“Não vai ter golpe”…

…”vai ter luta”. Onde? Quando? Como?

Por Izaías Almada* – Blog da Boitempo

As ameaças golpistas anunciadas com ênfase no primeiro trimestre deste ano, mas já articuladas durante todo o ano de 2015, passaram de uma preocupação menor para a concretização das ameaças quando o Congresso Nacional, atendendo ao pedido de impeachment feito por dois advogados senis e uma pomba gira marcou oficialmente a data de 17 de abril passado para votar a admissibilidade de tal proposta.

O Brasil, seu lado conservador, alienado, homofóbico, evangélico, entreguista, antipetista, saiu a correr para as varandas dos bairros nobres, e não só, a dar vazão ao seu ódio, agitando hipocritamente a bandeira nacional e batendo suas panelas em regozijo.

Guerra total ao Partido dos Trabalhadores, seus principais dirigentes e militância, podendo-se dizer à esquerda em geral. Embora esteja cada vez mais difícil se saber quem é esquerda no Brasil.

Um mal a ser extirpado em nome da moralidade, dos bons costumes, do ódio de classe. Filme já mais do que visto. Afinal, lugar de negro ainda é na senzala e de pobre é na periferia, de preferência a mais distante.

Com tal objetivo criaram-se vários mecanismos para satanizar Luiz Inácio Lula da Silva o metalúrgico nordestino, ícone de um governo trabalhista, que tirou o país da condição de devedor internacional e garantiu à população mais pobre a possibilidade, ainda que insuficiente, de viver um pouquinho melhor, o que nenhum governo anterior ao seu conseguiu fazer.

Nesse sentido, a criação da operação Lava a Jato, ainda não se sabe bem se dentro ou fora do país, surgiu quase que em paralelo ao chamado Mensalão e, apertando as duas extremidades de uma pinça jurídico/policial colocou o PT e seus principais dirigentes numa situação de criminosos perante a nação antes de serem acusados, processados e julgados.

Verdadeiro show mediático encarregou-se de colorir o palco com os holofotes sobre os principais desafetos. Processos em que muitos acusados foram condenados sem provas “porque a literatura jurídica assim o permitia” (sic)

Durante os últimos dez anos a irresponsável, chantagista e classista imprensa brasileira usou e abusou das acusações, muitas delas sem qualquer prova, para destruir a reputação de cidadãos brasileiros, colocando-os na cadeia, com a triste e afoita aceitação dos fatos até por uma parte da esquerda que, saboreando alguns dos erros cometidos pelo PT caíram,no geral, no jogo sujo da mídia, apontando o dedo acusador para o partido que se “desviou das suas origens”.

A pureza ideológica é uma maravilha… Fica muito bem em programas partidários, entrevistas, palestras, saraus intelectuais e até em artigos como este, se fosse o caso, mas na prática, no corpo a corpo dos embates políticos, essa tal pureza deixa muito a desejar.

Como se a política fosse um teorema matemático e dela participassem somente as freiras do Colégio Sagrado Coração de Jesus.

Com o passar do tempo “aperfeiçoou-se” a acusação sem provas, açodou-se a execração pública dos acusados e a delação premiada ganhou ares de justiça ainda que tardia, uma espécie de loteria para dedos duros.

A primeira cria no público a crença e a aceitação de que todo acusado deve provar sua inocência, maculando e invertendo o direito dos cidadãos; o segundo premiando os bandidos de colarinho branco e instituindo oficialmente a dedoduragem.

Você corrompe ou é corrompido, delata alguns que receberam quantias polpudas (que evidentemente são em maior número do que essa patacoada da Operação Lava Jato informa) e ainda recebe um troco para uma vida bem confortável.

Isso para não nos revoltarmos com o fato de que os principais furúnculos da nossa “moderna” corrupção, geradores de novos focos para o corpo social continuam impunes, sem investigação, sem o julgamento de inúmeros dos denunciados por fraudes e assaltos contra e ao patrimônio público.

Pintado esse “exemplar” quadro com o descaramento e com a participação do aparelho judiciário em todas as instâncias na sua defesa e consagração, apoiados pela impoluta e imparcial máfia mediática, estavam criadas as condições para um golpe estado.

Um golpe suave, como insinuam alguns analistas, sem a necessidade de canhões e metralhadoras, pois somos também um país de sofistas, além de inegáveis filósofos de ocasião.

Veio o tal golpe suave, com pompa e circunstância, quando a maior e mais oca rede de televisão do país brindou-nos com um espetáculo de fazer inveja a qualquer circo dos horrores, uma espécie de Domingo do Faustão para a massa ignara se divertir com a ilusão de que aquilo era a sério: “voto a favor do impeachment pelos meus filhinhos”, “voto a favor do impeachment pelo amante da minha mulher”, “voto a favor pela saúde do meu cão e dos meus gatos”, “voto a favor em homenagem à inteligência cavernosa de Diogo Mainardi e Alexandre Frota”, “voto a favor pela cadeira do dragão e pelo pau de arara”, “voto a favor para que aumentem as contribuições dos incautos à minha igreja”, “voto a favor para que tenhamos uma cocaína mais pura”… “para que tenhamos uma escola sem política e uma política sem escolas…” E o rol de boçalidades do gênero poderia ir ao paroxismo.

Coxinhas e paneleiras correram a gritar de contentamento nas varandas de seus apartamentos. E o dia seguinte?

Agora sim. Mais do que nunca seria necessário bradar aos céus: não vai ter golpe, vai ter luta. E assim foi feito. Faixas nas passeatas, reuniões de movimentos sociais, sindicatos agitados, estudantes em ebulição, ajudaram a criar o clima de resistência ao tal impeachment constitucional, outro eufemismo jurídico para o GOLPE.

Só as ruas poderiam conter o avanço dos golpistas. Todos às ruas, não vai ter golpe, vai ter luta, bradavam os resistentes bolsões democráticos…

E os russos, quero dizer, e o senado federal? Foi avisado? Aceitaria ou não o pedido feito pela camara dos deputados? Se aceitasse, a presidente Dilma Rousseff seria afastada por 180 dias aguardando pelo resultado de um julgamento no qual era e é (ora vejam que surpresa!) acusada sem provas…

11 de maio foi a data escolhida e dois terços dos senadores, muitos deles sabendo que não havia crime cometido pela presidente (isso não vinha ao caso) aceitaram a denúncia trazida ali da vizinha camara dos deputados. Estavam todos em casa, no grande, ínclito, ético, republicano e independente CONGRESSO NACIONAL. Oscar Niemeyer sentiria engulhos.

A mixórdia avançou diante do olhar de boa parte da esquerda progressista e de muitos democratas do nosso leque político partidário, com palavras de ordem de chamamento à luta: “Vamos incendiar esse país”, “vamos fechar as estradas”, “vamos tomar Brasília”, “não passarão”…

E veio o 11 de maio, quando o golpe avançou mais um passo aceitando o pedido de impeachment para julgamento. Martha Suplicy, símbolo perfeito do Brasil atual, aderia às hostes que queriam limpar o Brasil da corrupção.

Kafka se transformava numa espécie de redator da Turma da Mônica e o manicômio Charcot num agradável Jardim de Infância. O Brasil tinha agora que provar ao mundo a sua competência política, sua verdadeira democracia, construindo um ilibado governo provisório e provando que os eternos esquerdistas brasileiros são de fato um câncer a ser extirpado.

Sumidades assumiram seus postos: José Serra, Ministro das Relações Exteriores, Raul Jungmann, Ministro da Defesa, Mendonça Filho, com o apoio de Alexandre Frota, o Ministério da Educação, Henrique Dias Alves em qualquer posto do qual já não me recordo e outras mediocridades que, essas sim, não veem ao caso.

Aproximamo-nos rapidamente do mês de agosto, mês conhecido na política brasileira como o mês do cachorro louco. Um misto de crise política com Jogos Olímpicos disputará o conceituado espaço da mídia nacional, esse baluarte da decência e da verdade. O golpe se aprofundará mais um pouco, enquanto se disputam as medalhas de ouro.

Em paralelo, a ópera bufa do patriota e íntegro Eduardo Cunha, dado o grande sucesso do protagonista, vai esticando a sua temporada, ajudado pelo governo interino, por seus capangas no Congresso e pela inequívoca demonstração de que aquilo que se pode chamar de esquerda parlamentar não passa de uma fantasia inventada por alguns homens de bem perdidos no meio da confusão.

O desmonte do Estado e da Nação vai sendo conduzido com a certeza de que o Senado condenará a presidente Dilma Rousseff. Mas, continua-se a pregar, sem muita convicção – é verdade – não vai ter golpe, vai ter luta…

Onde? Quando? Como?

A propósito, pois na geleia geral do golpe/impeachment tudo está relacionado, seria bom invocar a Constituição da República Federativa do Brasil que em seu Capítulo III (Do Poder Judiciário), seção II (Do Supremo Tribunal Federal) diz claramente em seu Art. 102: Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, valendo-se para tanto de inúmeras atribuições.

Com a palavra os senhores ministros do Supremo Tribunal Federal.

*Mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América.

Ilustração feita pelo designer André Almada, especialmente para esta coluna.

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