Hoje, a farsa política, revestida de legalidade, chega a um ponto definitivo

Por Luiz Guilherme Conci, em Justificando

E hoje, a farsa política, revestida de legalidade, chega ao seu primeiro ponto definitivo de stress. Hoje, o plenário da Câmara dos Deputados decide o tema da abertura do processo de impeachment da Presidenta Dilma. Já disse muito sobre a questão jurídica do impeachment. Sobre a relatividade dos seus freios, sobre a legitimidade de processos como esses em estados constitucionais. Sobre o equívoco de ler o impeachment no presidencialismos ao invés de lê-lo “nos presidencialismos”, dado que cada sistema de governo, presidencialistas, parlamentarista ou semipresidencialista é diferente. E que os presidencialismos não são o oposto de partalentarismos, mas uma transformação, uma adaptação.

Hoje, como cidadão, vejo que impedir a presidenta, num processo recheado de ilegitimidade política, conduzido por um presidente da Câmara que não digna o chão que pisa, por partidos políticos sem identidade ideológica, sem fidelidade a projetos – seus ou de governos -, de bravatas contra a razoabilidade em que pessoas trocam de opiniões e lados sem qualquer pudor, é um erro.

E esse erro pagaremos por anos, ao mostrar que a nossa democracia não se sustenta, senão, em pessoas sem visão de tempo e de espaço, que não refletem sobre os efeitos de seus atos, mas que personalizam seus objetivos pessoais em decisões estatais.

Me nego a falar na ausência de provas contra a presidenta. E que o lugar de julgamento dos corruptos é nas instâncias judiciárias, que devem ser conduzidas por pessoas que apliquem o direito, independentemente dos seus prazos e meios, das suas dificuldades, mas que cumpram a Constituição. E não por outros tão ou mais corruptos.

A decisão de impedir a presidenta, hoje, será um erro e mostrará a todos, nacional e internacionalmente, que não sabemos a regra de ouro das democracias, que é o respeito aos procedimentos instituídos, de forma que todas as decisões devem estar contidas nesse espaço limitado e devem ser controladas por outros atores, pois ninguém, nela, tem a última palavra.

Aos meus colegas, familiares, amigos, alunos, compartilho minha insatisfação por ver um processo político grotesco conduzido por atores que não são, minimamente, referência ética para nada. Em que os controladores são menos respeitáveis que os controlados.

Lamento que, nessa quadra da democracia braslieira, tenhamos que viver a lastimável sensação de que estamos tirando do governo uma presidenta eleita democraticamente, a quem se acusa de politicamente incompetente, mas nao se comprova nenhuma ação ímproba.

A partir de agora, a porta está aberta, pois haverá desmobilização, para a restrição de direitos trabalhistas, das mulheres, dos negros, dos indígenas e tudo aquilo que uma elite que é também conservadora no da ação estatal, mas, pior, é conservadora no plano moral. E essa moral, muitas vezes conduzida por projetos religiosos, está pronta para ser implantada a toque de caixa.

E as decorrências desse erro serão suportadas, por nós mesmos, por anos e, nacionalmente, aprofundaremos a sensação de que governos devem ser fugazes, pois os mandatos não importam. E internacionalmente, continuaremos a ser tidos como uma república onde tudo é possível desde que haja interesse de uma elite política que, conjugada ao poder econômico, entenda que, para ela, chega. Acabou!

Há erros desse govero? Muitos. Há corrupção nesse governo? Muita. Isso faz do impeachment a solução para esses problemas? Definitivamente, não.

E o povo? Ah, o povo… Ele já não participou da independência. Ele não foi necessário para a proclamação da República. Ele foi desnecessário para a implantaçao do Estado Novo. Ele foi útil para a chegada dos militares em 1964.

Mas ele resistiu e lutou no final da década de 1920. No final do Estado Novo ele respirou. Ele combateu a farsa do Parlamentarismo em 1963, quando derrubou o sistema instituído contra um presidente eleito. Ele se agregou para a aprovação da Emenda Dante de Oliveira ( mas perdeu ). Ele voltou a se juntar contra o Presidente Collor ( que momento aquele… ).

Mas, nesse momento, ele assistirá, paralisado, caso se impeça a presidente no Senado daqui a algumas semanas, a chegada ao poder de um grupo que não tem nada a lhe oferecer. Quer dizer, tem, sim. A lhe oferecer o retrocesso em matéria de políticas públicas, de direitos conquistados, de projetos futuros.

O Brasil não precisava desse momento. Não precisava. Não precisava.

Luiz Guilherme Arcaro Conci é professor da Faculdade de Direito da PUC-SP, onde coordena o curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Constitucional. Professor Titular de Ciência Política e Teoria do Estado da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – Autarquia Municipal. Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP, com estágio pós-doutoral na Universidade Complutense de Madri (2013-2014). Foi Presidente da Coordenação do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (2013-2015). Tem participado de cursos, publicações, pesquisas e eventos acadêmicos na América Latina e na Europa discutindo temas ligados aos direitos humanos no espaço latino-americano. É Advogado e Consultor Jurídico.

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