“(In)Segurança pública e as Olimpíadas”: moradores da Maré debatem o aumento da presença militar

Ciara Long – RioOnWatch

No dia 14 de julho, o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas coordenou um debate sobre o impacto do aumento da presença policial no Complexo da Maré. Realizado no Museu da Maré, entre os palestrantes do debate estavam figuras comunitárias proeminentes da Maré, e o debate foi mediado por Gisele Tanaka, do Comitê Popular, que lembrou à platéia que apesar dos Jogos Olímpicos dependerem de gastos públicos, suas prioridades nem sempre refletem o “interesse público”.

O debate focou na interrupção de serviços básicos, inclusive educação e transporte devido a um aumento no número de operações de segurança que estão acontecendo na Maré ao longo dos últimos meses. A segurança pessoal também é um problema: relatos indicam que cidadãos ficaram no meio do fogo cruzado ou foram atingidos por balas perdidas durante operações da Polícia Militar em suas áreas de moradia. Antônio Carlos Pinto Vieira, diretor do Museu da Maré e morador local, disse: “Essa forma de presença policial que está acontecendo aqui, não é só um custo financeiro, é um custo social que vem com o sacrifício da população”.

Gizele Martins, moradora da Maré e jornalista comunitária, argumentou que, depois de uma década de megaeventos hospedados no Rio de Janeiro, a mudança mais tangível para a cidade é a crescente repressão a moradores em nome da segurança pública. Falando sobre a segurança intensificada antes da Copa do Mundo de 2014, Gizele afirma que moradores ficaram se perguntando por que a presença da polícia foi priorizada em detrimento de qualquer outro pedido dos moradores para melhorar a área. “Por que a gente merece tanto de guerra? Por que a gente não merece educação, saúde?”.

Luiz Lorenço, um pesquisador no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ e professor na Maré, diz que “A segurança pública tem, atualmente, os maiores efeitos na educação dentro da Maré,” com as operações policiais fechando escolas durante os horários de trabalho desde 2013, e que se intensificaram nos últimos três meses. “Eu já dei uma aula com sangue na porta. Como a cabeça dos jovens pode funcionar nessa sala de aula? Como ele vai apreender? São violências físicas, são violências psicológicas”.

O transporte é outra parte essencial da vida diária que tem sido adversamente impactada por operações de segurança, de acordo com o morador da Maré e fotógrafo Bira Carvalho. “Está ainda mais difícil de ir para o shopping no Leblon ou ir para a praia de transporte público”, ele disse. “Muitas pessoas estão com medo”. Antônio Carlos Pinto Vieira também argumentou que a rota de ônibus da Avenida Brasil é vital para muitos cidadãos da Maré chegarem a seus respectivos trabalhos, e que operações policiais como a que fechou a via e fez com que motoristas se abrigassem atrás de seus veículos no dia 17 de julho, tornam as Olimpíadas “os jogos da exclusão“.

Lídia Felix Silva, estudante da UERJ e moradora local, argumentou que o emprego da segurança nas favelas privilegia certas culturas em detrimento de outras. “O nosso funk não é cultura, nossa música não é cultura. Mas o funk é cultura na Zona Sul, todo mundo dança. Mas quando o funk toca na favela é algo errado“.

Monique Cruz, moradora de Manguinhos e pesquisadora da Justiça Global, também observou que o aumento da segurança foi “estratégico, pois é a repressão de uma população que é pobre, é preta, e está na favela”.

Hasan Zarif, um refugiado palestino de segunda geração na Colômbia e cofundador da Frente Unida para Refugiados e Imigrantes, argumentou que a “fragmentação do espaço” no Rio é uma consequência do aumento da segurança, e é comparável às torres de controle policial usadas na Colômbia atualmente. “Espaços no Rio são fragmentados pelas UPPs“, ele disse.”É uma forma de segregação“.

Os gastos públicos na Maré no período dos preparativos dos Jogos Olímpicos estavam amplamente concentrados em segurança: um relatório de 2015 mostra que a quantia gasta em segurança na Maré pelos últimos seis anos corresponde ao dobro dos fundos recebidos por outras áreas de investimento social, como educação local e a criação de Clínicas de Família. Um segundo relatório, também publicado em 2015, revelou que o número de militares empregados na Maré desde a ocupação militar iniciada em 2014 equivale a 85% da força militar usada nas missões de paz no Haiti após o terremoto.

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