Um Brasil teimoso

O grande negócio chamado Brasil

Rodrigo de Medeiros Silva*

O território que hoje chamamos de Brasil, sempre foi pensado a serviço de interesses outros, que não dos brasileiros. Por isso nada justifica diminuir a margem de lucro com este projeto de país. As pessoas aqui sempre são instrumentais e descartáveis. Basta ver o genocídio indígena ou o holocausto negro. A briga pelo poder, infelizmente, dá-se para quem será o gerente, ou melhor dizendo, para feitor deste grande negócio chamado Brasil.

Mas a resistência a este projeto também se faz presente desde os primórdios. Amanay, o Algodão-Vermelho, por exemplo, liderança indígena do séc. XVII, de onde hoje é o Estado do Ceará, representou esta resistência, como pode se ver nas cartas de portugueses e holandeses sobre ele. Ambos os reinos advertiam seus compatriotas em suas cartas, para que não confiassem em Amanay, pois não defendia os interesses das respectivas coroas europeias, tão somente de sua própria tribo. Assim segue o Brasil, a não aceitar quem defende os interesses de povo, apenas a quem serve a outras coroas.

Por isso, a invenção de “responsabilidade fiscal”, para pagar juros a bancos. Da mesma forma, a invenção de déficit da Previdência ou a defesa da margem de lucro em cima dos direitos trabalhistas. Nem se precisa falar sobre o meio ambiente, pois este, se não é visto como recurso para alguns, é entendido como empecilho ao “desenvolvimento”, muito distante do “bem de uso comum”, estabelecido pela Constituição Federal (art. 225).

Toda vez que foi se romper esta lógica deu-se um jeito de se adaptar e manter tudo como está. A independência do Brasil foi feita entregando o poder à família real da antiga metrópole. A República foi proclamada por um monarquista. Quando se quis ampliar o direito de voto no país, combater o analfabetismo e regulamentar as remessas de lucro para o exterior (reformas de base), isto foi entendido como ameaça “comunista” e deu-se um Golpe Militar. A campanha das diretas culminou com um político surgido na Ditadura como Presidente (José Sarney).

Sobre a Ditadura Militar

Sobre a Ditadura Militar cabe um parêntese em relação a este projeto de país, para se verificar o que ele significou internamente nas Forças Armadas. Já a vitória do Golpe foi reflexo da derrota da esquerda neste espaço, que vinha se dando, claramente, desde a Intentona Comunista (1935). Mas não só isso. Havia diferenças entre essa direita, que ao fim prevaleceu. E no decorrer dos 21 anos do Regime Militar teve-se a derrota também da direita nacionalista, que poderia pensar o Brasil a partir de seus interesses.

Agora, o projeto inaugurado com a Constituição de 1988 encontrou sua derrocada. É certo que cabe crítica a essa “democracia”, que emanava do “povo” (art.1º, §único). Uma democracia frágil, tendo em vista, por exemplo, que os poucos mecanismos de democracia direta são controlados pela “representatividade” (plebiscito e referendo). A democracia ali inaugurada já foi golpeada na primeira eleição, com o Governo Collor. A Constituição falava em direitos sociais e o novo governo abraçou o Consenso de Washington e o estado mínimo. Esta caminhada deu uma desacelerada com Itamar Franco, mas seguiu seu curso nos governos do Fernando Henrique.

Os Governos do PT

Os Governos do PT apostaram em tentar agradar a todos. Falou-se em governos de coalizão. Todavia, se “esqueceu” que as forças que no governo estavam juntas e em disputa, na sociedade e no Congresso tinham pesos desiguais. Isto, claro, refletiu nas gestões. Mas se apostou em não desagradar quem lucra com país, tentando trazer também ganhos aos brasileiros. Importante fazer o registro do acerto de programas sociais implantados por estes últimos governos, inclusive, nas escolhas políticas feitas, como na ampliação das universidades e do ensino técnico. Todavia, a crise econômica acabou com sonho de um governo de coalizão, em que “todos” ganhavam e, mais uma vez, o Brasil segue o seu “rumo”.

Um golpe com feições “democráticas”

Há, neste momento, um aspecto criativo no discurso sobre a ruptura institucional, sempre peculiar na História brasileira. Está se efetivando um golpe com feições “democráticas”, com respeito ao devido processo legal, legitimado por suas instituições. Mas não é de se estranhar tal aberração, pois ainda há quem defenda que o Golpe Militar não foi golpe, porque o Congresso “ratificou” a escolha do Comando Militar. Todavia, vale ressaltar que não há ineditismo neste golpe jurídico-parlamentar, o Paraguai já havia inaugurado esse modelo em 2012, após o massacre de Curuguaty.

Sintomático que neste momento, nas galerias do Senado, esteja nas fileiras do pró-golpe, digo impeachment, o representante da família real brasileira e “liberais”, por um mercado mais livre dos interesses nacionais. Personagens, teoricamente, tão distantes, mas que se afinam num objetivo comum, que não se enganem, não é o fim da corrupção e nem a derrocada do projeto comunista/bolivariano, nunca posto pauta.

Contudo, o determinismo destes fatos históricos não consegue suplantar um Brasil teimoso, que acredita nas pessoas, que luta por direitos, que se insurge contra injustiças. Se não existissem estes diversos brasis, que nadam contra esta corrente, o Brasil pouco de positivo teria a apresentar. É preciso lembrar que sem a luta dos quilombos, sem as revoltas negras nas cidades, sem a dedicação de pessoas como Luísa Mahin e Luiz Gama, não se teria a libertação dos escravos. Sem a militância dos sindicatos, prisões e mortes de trabalhadores, não se teria direitos trabalhistas, não haveria a CLT.

Ainda há muito o que se avançar na igualdade de gênero, mas se não fosse o movimento feminista, predominariam posicionamentos como do Ministro das Relações Exteriores, José Serra, externado à chancelaria do México: “Devo dizer, cara ministra, que o México, para os políticos homens no Brasil, é um perigo porque descobri que aqui quase a metade dos senadores são mulheres”. Se não fosse o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST, não se teria alternativa ao modelo do agronegócio, genocida e degradador, inaugurado com as monoculturas dos tempos de Colônia.

Resistência e luta

O que se tem em vista é muita resistência e luta. Por mais de 500 anos tenta-se sufocar quem pensa um Brasil para a sua população. Não será um golpe, que alguns dizem que nem é golpe, que irá conseguir isto. Mas uma coisa é certa, o fim da chibata não se deu por comoção dos oficiais da Marinha, mas sim por joãos cândidos em luta. Se não se organizar, se a população não acordar, se os movimentos e organizações populares não agirem, mais uma vez se terá uma ruptura para garantir que nada mude.

*Formado em Direito pela Universidade de Fortaleza, especialista em Direito Civil e Processual civil, no Instituto de Desenvolvimento Cultural (Porto Alegre-RS).

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