Dilma ou Temer? O Brasil que amanhece após a votação do impeachment

Para professor da UFFS, Dilma não pode mais tentar se apoiar apenas nas coalizões governamentais baseadas na entrega de cargos e de verbas; um eventual governo Temer seria bastante instável

Apesar de enfrentar uma enorme coalizão oposicionista, ainda ninguém sabe ao certo se o impeachment da presidenta Dilma Rousseff será ou não aprovado. O cientista político Danilo Martuscelli, da UFFS (Universidade Federal da Fronteira Sul), acha que, caso o governo Dilma consiga vencer a votação, não poderá mais tentar se apoiar apenas na entrega de cargos e verbas para emendas parlamentares para restaurar a governabilidade: ele precisará se apoiar nas forças de esquerda para implementar um programa de reformas sociais. Se o afastamento for aprovado, Martuscelli prevê que um governo encabeçado por Michel Temer enfrentará grandes dificuldades: “Não é um nome de consenso para substituir Dilma e dificilmente terá capacidade de governar diante de um quadro político em que a resistência ao golpe e às contrarreformas neoliberais cresce nas ruas”.

Brasileiros – Apesar da forte pressão dos meios de comunicação, no momento ninguém sabe se o afastamento de Dilma será aprovado no plenário. Se o impeachment for rejeitado, que perspectivas tem o governo de recompor a administração? 

Danilo Martuscelli – A política do ajuste fiscal adotada pelo governo Dilma só contribuiu até agora para aprofundar a crise econômica, promover o crescimento do desemprego e a quebra de empresas, alimentar a redução de gastos em áreas sociais e estratégicas para a economia brasileira. Vários economistas do campo crítico têm denunciado os limites e os erros dessa política de austeridade. O ajuste fiscal tem contribuído inclusive para ampliar o descontentamento da própria base do governo. Se mantiver tal política, é provável que Dilma não consiga retomar o controle da situação e aprofunde o desgaste do governo. A forma como a crise política de 2005 foi resolvida poderia servir de lição. É claro que o país não vivia uma crise econômica naquele contexto, mas as iniciativas tomadas pelo governo Lula de ampliar o salário mínimo, de aumentar os investimentos em programas sociais, de reduzir a taxa de juros, de arquivar a Alca, entre outras, foram fundamentais para debelar a tática de sangria da oposição de direita e para constituir uma base de apoio com vistas a garantir a execução de medidas que se distinguiam do neoliberalismo ortodoxo da era FHC e dos primeiros dois anos de governo Lula.

O que Dilma poderia fazer para recuperar a governabilidade?

Diante dos acirramentos das disputas nas ruas, não vejo possibilidade de o governo Dilma contornar a situação com a chamada governabilidade de gabinete. Aquela governabilidade que se vale de expedientes como entrega de cargos e recursos para emendas parlamentares e que se faz de surda para as pressões das ruas, especialmente das pressões advindas dos setores que lutam contra o impeachment de Dilma e que rejeitam o neoliberalismo ortodoxo. Um aspecto crucial da atual conjuntura está na capacidade de articulação e organização das forças políticas que resistem à ofensiva dos segmentos rentistas. Penso que devemos observar mais atentamente o que se passa nesse processo de reorganização das forças de esquerda e de centro-esquerda.

Para as forças progressistas, há algo de promissor nos debates e mobilizações que vêm sendo realizadas pela Frente Povo Sem Medo, pela Frente Brasil Popular e por diversos coletivos que se situam no campo da luta anticapitalista. Espero que possamos nos desvencilhar rapidamente do golpismo em curso, do marasmo da governabilidade de gabinete e construir, no médio prazo, um programa avançado de reformas sociais no Brasil – algo com uma atualização do Programa Democrático-Popular, sepultado pelo PT em 1989, mas que apontava para a necessidade de travar a luta em três frentes principais: antilatifundiária, antimonopolista e anti-imperialista.

Caso o vice-presidente Michel Temer venha a tomar posse, o PMDB se dispõe a implementar medidas polêmicas, como a flexibilização dos direitos trabalhistas. Essas iniciativas não acabariam agravando ainda mais a crise política no país?

Michel Temer é um golpista nato. Um ano após o PMDB entrar no governo Lula, ele organizou, em dezembro de 2004, a saída deste partido do governo. Tal decisão foi aprovada pelo partido, mas continha problemas na forma de convocação e foi anulada pelo STJ. Poucos meses depois, diante da crise de 2005, Lula resolveu conceder mais espaço para o PMDB no governo e, em 2010, Temer passou a figurar como vice de Dilma nas eleições presidenciais. Ou seja, desde que abriu a porteira para o PMDB, os governos petistas vivem sob chantagem e ameaça política deste partido, que poderia se chamar PIB: Partido da Instabilidade Brasileira. Mais recentemente, Temer e seus aliados vêm tomando uma série de iniciativas para desgastar o governo. Em 2015, começaram com as pautas bombas no Congresso e encerraram o ano com aquela carta do Temer. Já em 2016 aprovaram a saída do PMDB do governo, mas ainda não sabemos ao certo quem de fato irá cumprir essa decisão e agora, apareceu o vazamento do áudio do Temer, que ele próprio deve ter arquitetado para ver se obtinha apoio político, caso fosse aprovado o impeachment de Dilma. O ajuste fiscal e o pacote de contrarreformas neoliberais previstos no documento “Uma Ponte para o Futuro”, programa do PMDB, não podem ser pensados como socialmente neutros. Não se supera a crise fazendo apenas os trabalhadores pagarem o pato. Isso só aprofunda a crise que pode se transformar numa crise social.

Os processos de impugnação da chapa Dilma-Temer prosseguem no TSE e poderiam alimentar as esperanças de outros segmentos da oposição, de antecipar as eleições presidenciais. Quais seriam as perspectivas de um eventual governo Temer?    

É difícil pensar na possibilidade de um eventual governo Temer. Não tenho bola de cristal para saber o que vai ocorrer na votação do impeachment. Mas há claros sinais de desgaste da defesa do impeachment, seja pela falta de materialidade que comprove que a presidente tenha cometido crime de responsabilidade, seja porque há fortes indícios de que, para parcelas significativas da oposição de direita, a saída é a realização de novas eleições, seja pela via da não aprovação das contas de campanha da chapa Dilma-Temer, seja pela da via aprovação de Emenda Constitucional, seja pela via da pressão para a renúncia da presidente e do vice.

Além disso, é preciso observar a rejeição a seu nome: na última pesquisa Datafolha, 58% dos entrevistados apoiavam o impeachment de Temer. O seu sucessor e aliado, Eduardo Cunha, é réu em processos de corrupção e pode ser cassado e preso a qualquer momento. Isso sem contar a fila que existe para ocupar a Presidência, como são exemplos os nomes de Aécio, Alckmin, Serra, Marina, Bolsonaro. Enfim, as perspectivas para um governo Temer são muito reduzidas. Não é um nome de consenso para substituir Dilma e dificilmente terá capacidade de governar diante de um quadro político em que a resistência ao golpe e às contrarreformas neoliberais cresce nas ruas.

Palácio do Planalto iluminado de laranja pelo fim da violência contra as mulheres – Foto: Roberto Stuckert Filho /PR,

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