A bancada evangélica “tem um discurso que se unifica provisoriamente e se unifica falsamente, porque são suspensas todas as diferenças e divergências que não podem ser dialogadas. É nesse aspecto que seus membros eliminam a política, no sentido que Chantal Mouffe desenvolve, de compreender a política como dissenso, como conflito e como dissonância”, constata a pesquisadora
Por Patricia Fachin – IHU On-Line
A atuação da Frente Parlamentar Evangélica tem se destacado nessa legislatura “em função do centralismo político de Eduardo Cunha”, “que tem interferido de forma significativa e central na política brasileira”, diz Bruna Suruagy à IHU On-Line.
Entretanto, apesar do destaque recente e de a bancada parecer “extremamente articulada, com um poder de interferência significativo, com uma ação orgânica e integrada (…), se analisarmos com um pouco de precisão e atenção, não é exatamente isso que iremos constatar”, afirma a pesquisadora na entrevista a seguir, concedida por telefone.
Apesar da atual expressividade política, frisa, “também não dá para falar da bancada evangélicacomo um poder coeso, unificado e integrado, e, por isso, é difícil qualificá-la e caracterizá-la nessa perspectiva porque existem várias dissidências internas”.
Na avaliação de Bruna Suruagy, hoje está ocorrendo uma “instrumentalização da bancada evangélica” através da atuação de Eduardo Cunha, porque embora ele seja evangélico, “era extremamente inexpressivo no cotidiano da bancada e era considerado um parlamentar que não tinha interesse pelos temas e pelas ações realizadas por ela”.
Embora o Conselho de Ética tenha aprovado o parecer pela cassação de Cunha na última terça-feira, 14-06-2016, Bruna pontua que ele “continua sendo um personagem importante até o momento”. Eduardo Cunha é “o nome da bancada evangélica que tem sido, de alguma forma, o peso da balança no cenário político, articulando-se a inúmeros parlamentares do baixo clero, sobretudo aos evangélicos, a fim de evitar sua cassação. Ele continua presente, atuando nos bastidores da Câmara. Portanto, ainda é uma figura importante nesse momento político, embora esteja incomodando os grandes partidos e líderes políticos”.
De modo geral, avalia, “a bancada evangélica se sentiu responsável” pelo resultado da votação da admissibilidade do processo de impeachment; além disso, “continua articulada e mostrou que tem prestígio no governo interino, porque nomes da bancada evangélica foram indicados e nomeados”.
Bruna Suruagy é graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mestre e doutora em Psicologia Social pela mesma universidade. Atualmente leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como a bancada evangélica atua? Como se comportou durante o processo de votação do impeachment da presidente Dilma na Câmara e no Senado? E como está se comportando durante o governo interino de Temer?
Bruna Suruagy – Além da pauta moral, que existe de fato, há interesses institucionais que também mobilizam os parlamentares evangélicos de modo muitas vezes isolado e pulverizado, mas sistemático. São benefícios que os parlamentares conseguem para suas igrejas, como o alvará de funcionamento dos templos, a isenção fiscal, a doação de terrenos, a manutenção das leis de radiodifusão, a alteração da lei do silêncio, o reconhecimento da cultura evangélica para conseguir financiamento por meio da Lei Rouanet. Essas são pautas consideradas institucionais no sentido de que atendem aos interesses dos templos, das igrejas e das agremiações religiosas. Por trás desse discurso moral, essa pauta institucional é extremamente relevante, porque as igrejas, de alguma forma, a partir dos seus parlamentares, conseguem benesses políticas que as favorecem. Então, nesse sentido, a atuação política não envolve somente um “patrulhamento moral” e uma preocupação com a preservação da família, das crenças e dos valores cristãos.
Do ponto de vista das articulações políticas, alguns parlamentares que estão à frente da bancada evangélica, como Marco Feliciano, Eduardo Cunha, João Campos e Takayama – esses são os mais importantes –, vão fazendo conchavos políticos para, em troca, receber favorecimentos, que podem ser a distribuição de cargos ou a concessão de emissoras de rádio e televisão. Assim, eles recebem, além do prestígio político, favores. Marco Feliciano, por exemplo, ganhou muita visibilidade no campo político nos últimos anos, o que ampliou seu capital eleitoral. Além da visibilidade resultante das polêmicas nas quais se envolveu, dos pronunciamentos controversos e das performances teatrais, alcançou ainda prestígio político em função da articulação com Eduardo Cunha.
Em relação à votação da admissibilidade do impeachment na Câmara, cabe ressaltar que semanas antes desse evento o deputado João Campos declarou, em nome dos integrantes da Frente Parlamentar Evangélica, apoio ao afastamento definitivo da presidenta Dilma Rousseff por suposto crime de responsabilidade. Parte da bancada evangélica comemorou o resultado da votação, pois se sentiu responsável e continua se articulando ao núcleo duro do impeachment, que eu chamaria de golpe. Ela continua articulada e mostrou que tem prestígio no governo interino, porque nomes da bancada evangélica foram indicados e nomeados.
IHU On-Line – Como avalia a nomeação da nova Secretária Especial de Políticas para as Mulheres, que é evangélica?
Bruna Suruagy – Entrevistei a Fátima Pelaes, nova secretária da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, na ocasião da minha pesquisa de doutorado. Ela é evangélica, e sua nomeação representa um retrocesso às causas feministas. Mas a bancada evangélica assume essa posição de combate contra as pautas dos movimentos LGBT e dos movimentos feministas, os quais são os movimentos que fazem parte da linha de frente do combate do “exército evangélico”, usando as metáforas que eles mesmos utilizam. A nomeação representa um retrocesso em relação a tudo que vinha acontecendo do ponto de vista da luta das mulheres. Mas o que se verifica com isso é que a bancada evangélica, em função da sua atuação nos meses que antecederam à votação da admissibilidade do impeachment, está sendo gratificada com cargos e com certo prestígio no governo interino.
IHU On-Line – Mas qual é o protagonismo da bancada evangélica na política brasileira hoje?
Bruna Suruagy – Ela tem se destacado bastante, especialmente nessa legislatura, por conta do centralismo político de Eduardo Cunha. Em razão desse personagem que tem interferido de forma significativa e central na política brasileira, a bancada também tem tido espaço para se manifestar e participar ativamente de decisões importantes, principalmente em nível federal. Num primeiro momento, parece uma frente extremamente articulada, com um poder de interferência expressivo, com uma ação orgânica e integrada, mas se analisarmos com mais atenção e cautela, não é exatamente isso que iremos constatar. Mas, nesse momento do cenário político brasileiro, vale salientar que é uma bancada com expressividade política, com uma voz que ecoa e que tem tido, de fato, espaço no governo interino.
IHU On-Line – Então, segundo sua avaliação, a bancada evangélica tem menos expressividade política do que imaginamos e ganha mais expressividade em momentos políticos conturbados?
Bruna Suruagy – Exatamente. Estou destacando especificamente o momento atual como um momento importante de intervenção da bancada evangélica. Agora, também não dá para falar dela como um poder coeso, unificado e integrado, e, por isso, é difícil qualificá-la e caracterizá-la nessa perspectiva porque existem várias dissidências internas. Para exemplificar: existe uma lista dos integrantes da Frente Parlamentar Evangélica – percebi isso na época em que fiz meu doutorado -, na qual são cadastrados os parlamentares evangélicos, e há uma preocupação em aumentar cada vez mais essa lista como um indicativo do poder de pressão, barganha e articulação da bancada.
Atualmente, a lista conta com aproximadamente 90 parlamentares e segue aumentando constantemente. O que percebi na ocasião, e esta é uma estratégia que se utiliza ainda hoje, é que os integrantes vão sendo inseridos na lista sem serem consultados, isto é, a assessoria da Frente Parlamentar Evangélica identifica quais são os evangélicos presentes na Câmara Federal e no Senado e a partir dessa identificação inclui o nome deles nessa lista. Mas várias pessoas que ali se encontram não se sentem identificadas com as propostas e os projetos ideológicos da Frente Parlamentar Evangélica. Ou seja, vários nomes que constam como integrantes da bancada evangélica não agem em articulação com ela, inclusive se opõem fortemente a seu discurso e a suas estratégias de intervenção e participação política.
Então, nesse momento o que posso dizer é que existem alguns personagens da bancada evangélica que estão se destacando, efetivamente, por conta desse cenário específico da realidade política. Eduardo Cunha, por exemplo, está tendo uma profunda expressividade no campo político e, a meu ver, se utiliza da Frente Parlamentar Evangélica para intensificar seu poder de barganha. Logo, há uma espécie de instrumentalização da bancada, que realiza para atender suas ambições e interesses políticos. Embora ele seja evangélico há bastante tempo, era inexpressivo no cotidiano da bancada e costumava ser tratado como um parlamentar que não tinha interesse pelos temas e ações realizadas por ela. À época da minha pesquisa, ele era conhecido assim, como um deputado evangélico pouco preocupado com a causa religiosa. Inclusive participei de algumas reuniões nas quais ele não estava presente.
No momento em que começa a ter notoriedade no campo político, Cunha entende que a bancada evangélica pode contribuir significativamente com o seu poder. A aliança começa a se configurar antes das eleições para a presidência da Câmara Federal. Contando com o apoio maciço dos deputados evangélicos, sobretudo pentecostais e neopentecostais, conseguiu eleger-se e retribuiu a vitória distribuindo cargos e aparelhando a Casa. Sentindo-se privilegiados, o coro de apoiadores cresceu. É relevante ressaltar que o sentimento de impotência de muitos parlamentares evangélicos – pertencentes ao baixo clero – os torna vulneráveis às práticas fisiológicas, clientelistas e corporativistas. Todos se juntam para defender seus próprios interesses. Vários integrantes da bancada que participam fortemente do seu cotidiano se sentiam parte do baixo clero, sem poder de interferir nas decisões legislativas; muitos diziam “minha voz não é ouvida”, “nós não temos poder de decisão aqui” etc.
IHU On-Line – Com o ganho de expressividade de Eduardo Cunha na política, a bancada evangélica deixou de pertencer ao segundo escalão?
Bruna Suruagy – Não. A bancada ainda é constituída por parlamentares nanicos que pertencem a partidos nanicos, mas têm uma sensação momentânea de poder, além da visibilidade midiática. Nomes que eram desconhecidos, que não tinham nenhum reconhecimento político e que não tinham voz no cenário político, agora começam, de alguma forma, a ter visibilidade. Isso leva a uma sensação de poder e Eduardo Cunha joga com esse poder de decisão e de interferência em questões de peso do ponto de vista nacional.
IHU On-Line – Com a saída de Eduardo Cunha da Câmara e com a aceitação do processo de cassação do mandato dele, a bancada tende a perder espaço e a se rearticular?
Bruna Suruagy – Nesse momento, como Eduardo Cunha ainda não foi cassado, pode-se dizer que ele continua sendo um personagem importante, visto que tem agido diretamente para impedir sua cassação. Declarou que irá recorrer à Comissão de Constituição e Justiça por considerar o parecer frágil, desprovido de provas que demonstrem seu envolvimento com esquemas ilícitos. Então, Cunha é o nome da bancada evangélica que tem sido, de alguma forma, o peso da balança no cenário político, articulando-se a inúmeros parlamentares do baixo clero, sobretudo aos evangélicos, a fim de evitar sua queda. Ele continua presente, atuando nos bastidores da Câmara. Portanto, ainda é uma figura importante nesse momento político, embora esteja incomodando os grandes partidos e líderes políticos, que querem dele se livrar.
Na votação do parecer favorável à cassação de Eduardo Cunha, ocorrida no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, evidenciaram-se as tensões e dissensos que caracterizam a bancada evangélica. Os parlamentares evangélicos não votaram unanimemente a favor de Cunha. Pressionados pela opinião pública, muitos defenderam a cassação. Outros continuaram seduzidos por seu poder e pelos favores concedidos. Contudo, a crise política está tão fora de controle e produz tanta instabilidade que é muito difícil fazer qualquer previsão. Certamente, a queda definitiva de Cunha desencadeará abalos na confiança da bancada e gerará dispersões, enfraquecendo-a, ainda que provisoriamente.
Nessa conjuntura política, contudo, a bancada evangélica sente-se com força, até porque existem outras bancadas – esse é outro aspecto importante – conservadoras, com as quais a Frente Parlamentar Evangélica tem dialogado. Além das bancadas católica e espírita, que agem de maneira muito distinta da evangélica, existem as bancadas ruralista e da bala, que assumem posturas tão conservadoras quanto as da frente evangélica. Nesse momento, acredito que ela se sente com muito respaldo e percebe que seu discurso tem ressonância na Câmara Federal e, de modo geral, na sociedade brasileira.
IHU On-Line – Então, além da agenda moral, o que une a bancada evangélica são as articulações políticas momentâneas?
Bruna Suruagy – A bancada evangélica – isso discuto na minha tese – não possui uma unidade política, exatamente porque é uma frente suprapartidária e interdenominacional, ou seja, é constituída por inúmeros partidos – e agora, em relação às legislaturas anteriores, ela está ainda mais plural, porque vários partidos menores a constituem –, além de inúmeras denominações pentecostais, neopentecostais e protestantes históricas. Logo, isso dificulta muito a unidade buscada e publicizada pelas principais lideranças evangélicas, as quais tentam construir a imagem de que a bancada é um bloco coeso, monolítico e integrado.
Em função dessa pluralidade, não existe uma unidade, sobretudo no âmbito da política, mas também não há unidade quando as questões abordadas são sociais e econômicas. Assim, a bancada só se articula quando os temas são de natureza moral. Nesse sentido, existe uma integração; no entanto, há posições distintas em relação aos projetos de lei que são discutidos nas comissões temáticas. É visível como as vozes são plurais e como os discursos são heterogêneos. Por meio da despolitização, tenta-se preservar essa coesão. Quando falo em despolitização, é porque a questão política não é discutida, eles deixam isso muito claro: “não discutimos questões políticas nem partidárias, mas apenas questões bíblicas, morais, e as leis bíblicas”. Eles partem do pressuposto – aqui nos inserimos no campo religioso – de que os sistemas simbólicos normativos desse campo específico são universais, atemporais, a-históricos, e de alguma forma eles estão ali como representantes dessa lei universal. Embora seja um sistema particular, o objetivo é universalizá-lo exatamente porque parte-se do pressuposto de que se trata de uma premissa universal, resultado de uma “revelação divina”.
IHU On-Line – Nesse ponto a bancada evangélica recebe o apoio de outros atores políticos que também são religiosos? O que a distingue de outros atores “religiosos”?
Bruna Suruagy – Exatamente. Às vezes, a bancada católica é muito mais perspicaz do que a evangélica, só que aparece muito menos, porque atua de forma silenciosa, discreta; parece não articulada, parece nem existir. Mas pelo que pude perceber, essa bancada tem outra forma de proceder: age “pelos bastidores”; a evangélica, ao contrário, faz questão de marcar presença pelo “barulho”.
A Frente Parlamentar Evangélica fica encarregada de fazer o acompanhamento dos projetos de lei em tramitação, só que os parlamentares estão dispersos, preocupados com outras questões, inclusive com as Emendas Parlamentares, com as orientações dos partidos, mas a assessoria jurídico-parlamentar fica responsável pelo monitoramento e averiguação desses projetos e pela convocação dos parlamentares que são evangélicos e estão à disposição para contribuir, mas não participam diretamente das atividades. Quando são “convocados”, eles atendem à solicitação prontamente, podendo impedir o andamento das votações, principalmente as dos projetos considerados uma afronta à moral cristã.
Nesse sentido, não há uma ação orgânica, só ações isoladas, com uma assessoria que funciona de forma sistemática, mais alguns parlamentares, que são os líderes e os grandes nomes da bancada, os quais fazem questão de utilizar uma estratégia muito comum nas igrejas pentecostais e neopentecostais: o barulho. Portanto, por meio de certa estridência, cria-se uma sensação de volume, de força, e eles até conseguem uma mobilização em situações muito pontuais, mas no cotidiano, o grupo, de modo geral, é muito desarticulado.
Bancada católica
Os parlamentares evangélicos fazem referência à existência de uma bancada católica, que se reúne e participa ativamente de decisões legislativas importantes, mas não aparece, preferindo não ter visibilidade. Muitos dos parlamentares da bancada evangélica são neopentecostais. No campo religioso, eles buscam visibilidade, e a política é uma forma de alcançar a visibilidade social, obter destaque e prestígio. Portanto, essa é uma premissa que surge no campo religioso, tanto é que os neopentecostais fazem questão de investir em veículos de comunicação, na midiatização das suas ações, optando pela lógica do espetáculo, da performance e do consumo.
Desse modo, eles trazem para a esfera política, a meu ver, essa necessidade de se tornarem visíveis, de alcançar certa visibilidade midiática e promover a teatralização das ações, porque os evangélicos são muito teatrais no sentido dos gestos e das expressões, e com isso criam uma falsa sensação de “poder imbatível”. Assim, o discurso deles é: “Nós estamos aqui – na Câmara Federal – porque a sociedade está se sentindo ameaçada no seu núcleo central, que seria a preservação da família tradicional, monogâmica e indissolúvel”. Então, eles se colocam nessa condição de uma única voz, que está ali em nome dos demais integrantes da bancada evangélica.
IHU On-Line – Além de Cunha, quais são os principais atores políticos que compõem e tentam dar direção à bancada evangélica?
Bruna Suruagy – Existem alguns nomes, por exemplo: há alguns anos está na bancada evangélica o João Campos [PRB/GO], que é e foi várias vezes presidente da Frente Parlamentar Evangélica e é membro da Assembleia de Deus de Goiás; outro que não é tão ativo, mas que está há muito tempo na bancada, faz muitas críticas e diverge bastante das posições da bancada, mas é considerado um nome importante, é o Carlos Manato [SD/ES], que está no 4º mandato pelo Espírito Santo; o Leonardo Quintão [PMDB/MG] também tem se destacado, está no 3º mandato, inclusive recebeu apoio de Eduardo Cunha; tem o Marco Feliciano [PSC/SP]; outro parlamentar que está há muito tempo no Congresso, no 9º mandato, embora hoje não esteja tão ativo, mas que já foi um nome importante, é o Arolde de Oliveira [PSC/RJ]; também tem o Jorge Tadeu Mudalen [DEM/SP], que é de São Paulo e está no 7º mandato; o Takayama [PSC/PR], que está no 4º mandato; o Onyx Lorenzoni [DEM/RS] do Rio Grande do Sul, que está no 4º mandato do DEM – inclusive eu o entrevistei e ele é atuante em outras frentes, como a bancada da bala, por exemplo, mas não participa tão diretamente da bancada evangélica, apesar de concordar com as decisões dela e sempre ajudá-la quando convocado.
Além desses, tem o George Hilton [Pros/MG], que é bastante atuante, mas vem assumindo posturas bem divergentes das da bancada. Outro nome é o Marcos Pereira, que tem se destacado muito atualmente como Presidente Nacional do PRB, partido vinculado à Igreja Universal do Reino de Deus. Nas últimas legislaturas, ele não teve a visibilidade nem a representatividade que tem hoje.
Portanto, alguns parlamentares, apesar de não fazerem parte do núcleo de reuniões e encontros, quando convocados atendem à solicitação da bancada. Inclusive os parlamentares utilizam uma metáfora, muito empregada nas igrejas, a qual faz referência aos “soldados do exército, que ao serem convocados, se colocam a postos”. Com isso, os parlamentares assumem essa postura de absoluta obediência e disposição para o combate, ou seja, o discurso deles tem essa conotação bélica, de guerra, de combate do bem contra o mal, que já aparece nas igrejas pentecostais e neopentecostais. Portanto, um discurso belicoso, combativo e maniqueísta, que se percebe o tempo inteiro na organização da bancada evangélica.
IHU On-Line – É isso que constitui a ideologia que fundamenta a ação da bancada evangélica na Câmara dos Deputados, segundo sua tese que analisa a relação entre religião e política? Que pautas eles defendem tendo em vista essa ideologia?
Bruna Suruagy – Essa é uma das ideologias. O objetivo da existência da bancada evangélica, num primeiro momento e à primeira vista, é assumir essa postura de fiscalização, monitoramento e acompanhamento dos projetos de lei para evitar que propostas “anticristãs” sejam aprovadas. É mais uma postura combativa e reativa do que propositiva.
Nessa legislatura, algumas propostas começam a surgir como, por exemplo, o estatuto da família, que é bastante questionável. A bancada evangélica, nas duas últimas legislaturas, tem começado a adotar uma postura mais propositiva, mas continua com esse posicionamento combativo e aguerrido. Outro exemplo de proposta controversa e infundada é o projeto de autoria do deputado João Campos, intitulado “cura gay”, que oferece tratamento psicológico para quem voluntariamente quiser deixar de ser homossexual. O projeto possui uma conotação homofóbica.
Eu tendo a afirmar que a Frente Parlamentar Evangélica tem muito mais uma função policialesca do que política de fato, porque se propõe a fiscalizar, vigiar, monitorar e inspecionar os projetos de lei para evitar mudanças, impedir a manifestação do dissenso. Logo, ela evita a política no sentido da divergência. Eles dizem inclusive: “aqui não discutimos nada que gere conflito, aqui discutimos somente as convergências”. Então, são os projetos em torno das pautas LGBT, das pautas relacionados à questão da mulher, principalmente. Esses projetos unificam a decisão, e eles “fecham pauta”, como dizem. Embora a bancada evangélica não possa “fechar pauta”, em alguns casos eles pedem a autorização do partido para pode votar livremente, segundo sua consciência moral. A bancada também é ideológica porque evitar mudanças, ou seja, é uma bancada que está no Congresso para garantir certa ordem moral, inclusive certa ordem social. Assim, não tem a perspectiva de transformação efetivamente.
IHU On-Line – Em que aspectos a bancada evangélica se diferencia e se relaciona com outras bancadas religiosas? Como atua a bancada católica?
Bruna Suruagy – Nessa pauta moral, a bancada se integra aos grupos espíritas e católicos, tentando provisoriamente suspender qualquer conflito com a igreja católica e os grupos espíritas. Muitas igrejas evangélicas, no campo religioso, apresentam uma disputa e uma concorrência com a igreja católica e assumem um discurso profundamente hostil, virulento e combativo em alguns momentos. Entretanto, no campo político eles deixam muito claro que o objetivo é eliminar todos os conflitos, não só de evangélicos contra católicos e contra espíritas, mas também interdenominacional, porque existem conflitos da Igreja Universal com a Assembleia de Deus. Então, o objetivo é evitar todas as dissonâncias exatamente para garantir essa provisória e suposta integração.
Produz-se um discurso que promove uma unidade precária, provisória e falsa, porque são suspensas todas as diferenças e divergências que não podem ser dialogadas. É nesse aspecto que afirmo que eles eliminam a política, no sentido que Chantal Mouffe desenvolve, ao compreender a política como dissenso, conflito e dissonância.
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Foto: Luis Macedo/Agência Câmara