O País precisa de uma campanha de vacinação antirrábica, urgente!

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

A primeira vez que li a notícia sobre a pediatra que havia se recusado a continuar a tratar de uma criança de um ano e um mês porque a mãe era petista, e o pai, do Psol, pensei que era coisa de rede social, onde nem sempre as pessoas se preocupam em checar os fatos, e notícias falsas às vezes abundam. A história era tão absurda, que segui adiante, sem sequer me dar ao trabalho de verificar. Assim, só dias mais tarde a primeira menção a ela foi aparecer neste blog, já com repercussões e declarações a respeito. E, em lugar de diminuir, meu espanto continuou aumentando.

É óbvio que sei muitíssimo bem como as informações vêm sendo manipuladas dia a dia neste País, a partir da mera escolha dos verbos. Quando um jornalista opta por usar “alegar” em lugar de “afirmar”, sabe precisamente o que está fazendo, assim como o sabe a comentarista da Globo News que ‘explica’ que na manifestação anti-golpe estavam presentes “militantes”, e na outra, “cidadãos”, o “povo brasileiro”. Só que isso é feito em geral para gente que se deixa tocar como gado.

Teoricamente, não deveria provocar senão uma irritação crítica por parte da parcela mínima que compõe a chamada ‘elite intelectual’ com acesso à universidade, graduações e pós-graduações. A não ser, claro, que a manipulação forneça exatamente os argumentos e as falácias que essa ‘elite’ esteja desejosa de ouvir, de colecionar, para legitimar seus preconceitos com prazer que poderíamos classificar talvez como orgásmico.

No final do vômito em crescendo através do qual tentou justificar a atitude da pediatra, o presidente do Sindicato do Médicos do Rio Grande do Sul alegou:

“O PT transformou os médicos brasileiros em párias, tudo para defender o indecente ‘Mais Médicos’, um instrumento de financiamento da ditadura cubana. O PT atenta contra nossos direitos, nossa liberdade, nossa democracia. E depois a vereadora petista quer ser atendida pela pediatra como se não houvesse nada demais, como se não fosse, na prática, uma inimiga dela?! Sai fora!”

Como não posso crer que alguém que teve o acesso privilegiado ao nível superior de estudo acredite que esse programa seja “um instrumento de financiamento da ditadura cubana”, deixo de lado o corporativismo e vou direto para a parte final do trecho:  “inimiga”? Onde estamos, afinal? Onde chegamos? À Alemanha do nazismo, entregando judeus, ciganos, comunistas, homossexuais e pessoas com problemas físicos e mentais para a SS, a Gestapo? Talvez estejamos a um passo disso, se continuarmos a olhar o outro como “inimigo”.

De repente, temo que parte deste País tenha sido transformada em zumbis alimentados diariamente com a carne podre dos jornais nacionais. Não só! Viciados, talvez aguardem com ansiedade sua ração de vermes de cada dia, babando, excitados e desejosos de receber mais uma dose de ‘argumentos’ que mantenham viva sua raiva do outro e da outra que ousam pensar diferente.  Agora, os chamados “petralhas” são ampliados para qualquer um/uma que não se mova como um pato ou uma pilha amarelinha, a exemplo do marido ‘psol’ que gerou a criança.

Os touros investem, sabemos, contra o movimento, e não contra a cor do pano movido pelos toureiros. Já esses seres considerados ‘animais racionais’ detectam as nuances do vermelho. Detectam mas não enxergam, espero, ou não iriam investir até mesmo contra bebês de macacão dessa cor, como já foi noticiado alguma vezes. E me recuso a agraciá-los com escusas por legislativos vendidos ou operadores da Justiça criminosos.

Me orgulho de ter feito parte de uma geração que lutou contra a ditadura. Que soube o que foi o medo, a revolta, a angústia, as perdas, as diferentes dores, mas vivenciou também a alegria da reconstrução da democracia. Que participou, inclusive, da criação do Partido dos Trabalhadores, do qual me desliguei há alguns anos.

Quando algumas pessoas indagam se aprovo Dilma Rousseff, digo que não, mas acrescento invariavelmente: com certeza por motivos opostos aos seus. E só a pergunta me garante plena certeza disso.

Lula, principalmente, jogou fora uma oportunidade ímpar, que muitos e muitas construíram inclusive com sua vidas, de fazer do Brasil um lugar mais justo. Os motivos? A falácia da conciliação, antes de mais nada, tenha sido ela ditada pela ilusão de que um pacto poderia ‘consertar’ a luta de classe ou pela fascinação de ser aceito por uma burguesia que jamais reconhecerá negros, nordestinos, indígenas, operários e ‘congêneres’ como seus iguais. Como o Galileu que Brecht nos apresenta (que aliás mereceria ser lido por tod@s que entendem a importância das relações dos intelectuais, tradicionais ou orgânicos, com o poder), com seus 84% de aprovação, Lula não entendeu a força que tinha. Nem viu que o PT havia se transformado num ‘preto de alma branca’. Ou talvez até, quem sabe?, tenha mesmo acreditado que havia afinal conduzido a classe operária ao paraíso da casa grande. Triste.

Os bancos, ruralistas, mineradoras, redes privatizadas de comunicação, oligopólios em geral e todos aqueles que se julgam partícipes do banquete geral do Estado agradecem.

Quanto a nós, resta torcermos para que essa ruptura fratricida – inegável! – conduza a algo menos criminoso e desastroso que o desejado por eles. Pelo menos, a cada dia parece haver mais pessoas conscientes de que o que está em jogo é bem maior do que o ter ou não votado e concordar ou não com o (des)governo de Dilma Rousseff. E, se muitos de seus pais odeiam História, os estudantes do Rio de Janeiro, por exemplo, mesmo assim se mobilizam exigindo (mais) aulas de Filosofia e Sociologia.

Ainda que tênue, há esperança.

Opinião de médico da Unimed de Bauru, em rede social
Opinião de médico da Unimed de Bauru, em rede social. O “canalha’ tem um ano e um mês.

Destaque: “Doutora” candidata, tornada conhecida a partir de recepção agressiva a médico negro cubano do “Mais Médicos”, em Fortaleza. Imagem da internet.

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