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A Vila Autódromo, favela adjacente ao Parque Olímpico Rio 2016 que luta contra a remoção, tem estado sob intensa pressão há meses. As autoridades municipais fizeram ameaças, dizendo que os moradores “sairão com dor”, e no mês de janeiro Guardas Municipais construíram um novo muro dividindo a comunidade, isolando algumas casas do local da construção olímpica.
Apesar do premiado plano de urbanização da comunidade feito por moradores e das repetidas garantias do Prefeito Eduardo Paes de que eles poderiam ficar, a prefeitura vem intensificando seus esforços para expulsar os moradores remanescentes. Na semana passada, a prefeitura obteve um mandato da imissão de posse para a remoção do prédio da Associação de Moradores, mas a ordem foi suspensa após a intervenção de defensores públicos do Rio de Janeiro.
Quinta-feira, 11 de fevereiro, a pressão aumentou novamente com a demolição inesperada de três casas localizadas atrás do prédio da Associação de Moradores. Não houve aviso prévio aos moradores, aterrorizados ao acordar às 6h da manhã, descobrindo que inúmeros ônibus cheios de tropas de choque, bombeiros e autoridades da prefeitura, incluindo o sub-prefeito da Barra de Tijuca Alex Costa, tinham entrado na comunidade com equipamentos de demolição. Eles destruíram três casas atrás da Associação de Moradores e do campo de futebol, ignorando as queixas dos moradores. A moradora e ativista comunitária, Maria da Penha, questionou: “O que podemos fazer contra tropas armadas?!”
As atitudes da prefeitura essa quinta-feira estão claramente em desacordo com as declarações do prefeito, feitas em 19 de janeiro, de que apenas uma família na Vila Autódromo ainda tinha de ser removida. Em suas declarações, em resposta a uma pergunta direta sobre o futuro da Vila Autódromo, não havia qualquer indicação de que as casas perto da Associação de Moradores ou o edifício da Associação em si teriam de ser removidos.
Estas três casas incluíam a casa de Altair Antunes Guimarães, presidente da Associação de Moradores da comunidade, que estava fora quando as demolições ocorreram. Sem Altair lá, os moradores acharam impossível parar as demolições, uma vez que eles não tinham certeza sobre a legalidade das ações da prefeitura, especificamente se as três casas estavam incluídas na ordem da Associação de Moradores que proibia demolições. Com a Guarda Municipal agora na comunidade 24 horas por dia, muitos moradores suspeitam que a prefeitura escolheu fazer essas demolições hoje pois sabiam que Altair não estaria lá para defender as construções. Outros moradores presentes não tinham certeza se eles estavam legalmente autorizados a intervir.
As casas estavam localizadas nas terras da Associação de Moradores, o que deixou muitos moradores convencidos de que o prédio da Associação em si, com a sua enorme importância simbólica, permanece na mira da Prefeitura. Os moradores não foram informados sobre a causa da remoção dessas construções. Maria da Penha acredita que as casas e o prédio da Associação estão sendo removidos porque os organizadores Olímpicos desejam criar um “lugar bonito”, sem essas “casas em terreno batido” e a “feia construção da Associação” que estão no campo de visão do que será o hotel da mídia durante as Olimpíadas.
O terreno ocupado pela Associação de Moradores toma duas parcelas de terra. A primeira parcela, que inclui a construção da Associação de Moradores e as três casas destruídas, já havia sido marcada como “protegida”, sob abrigo de um decreto oficial da prefeitura. A segunda parcela, logo na parte de trás, utilizada como horta comunitária, não tem o mesmo status de proteção. Alguns moradores sugeriram que a prefeitura pode ter acreditado que as casas foram construídas sobre a parcela não protegida, que é a justificativa que parece ter sido usada nessa rodada de demolições. Os moradores também disseram que o fato de um morador ter começado a construir no terreno antes de aceitar a indenização para deixar a comunidade foi usado como pretexto pela prefeitura para que as três casas fossem destruídas, embora nenhuma delas pertencesse a esse morador.
Este é apenas um exemplo da incerteza dos moradores a respeito da legalidade das ações da prefeitura, o que ressalta o fracasso do governo municipal em oferecer a devida informação com antecedência, não só hoje, mas ao longo das negociações com os moradores. Os moradores também foram informados de que apenas o proprietário das casas, Altair, poderia negociar com o oficial de justiça, e, como ele não estava lá, as demolições prosseguiram. Quando Altair chegou, mais tarde, ele disse que o terreno em que sua casa estava era protegido pelo decreto da prefeitura, tornando a demolição ilegal. Ele chamou o juiz que assinou a ordem de demolição de bandido, argumentando que “a justiça não existe para os pobres”. Em sua casa ele tinha “uma televisão, um frigorífico e ar condicionado”, mas agora tem “apenas a roupa do corpo” e “nenhum documento”.
Essa não é a primeira vez que Altair foi removido de sua casa. Com 14 anos, ele foi removido da Ilha Caiçaras na Lagoa, bairro próspero da Zona Sul, e se mudou para a Cidade de Deus. Ele foi transferido novamente durante a década de 1990 para abrir caminho para a construção da Linha Amarela, que liga a Zona Norte à Barra da Tijuca. Ele se tornou uma figura central na Vila Autódromo como presidente da Associação de Moradores e há muito tempo protesta contra os planos de remoção da comunidade, que remonta a tentativas anteriores para remover os moradores antes mesmo de os Jogos Olímpicos serem anunciados. Ele foi removido de sua casa na Vila Autódromo, em agosto de 2015, e se mudou para a casa atrás do prédio da Associação de Moradores, que foi destruída hoje, marcando a quarta vez em sua vida que Altair foi removido de sua casa pelas autoridades municipais do Rio. Com a casa agora destruída, ele pretende ficar na Associação de Moradores.
Um dos comentários de hoje de Altair resumiu um sentimento vindo de tantos moradores em todas as favelas e bairros periféricos do Rio de Janeiro: “As pessoas pensam que o Brasil é maravilhoso, mas maravilhoso para quem? Não para os pobres”.