém foi preso pelos incêndios. Os invasores das aldeias passeiam livremente nas cidades do interior.
Resistência
A coragem já demonstrada pela comunidade do Cajueiro dá mostras de que esse não é o fim dessa história. A resistência está nas veias da comunidade. Uma mostra disso é o vídeo feito pela pequena Daniele, que teve sua casa derrubada pela empresa às vésperas das festas de fim-de-ano, em 2014, e que voltou a interpelar a primeira-dama de São Luís recentemente, entregando em suas mãos uma “carta a Papai Noel”, em que conta o seu drama. O atual prefeito de São Luís, Edivaldo Holanda Júnior, é afilhado político do governador, e sua principal ação até o momento na cidade foi seu esforço em aumentar passagens de ônibus e alterar o plano diretor da cidade para beneficiar indústrias suspeitas e poluentes, e gigantes da construção civil (entre estas possivelmente a própria WTorre, que atua no setor), com apoio do empresariado local que se vê como destinatário das migalhas que podem cair das mesas das multinacionais que podem acabar com o Maranhão.
A todos os que sofrem esse processo violento, que segue beneficiando os privilegiados de sempre, resta senão a alternativa da resistência. Os ataques são articulados (o porto será utilizado para escoar produto da expulsão de outras comunidades no interior do estado, por exemplo). A resposta, então, também deve ser articulada!
Aos assassinos do povo e seus cúmplices, onde quer que estejam, uma sinalização: nenhuma dessas batalhas está ganha por vocês e não, vocês não prosperarão em seus ataques. Em memória das comunidades já varridas dos mapas. Em memória das lideranças que viraram mártires. Em resposta a suas promessas falsas que ao final redundaram em mais do mesmo. Não passarão.
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Dstaque: O governo pode até dialogar com as comunidades, mas na hora de atender os pleitos…
Esse porto sai ou não sai?
Esse lenga lenga vai dá em alguma coisa?
O desemprego é grande aqui em São Luís principalmente, esse porto vai gerar muitos empregos pra nós maranhenses ou não?