Em 12 de agosto se completam três meses do governo interino de Michel Temer, o vice-presidente que tramou pessoalmente o afastamento de sua companheira de governo, Dilma Roussef. Não bastasse todo esse enredo de enganos e traições, que poderiam ser vistos no campo da moral como altamente questionáveis, o que definitivamente deveria preocupar os brasileiros são as medidas que vem sendo tomadas pelo interino desde que assumiu o comando do país.
Há quem diga que não há diferenças, que as políticas são as mesmas, tanto as do PT (partido da presidenta afastada), quanto as do PMDB ou do PSDB. Tudo farinha do mesmo saco, a serviço da burguesia nacional e das transnacionais, todos rendendo sacrifícios ao deus capital. Isso é uma meia verdade. Há sim semelhanças, e muitas. Mas também há diferenças, filigrânicas é verdade, mas que tem uma importância radical para quem as vivencia.
Um exemplo concreto são as políticas públicas para as famílias empobrecidas, que nos governos de Lula e Dilma tiveram um incremento que poderia ser considerado grandioso a considerar que antes não havia nada. Olhando os valores investidos nessas políticas percebe-se que são poucos, ínfimos até, na comparação com os recursos que vão para pagamento da dívida, por exemplo. Mas, que, na vida concreta, no chão da existência, significam a diferença entre a vida e a morte para milhões de pessoas.
Sabe-se muito bem que a ideia de política pública é uma resposta do sistema capitalista às lutas dos trabalhadores, uma forma de amansar os ânimos quando os protestos e lutas sociais se aproximam dos portões do poder exigindo vida digna. Mas, também isso está recheado de contradições. Quanto mais o sistema cede, mais os trabalhadores avançam. E quando uma política pública se consolida como direito fica bem difícil um passo atrás. Essa é queda de braço permanente dentro de um sistema de exploração. E é a luta dos trabalhadores que provoca os avanços.
Quando o governo de Lula desenvolveu o Bolsa Família, que tirou da miséria mais de 40 milhões de pessoas, colocou em movimento esse mecanismo. Pessoas que viviam no abandono perceberam que tinham acesso a direitos e em dez anos do programa quase dois milhões ultrapassaram a linha da necessidade e devolveram o cartão, porque haviam conseguido sair do atoleiro da pobreza extrema. Um número pequeno, talvez, mas se concretizado em nomes, sobrenomes e CPFs, significarão vidas, universos, mundos, possibilidades de vida bonita. Uma gente que agora sabe ser sujeito de direitos. São mudanças minúsculas, mas que somadas, vão se agigantando e gerando novas formas de ser no mundo.
Outro programa que hoje já se vê sufocado no governo de Temer, o interino, é o Minha casa, Minha vida, no qual famílias de renda baixa puderam ter acesso a crédito barato na Caixa Econômica Federal, para financiar suas moradias. Um sonho acalentado por toda a gente, que é o de ter sua casinha própria, que se fez real para milhões de pessoas. Gente que nunca sequer pensaria em entrar numa agência da CEF. De novo, o acesso a um direito. Podemos tecer todas as críticas ao programa: as casas não são planejadas de maneira correta, os lugares são longínquos, passa-se muito tempo pagando, o material não é de boa qualidade. Tudo isso se questiona. Mas, uma coisa não se pode negar. Pessoas tiveram acesso à casa própria. Coisa que agora não terão mais porque a política de liberação de crédito mudou. Recursos só para moradias de classe média alta.
É fato que durante todos os anos de governo petista fomos implacáveis na crítica a essas políticas, justamente porque elas eram insuficientes, não que não fossem necessárias. Agora, com Temer, os empobrecidos não terão sequer as insuficiências. Então, não dá para negar que existem diferenças.
Assim, em pouco mais de dois meses de governo, sob a batuta do PMDB, a mudança de perspectiva sobre quem é sujeito de direitos é visível. Os empobrecidos estão voltando a ser invisíveis para os que formulam políticas de estado. Não lhes restarão nem os parcos recursos da era petista. A eles, a letra fria da lei. Como no caso das famílias que estão sendo despejadas de suas casas, porque já não conseguem pagar os empréstimos. Há planos de mudanças nas leis trabalhistas, que significam perdas para os trabalhadores, há a reforma da previdência que também vai arrochar quem trabalha, há menos investimento nas áreas estratégicas para a população como a saúde e a educação, há proposta de emburrecimento das gentes como as que se consolidam na ideia da “escola sem partido”. É a volta da agenda neoliberal, sem pruridos e sem qualquer preocupação com a maioria da população.
Do ponto de vista da macropolítica pouco se fala dos processos de corrupção, porque agora eles não mais interessam para a classe dominante. A famosa operação Lava Jato perdeu destaque na mídia e só volta á baila se tiver alguma acusação a mais contra os “petistas do governo”. A corrupção aparece como algo praticado unicamente pelos ditos “petistas” e isso já gerou um consenso na sociedade. A tal ponto que qualquer questão vinculada ao tema, mesmo que praticada por políticos de outros partidos, vira coisa do PT.
Não dá para negar que o PT contribuiu muito para que a situação chegasse onde está, nesse momento de destruição sistemática de políticas e direitos. Por isso mesmo é hora de os trabalhadores se reorganizarem para retomar a história nas mãos. As entidades sindicais ficaram por muito tempo domesticadas, esperando que o “governo dos trabalhadores” fizesse o trabalho que era delas. Não fez. Então já está mais do que na hora de sair do estupor. Não é possível que os trabalhadores fiquem assistindo de balcão o esfacelamento de políticas e de direitos.
É certo que esses são tempos sombrios, principalmente com a proximidade das eleições. Há muita confusão na cabeça de todos, alianças improváveis, desilusões, desesperanças. Ainda assim há que ter otimismo e organizar a luta para que venha um tempo melhor. Se não estava bom com o PT, tampouco está com Temer e é nossa responsabilidade como gente organizada construir propostas e lutas. Há um caminho e há projetos que conhecemos e que nos servem. É tempo de lutar.