A Festa na Casa do Zé e a política do fato consumado no Brasil, por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

– Vai ter festa na casa do Zé.

Mesmo que não existisse festa alguma planejada e o Zé em questão não tivesse a mínima ideia do que estava acontecendo (havia torcido o tornozelo naquela pelada desgraçada, ganhando licença médica do colégio), a história se espalhou feito rastilho de pólvora.

A proposta começou como brincadeira depois da aula – afinal de contas, a casa do Zé era perfeita para uma balada memorável (é grande, tem piscina…) Daí, um pequeno grupo reunindo os mais populares do colégio decidiu a data, a hora e o que cada um deveria levar, pondo-se a divulgar.

Os convites começaram de boca em boca e correram como rastilho de pólvora. O aluno que cuidava da página da escola no Facebook, da conta no Twitter, do Snapchat e do site dos alunos foi convencido a entrar na jogada, divulgando o flier da festa. Os alunos que eram blogueiros de esporte e de moda, que eram seguidos por dezenas, garantiram, em boas letras, que quem faltasse à festa na casa do Zé perderia o evento do século e seria um perdedor para sempre. Enquanto isso, as listas de WhatsApp pegavam fogo com toda aquela tensão sexual sobre quem pegaria quem na festa da casa do Zé.

Até a direção do colégio emitiu um comunicado pedindo para os alunos terem consciência sobre o consumo excessivo de álcool na festa da casa do Zé.

O Zé, ao descobrir que haveria balada na sua casa, tentou negar. Disse aos amigos que não era verdade, que não rolava fazer festa, que os pais iam matá-lo. Tarde demais, ninguém acreditava no Zé. Afinal de contas, já estava todo mundo falando disso.

E se o convite da festa tinha saído em blogs, circulado no Facebook, no Twitter e no WhatsApp, se os mais populares da escola atestavam que ia ter festa e o diretor se pronunciado, o mentiroso era o Zé, que agora estava mudando de ideia, querendo cancelar tudo. Então, o Zé foi xingado, insultado, humilhado. Memes foram feitos do Zé, como um moleque mimado que não queria entregar sua casa para a festa – festa que ele mesmo havia planejado.

Os pais do Zé, que eram amigos de outros pais, ficaram sabendo que seu filho havia causado uma comoção. Deram uma bronca homérica por organizar uma festa sem a permissão deles e também por não honrar com a palavra. Liberaram a casa para a balada para que não houvesse mais confusões.

No dia, uma multidão apareceu. E muita gente se divertiu. Menos o Zé, que foi esnobado pelos presentes, que riam dele pelas suas costas, mostrando nos celulares os memes que mostravam-no como um idiota.

Essa história, mesmo sendo ficção, se repete com absurda frequência.

É a construção da chamada “política do fato consumado”. Vende-se um fato que ainda não aconteceu como líquido e certo para, a partir daí, fazer com que ele aconteça.

Com todo mundo tratando-o inevitável, ele se torna inevitável. E ai de quem tentar expor que aquilo não se baseia na realidade! Como o Zé, será tratado como maluco ou alguém egoísta que depõe contra o desejo da coletividade.

Na verdade, no caso da festa na casa do Zé, o desejo de alguns que foram muito competentes em convencer o restante a desejar o que eles também desejavam. Ou seja, socializar a vontade de poucos como o desejo de muitos.

Na última semana, com a ajuda dos mais populares, dos que cuidam das contas em redes sociais, dos blogueiros da escola, das fofocas nos corredores e no intervalo, a inevitabilidade de uma balada foi sendo construída.

Há grande chance de festa na casa do Zé. E há grande chance de impeachment.

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