Atentado a líder quilombola expõe tensão em territórios tradicionais explorados pela Aracruz Celulose

Por Fernanda Couzemenco, Século Diário

Sufocados pelo deserto verde dos gigantescos eucaliptais da Aracruz Celulose, hoje Fibria, os territórios quilombolas do norte do Estado sofrem de uma tensão crônica. Inicialmente político-econômica, essa tensão foi, ao longo das décadas, se infiltrando no cotidiano das comunidades, invadindo a intimidade das casas e do coração das pessoas. Simples questões domésticas e familiares são infladas por esse estado de prontidão, de insegurança e revolta que caracteriza a relação entre as comunidades quilombolas e a empresa.

João Batista Guimarães, o João do Angelim, é um protagonista da luta quilombola na comunidade do Angelim 1, em Conceição da Barra. “João é experiente agricultor, técnico agrícola, educador e colaborador do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], no MPA [Movimento dos Pequenos Agricultores] e na Fase [Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional]. Sua luta atual é pela reconstrução de um modelo sustentável e agroecológico na região quilombola do Sapê do Norte, enfrentando o desafio diário de cultivar um território exaurido pelo plantio de eucalipto e marcado por violentos conflitos sociais e ambientais” – consta num post publicado na página “Apoiamos a Retomada Quilombola”, no Facebook.

O atentado ocorreu por volta das 18h20 do último dia sete, quando ele voltava do trabalho e se encaminhava para o trabalho na terra, no terreno de sua família, onde desenvolve um projeto de agroecologia e recuperação da água baseado em Sistema Agroflorestal (SAF) e associado ao turismo da vila de Itaúnas.

Ao sentir o disparo, no joelho, chamou por socorro e foi amparado por colegas quilombolas que estavam próximos. Levado para o hospital, se recupera agora em casa e seu estado de saúde física é estável. O emocional, no entanto, ainda está dilacerado. “Acabou me assustando”, lamenta o fato de agora sentir medo numa região em que nasceu e viveu a maior parte da vida.

Ainda não há notícias sobre a investigação solicitada à Polícia Civil. A Fase, uma das organizações da qual João é colaborador e que lhe prestou solidariedade após o crime, denuncia que as ameaças a lideranças quilombolas são uma constante no território e que é iminente o risco de morte.

E alerta: “Repudiamos a omissão do poder público que não regulariza nem titula os territórios quilombolas do Sapê, ampliando a margem de violência e desrespeito aos direitos humanos na região. Repudiamos a Fibria, a Suzano Celulose e seus mega passivos sociais, econômicos e ambientais na região. Repudiamos as certificações florestais que legitimam a expropriação de terras e da paz no Sapê do Norte”.

“Eu só peço mais a questão de resguardo, de me deixar tocar o projeto em paz, desenvolver uma coisa legal que possa recuperar ambientalmente a região, o solo, a água, e gerar renda, emprego, conhecimento pras pessoas. Questão de direito e respeito. Não me vejo como inimigo de ninguém”, afirma João do Angelim.

Daniela Meireles, educadora da Fase, avalia que ainda há muito trabalho de esclarecimento e mobilização para ser feitos no território quilombola do Sapê. “Por muito tempo prevaleceu a necessidade de retomada das terras roubadas pela Fibria. Depois, a empresa foi cooptando as pessoas e hoje há uma grande divisão sobre qual a melhor forma de lidar com a questão da terra e da propriedade. As comunidades precisam se perguntar e definir qual é o projeto que querem para o seu território e se as melhores soluções são individuais ou coletivas”, pontua.

Imagem: Frame do Documentário Sementes de Angelim.

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