Durante encontro no Pará, indígenas e quilombolas denunciam conflitos com mineradora e órgãos públicos

Evento reuniu carca de 500 lideranças indígenas e quilombolas. Durante os dias 26 e 27 de janeiro os participantes discutiram a temática “Hidrelétrica e Mineração na Amazônia: Impactos sobre os territórios indígenas e quilombolas de Oriximiná”. O encontro histórico aconteceu no município de Oriximiná, região Oeste do Pará. Encontro foi organizado pela Diocese de Óbidos, através da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Pastoral Social, e contou com o apoio da Defensoria Pública do Pará. Confira:

Por Ítalo Souza, CPT – Diocese de Óbidos

O município de Oriximiná, localizado na região Oeste do Pará, tem sido pauta de muitas discussões relacionadas aos grandes empreendimentos do Governo Federal. Com isso, muitas denúncias têm surgido nos últimos anos, principalmente por parte das lideranças indígenas e quilombolas do município, que representam 19 aldeias de 13 etnias e 36 comunidades remanescentes de quilombos.

Essas lideranças contam com apoio de algumas instituições, dentre elas, o Ministério Público Estadual (MPE), Ministério Público Federal (MPF) e a Igreja Católica através das ações da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Pastoral Social.

Oriximiná tem cerca de 70 mil habitantes e é conhecido mundialmente por suas riquezas naturais e há mais de 30 anos tem um Projeto de Extração de Bauxita implementado pela Mineração Rio do Norte (MRN), a qual já causou, segundo as lideranças, muitos danos ambientais, sociais e culturais – o que causa indignação das populações tradicionais. Um dos exemplos é a contaminação do “Lago do Batata”, localizado na margem direita do Rio Trombetas, próximo ao empreendimento, onde a mineradora despejou por vários anos o rejeito da Bauxita, e até hoje a empresa não foi responsabilizada e não houve nenhuma compensação pelo dano.

Em suas declarações, os quilombolas afirmam que sofrem repressão desde o período do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), depois Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e atualmente com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Estes órgãos sempre faltaram com respeito aos quilombolas e com os indígenas também. Segundo as comunidades, esses órgãos apreendem seus materiais utilizados para a caça, pesca e até mesmo alimentos.

Para agravar a situação, o governo criou em 2006 duas unidades de conservação florestal sobrepostas aos territórios quilombolas, isso tem dificultado ainda mais o diálogo entre o governo e a comunidade, pois o ICMBio diz que as comunidades estão dentro das unidades de conservação, por outro lado, os quilombolas se defendem com o argumento de que já moravam há muitos anos no local, com isso se distancia o desejo maior dos quilombolas de terem suas terras tituladas. A não titulação implica na falta de acesso a políticas públicas, como saúde e educação, prejudicando mais de dez mil pessoas das comunidades quilombolas.

O sofrimento do povo está expresso até mesmo em suas canções que retratam o histórico cinzento de um relacionamento nada amigável com a mineradora desde o período de sua implantação, nos anos 70, até os dias atuais. Mesmo diante de tanto sofrimento ainda preservam grande parte de sua cultura através da música, dança, artesanato e outros.

Nesse território, segundo a Promotora de Justiça do MPE-PA, Ione Nakamura, existem os povos quilombolas e indígenas que estão requerendo a posse de suas terras. E hoje se apresenta uma situação não tão nova, que é a construção da hidrelétrica de Cachoeira Porteira, projeto este pensado desde a ditadura militar e que nos anos 80 foi barrado pelo movimento organizado. A promotora diz ainda que existem 34 projetos energéticos para a região e que quando o governo pensa nesses projetos, ele nem sabe se tem pessoas morando nessas áreas. Esse tipo de projeto não visualiza os povos existentes, apenas a questão financeira. Na região, o rio seis meses está cheio e seis meses está seco. Construindo a barragem, o que será que vai acontecer? Diante disso, alguns problemas virão, como prostituição, falta de políticas públicas e diversos outros. Para evitar isso, ela recomenda o fortalecimento da organizacional dos povos com estratégias e articulação para lutar pelos direitos de titulação dos territórios.

Em meio as discussões, a Diocese de Óbidos, através da CPT e Pastoral Social em parceria com a Defensoria Pública do estado do Pará, realizou, nos dias 26 e 27 de janeiro, um encontro histórico na sede do município que reuniu carca de 500 lideranças indígenas e quilombolas, além de várias autoridades, dentre elas, Dom Bernardo, bispo da Diocese de Óbidos e presidente Regional da CNBB. Estavam presentes também representantes do MPE, MPF, ICMBIO, CIMI e outros. O evento discutiu a temática “Hidrelétrica e Mineração na Amazônia: Impactos sobre os territórios indígenas e quilombolas de Oriximiná”.

Durante o encontro foram apresentadas várias denúncias, dentre elas, a não realização da consulta prévia por parte da mineradora MRN, conforme o acordo para a realização do Estudo Técnico no processo de abertura de novas áreas de exploração de minério; foi denunciada ainda a falta de legitimidade de um Grupo de Trabalho criado pela mineradora com representantes de associações que não representam de fato a comunidade, pois segundo grande parte dos comunitários eles não participam das decisões e não se sentem representados; na área da saúde foi denunciado mais uma vez o caso da situação caótica da Casa de Saúde Indígena (Casai), de responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde Indígena (Sesai), onde a infraestrutura não atende as necessidades da demanda e boa parte dos indígenas moram debaixo de coberturas de lona onde os ratos dividem o mesmo espaço com os indígenas. Segundo os caciques que se manifestaram, o problema já dura há anos e não dá mais para esperar.

Encontro_CPT_ObidosO prefeito do município, Luiz Gonzaga, afirmou que o recurso recebido para a saúde indígena é pouco e que a infraestrutura depende também da Secretaria Estadual de Saúde Indígena; outra denúncia foi sobre o alcolismo nas aldeias o que tem preocupado as lideranças.

O padre Patrício Brenan, do Conselho indigenista Missionário (Cimi), diz que a distribuição de cestas básicas nas aldeias como práticas assistencialistas tem contribuído no processo da perda da cultura da população indígena, que antes se alimentava basicamente dos produtos das florestas e que não tinham doenças, ao contrário do que ocorre quando avança o consumo de produtos industrializados.

Um momento marcante no encontro de Oriximiná foi a troca de experiências com os representantes dos indígenas do povo Munduruku, da região do Tapajós, e do povo Kuruaya, de Altamira, quando os líderes Rozeninho Munduruku e Claudio Kuruaya falaram sobre os grandes problemas que enfrentam em sua regiões em decorrência dos projetos da Hidrelétrica de Belo Monte e São Luiz do Tapajós. Conforme Claudio Kuruaya, em sua região está acontecendo brigas internas entre as lideranças e todos estão impactados por causa do empreendimento. Os impactos negativos já estão sendo sentidos pelos índios, como o aumento da violência, prostituição e muitas outras coisas ruins. Com a manifestação favorável de uma etnia ao empreendimento, as outras se dividiram, com isso o movimento enfraqueceu. A liderança pediu ao povo de Oriximiná que se una para não sofrer como tem sofrido o povo de Altamira.

Outro aspecto marcante no evento foi a comunicação dos indígenas nas línguas do povo Wai Wai e Kaxuyana, além da língua portuguesa. Foi uma experiência que nunca havia acontecido e que deixou os participantes satisfeitos com a dinâmica.

As lideranças pretendem continuar com as denúncias e avaliaram como muito positivo o encontro de Oriximiná, pois serviu como motivação para as comunidades que estavam em dúvida devido à falta de esclarecimentos. A articulação entre indígenas e quilombolas em Oriximiná tem fortalecido a luta em prol da defesa de seus territórios, o que já levou a firmarem acordos perante o MPF para que não haja discórdia entre os povos.

Para que o evento não fique só na memória, foi autorizada a divulgação do conteúdo do evento, para isso a organização registrou integralmente através de um relatório detalhado para as autoridades, para as comunidades, universidades, imprensa e a quem mais demonstrar interesse, além do material audiovisual. A intensão dos organizadores é continuar o debate e fortalecer o movimento mantendo o diálogo coma alguns órgãos estratégicos que favoreçam a luta pela titulação das Terras Indígenas e Territórios Quilombolas, assim como a busca de parceria com outros movimentos na luta pelos direitos e em defesa da vida. Já as denúncias estão sendo encaminhadas ao Ministério Público Federal (MPF).

Imagens: Juliana Pereira

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