Por Fernanda Couzemenco, Século Diário
Uma nova aldeia, uma nova esperança. Os índios guarani de Santa Cruz, no município de Aracruz (norte do Estado), sonham desde 2013 com a construção da Tekoa Ka´aguy Porã, a Aldeia Nova Esperança, a quinta de seu território. O impulso se deu após a retomada de parte das terras roubadas pela Aracruz Celulose/Fibria, em 2012. Dos 40 mil hectares identificados como sendo dos indígenas guarani e tupiniquim, pouco mais de 18 mil foram devolvidos.
Em 2014 começaram os planejamentos e projetos, efetivamente. E no ano seguinte, “os mutirões para limpeza do local e identificação dos espaços para o assentamento das 24 famílias, envolvendo aproximadamente 110 pessoas, entre idosos, adultos, jovens e crianças, que se tornaram a população inicial da nova Aldeia”, relata, em declaração dirigida às lideranças e autoridades envolvidas na causa indígena no Estado, o cacique interino e presidente da Associação Indígena Guarani (AIG) Mboapy Pindó, Marcelo Oliveira da Silva, cujo nome na tribo é Wera Djekupe.
Apesar de degradada por anos de plantios consecutivos de monoculturas de eucalipto, a nova terra é mais afastada da estrada (ES-010), tem maior abundância de córregos e alguma floresta no entorno. As aldeias atuais também são impactadas pela presença da Estação de Tratamento de Esgoto dos bairros vizinhos, tubulações de gás, entre vários outros problemas socioambientais.
A nova localização é uma benção, principalmente por permitir resgatar a agricultura, que é uma atividade característica do povo guarani, mas que não vem sendo desenvolvida a contento em nenhuma das três aldeias atuais. A área é muito pequena, cada família tem um terreno muito reduzido.
Para a nova aldeia irão primeiro, naturalmente, aqueles que mais desejam retomar o cultivo da roça. Pois na Tekoa Ka´aguy Porã a roça será agroflorestal, resgatando de forma ainda mais essencial a tradição indígena de cultivo da terra: “a agrofloresta é uma técnica agroecológica em que o reflorestamento e a produção de alimentos acontecem no mesmo campo, [criando-se assim] uma diversidade semelhante à que ocorre em florestas naturais, reconhecendo a relação cooperativa entre as espécies’, explica o material de divulgação do Projeto FlorestAção.
O projeto foi proposto pela AIG e aprovado pelo Programa de Pequenos Projetos de Gestão Territorial e Ambiental Indígena (PPP GATI), que reúne o Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD), o Instituto Sociedade População e natureza (ISPN) e a Fundação Nacional do Índio (Funai).
Integração
As ações do projeto promoveram várias oportunidades de integração entre agentes indígenas e não indígenas, destaca a coordenadora de comunicação, jornalista Raquel Lucena. Foram realizados mais de dez mutirões, incluindo ações votadas para a implantação da aldeia, cultivo e recuperação de nascentes, além de uma oficina de viveiro e agrofloresta em parceria com a Associação Indígena Tupiniquim da Aldeia Pau Brasil (Aitupiabra) para integrantes de oito aldeias guarani e tupiniquim.
O presidente da AIG, Marcelo Djekupe, reconhece a importância do projeto não só para a recuperação da terra, mas também para o fortalecimento da Associação e de suas futuras ações dentro da comunidade. Segundo Djekupe, o objetivo primordial da criação da nova aldeia Guarani é a manutenção da cultura, especialmente a agricultura tradicional. “Além dos rituais religiosos, a língua, a arte, enfim, o modo de ser Guarani”. Também está em foco “a proteção das áreas de florestas dos predadores não indígenas”, pois no local “há reservas com matas e lagos, que são refúgios de animais”, esclarece.
O coordenador técnico do projeto, biólogo Nelson Barcelos, chama atenção para a importância hídrica da região, em que oito nascentes já foram identificadas, além de lagoas e afluentes dos rios Sauê, Guaxindiba e Sahy. “A área que precisa ser reflorestada é muito maior que o plantio realizado nesta primeira etapa do Projeto Florestação, por isso vamos trabalhar para dar continuidade ao projeto”, prenuncia.
População
Existem hoje no município de Aracruz 11 aldeias indígenas, sendo sete Tupiniquim – Caieiras Velha, Pau Brasil, Irajá, Comboios e das três reconstruídas: Córrego do Ouro, Areal e Amarelos – e quatro Guarani – Boa Esperança, Três Palmeiras, Piraquê-Açu e Olho D´água, esta, reconstruída. A população total é de aproximadamente quatro mil pessoas, sendo 3,5 mil Tupiniquim e 500 Guarani.