Seja bem-vindo à Grampolândia

Por Brenno Tardelli, no Justificando

A Grampolândia pega fogo com vazamentos de áudios.

Uma vez divulgados, impossível não falar sobre. É delicioso demais saber o que pessoas falam atrás das portas, na surdina, quando não há uma câmera; aquela conversa sincera, a opinião que você não pode falar em público. Ouvir Jucá falando de Aécio… impagável! Essa escutas de delatores são puro show. Venenosas, mas irresistíveis.

A mídia divulga ao menos uma por dia. De outro lado, o Judiciário começa a implantar esse meio de obtenção de provas no segundo e terceiro escalão político, talvez um passo anterior à adoção em massa na sociedade.

Seja pela direita ou pela esquerda, delatores têm vida fácil no Brasil. Fazem parte de condutas investigativas aceitas socialmente, uma vez que atingem – ora de um lado, ora de outro – inimigos que queremos escrachar em público. Se a delação citou a Dilma, viva! Se citou Aécio, hexacampeão! Queremos mesmo sair em praça pública, apontar o dedo na cara do miserável e dizer: “bandido! safado!”. É o Gol do Fla x Flu. Como diria o célebre psicólogo Carl Jung, “Pensar é difícil, é por isso que a maioria das pessoas preferem julgar”. 

Em busca desse tesão em adjetivar as pessoas, no julgamento dos “corruptos”, fundamos a grampolândia.

Como é a vida na Grampolândia

A Grampolândia tem uma série de apelidos. Já chamei-a de República dos Ratos, dos Cidadãos Civilizados em outro texto. No entanto, quando escrevi, a coisa ainda não tinha ido tanto pras cucuias quanto agora. Chegamos em outro nível de delatagem. O que era ruim conseguiu piorar. Delcídio foi vítima de uma nova forma de delação que, na segunda, 23, bateu em Jucá, e hoje, 25, beliscou Calheiros. É a delação armada. Trata-se de um traíra tão grande que, ao avistar a eventualidade de ser acusado criminalmente, forja uma conversa para colher material de políticos que interessam à inquisição.

Seria como aparecer com um gravador na casa de um senador às 07 da manhã, pedindo socorro e, ao mesmo tempo, de forma sutil, ameaçar entregá-lo. Óbvio que o delator é uma pessoa inserida no jogo político, tanto que logo nas primeiras horas do dia tem liberdade para aparecer em busca de ajuda. Logo, o papo da antessala também envolve comentários sobre outras pessoas conhecidas. Tudo é, na verdade, uma grande coleta de informações para usar como barganha no futuro.

A delação feita em forma de fofoca e armação, de fato, aconteceu. Apesar de nula do ponto de vista jurídico, por se tratar de um flagrante preparado, bem como imoral do ponto de vista ético e político, nada indica que é uma prática perto do fim. Pelo contrário.

O que Bezerra da Silva diria dessa nova prática? Nem malandros como antigamente produzimos mais. Não seguram o rojão e barganham com a liberdade alheia um benefício mesquinho, com base em algo que não é sequer necessariamente verdade. É um escárnio. Como Aristóteles veria uma Justiça que instrumentaliza o ser humano para buscar um culpado que entende ser mais importante? Deixa pra lá, esse tipo de questionamento não vale na grampolândia.

Geograficamente, a grampolândia é vizinha da delataciolândia. Na verdade, uma colonizou a outra. São quase estados-irmãos que se inspiram muito. A cidade vizinha, cujo chefe de estado é ovacionado pela adaptação do lema de Maluf – delata, mas faz – fica para outro texto…

Na grampolândia, a fabricante de bloqueadores de celulares é uma das maiores empresas do mundo. Toda casa tem o seu. Aliás, é uma crise a convergência entre serviço 4g e os bloqueadores de sinal. Operadoras trabalham dia e noite para desenvolver um sinal super plus, capaz de furar qualquer bloqueio, iniciando uma crise de segurança em presídios por todo o mundo.

Nessa República, nada, absolutamente nada, é mais fácil do que acusar os outros. Ai de quem contestar esse método absolutamente podre de se conseguir a prova – a qual, diga-se de passagem, não guarda o menor compromisso com a “verdade”, uma vez que o traíra, além de cagueta, é esperto; sabe bem o que a acusação quer ouvir e canta a música, verdadeira ou não, como um sabiá no ouvido do inquisidor.

Por falar em inquisidor, a Inquisição, aqui entendida como Ministério do Grampo e Magistratura, será de uma força e ferocidade atroz. A eles, toda a verdade de nossos segredos. Como ousa desafiar os áudios da grampolândia?, dirá o mais beato da Igreja do Grampo. A cada esquina, uma banca especializada na trairagem.

Como bem disse o amigo Felipe Gini, a vida na grampolândia tende outras características inevitáveis. Talvez a principal seja que a sociedade será forçada ao individualismo, uma vez que você não é tonto de dividir sua vida com outras pessoas que podem, a depender da circunstância, te vender na próxima esquina. Simplesmente, não se pode confiar em pessoa alguma.

Se você não confia nos amigos, que dirá nos inimigos. Na grampolândia, a confiança entre diferentes sumirá e a desconfiança entre iguais nascerá e crescerá muito. O traíra, pessoa que mais sabe jogar na grampolândia, pode reiterar a prática ilícita quantas vezes quiser, desde que tenha uns nomes pra jogar no ventilador…

Na grampolândia não quero viver.

Brenno Tardelli é diretor de redação do Justificando.

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