Arqueologia de Contrato, Colonialismo Interno e Povos Indígenas no Brasil, por Jorge Eremites de Oliveira

O artigo “Arqueologia de Contrato, Colonialismo Interno e Povos Indígenas no Brasil” está publicado originalmente na revista Amazônica, periódico do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA.

INTRODUÇÃO

Neste trabalho apresento um conjunto de reflexões críticas a respeito das relações entre Arqueologia de Contrato, colonialismo interno e povos indígenas no Brasil. A discussão vai ao encontro de uma Antropologia e Arqueologia do Colonialismo, isto é, do estudo do colonialismo entendido de duas maneiras indissociáveis e complementares entre si: primeira, como sistema estruturante de relações sociais de poder, exploração e dominação que não está circunscrito a temporalidades do período colonial; segunda, como conjunto de problemas inerente à conformação, prática e produção de saberes nesses campos do conhecimento, originalmente constituídos no Ocidente (Himes 1972; Dirks 1995; Pels 1997, 2008; Cooper 2005; Lander 2005; Smith 2005; Atalay 2006; Moro Abadía 2006; Mignolo 2008; e outros). O colonialismo interno, por sua vez, é percebido como um sistema estruturante de igual natureza, porém particular a cada país e conectado a capilaridades transnacionais de um colonialismo global (González Casanova 1963, 1995, 2002 [1969], 2006; Cardoso de Oliveira 1978 [1966]; Pacheco de Oliveira 2006).

No caso da Arqueologia de Contrato, trata-se de uma modalidade da prática arqueológica que se apresenta como uma Arqueologia Empresarial, pois é produzida dentro de uma lógica empresarial e de mercado. Pressupõe a existência de complexas relações entre contratantes/ clientes/patrões e contratados/ negociantes/empregados. Em casos assim, o produto a ser vendido ou comercializado é o próprio trabalho do arqueólogo. Este produto é um laudo em seu sentido mais amplo, do latim laudare, quer dizer, um parecer técnico-científico cuja elaboração pressupõe algum tipo de estudo ou pesquisa. Geralmente um serviço desse tipo está voltado para o licenciamento socioambiental de empreendimentos dos mais diversos, desde a revitalização de uma praça pública no Rio Grande do Sul até a construção de uma mega-usina hidrelétrica no Pará. Contudo, por meio do contrato também é possível produzir outros tantos tipos de trabalhos. Exemplo disso são os laudos administrativos e periciais, produzidos na esfera governamental e para o Judiciário, respectivamente, sobre áreas reivindicadas por povos indígenas e outras comunidades tradicionais, como as remanescentes dos quilombos1. Em situações desse tipo, por vezes tem sido constatada a elaboração de trabalhos chamados de contralaudos, encomendados para defender sujeitos e organizações ligadas ao movimento ruralista, os quais se apresentam como contratantes e partes envolvidas em litígios judiciais pela posse de terras no Brasil2.

Para tratar de um assunto demasiado complexo, valho-me basicamente de observações realizadas entre 2003 e 2012 na região Centro-Oeste, período em que participei, ora como arqueólogo, ora como antropólogo social, de dois tipos de trabalhos. O primeiro diz respeito à produção de um laudo administrativo e dois laudos periciais ou judiciais sobre terras indígenas (Eremites de Oliveira & Pereira 2009a [2007], 2012 [2003]; Eremites de Oliveira et al. 2011b). O segundo tem a ver com a realização de estudos complementares a relatórios sobre impactos socioambientais de empreendimentos que afetam comunidades indígenas: duas rodovias, uma linha de transmissão de energia e uma mineradora de ouro (Eremites de Oliveira 2010 [2008]; Eremites de Oliveira & Pereira 2009b, 2011; Eremites de Oliveira et al. 2011a). Acrescenta-se ainda informações obtidas em 2013, 2014 e 2015 a partir da interlocução mantida sobre o tema com estudantes de Arqueologia e colegas que atuam em universidades, museus, órgãos do Estado, empresas e outras instituições que de alguma forma estão ligadas à Arqueologia de Contrato.

A intenção aqui não é reduzir a discussão a um binarismo do tipo “os que são a favor” versus “os que são contra” a Arqueologia de Contrato. Fazer isso seria desconsiderar o que Rocha et al. (2013: 132) apropriadamente chamam de “dicotomização reducionista que cria uma oposição entre pesquisadores ‘ingênuos e idealistas’ e pesquisadores ‘ambiciosos que venderam as almas ao capital’”. A proposição defendida é outra: estímulo à manutenção de uma postura crítica sobre esta e outras modalidades da prática arqueológica no Brasil e em outros países.

DO COLONIALISMO INTERNO A OUTROS ASSUNTOS CORRELATOS…

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