Parlamentares acompanham estudantes durante audiências em instituições como CNBB, OAB, MPF e Unesco. A ideia é apoiá-los e garantir a eles integridade e direito à livre manifestação
por Hylda Cavalcanti, da RBA
O Congresso Nacional recebeu hoje (31) alunos de instituições de ensino público de diversos estados e do Distrito Federal que participam do movimento de ocupação das escolas, ao lado de professores e representantes de entidades sociais que apoiam a mobilização. O encontro marcou uma espécie de ato de solidariedade por parte dos parlamentares contrários às propostas de reforma do ensino médio e do congelamento de gastos com educação e saúde. Ocorreu durante audiência pública realizada durante quase sete horas na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado e se destacou pelo tom emocionado dos depoimentos.
Desde a última semana, representantes da Câmara e do Senado têm se posicionado para garantir a integridade física desses estudantes. Por parte dos senadores, um grupo deles encaminhou, recentemente, pedido ao Ministério Público Federal para avaliar a situação. Na Câmara dos Deputados, foi protocolado requerimento para criação de uma comissão externa de parlamentares com o intuito de acompanhar as ocupações das escolas.
Representantes de sindicatos do setor educacional, assim como representantes de universidades e escolas técnicas, também demonstraram hoje seu apoio. E afirmaram que enquanto estiverem lutando contra o desmonte do Estado proposto pelas duas matérias do Executivo em tramitação no Congresso – a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que congela os gastos públicos (no Senado) e a Medida Provisória (MP) 746, referente à reforma do ensino (em tramitação na Câmara) – , eles seguirão ao lado dos alunos.
Até o final desta segunda-feira, senadores como Fátima Bezerra (PT-RN), Lindbergh Farias (PT-RJ), Regina Sousa (PT-PI) e Gleisi Hoffmann (PT-PR), ao lado do advogado Marcello Lavenère, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), vão acompanhar os estudantes durante encontros com integrantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), procuradores do MPF, titulares da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da OAB e representantes da Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância.
O objetivo é permitir aos jovens o direito de livre manifestação e conseguir proteção judicial para atos de violência contra eles, uma que esses alunos têm recebido constantes ameaças e intimidações, quando já não foram vítimas de cenas de violência.
“Sabemos que a luta contra as duas propostas é muito difícil nesta Casa, pelo perfil conservador observado hoje na Câmara e no Senado. Mas é justamente por isso que esta luta será intensificada, no que depender de nós. Não perderemos nossa capacidade de resistência para impedir perdas para a educação brasileira”, afirmou a senadora Fátima Bezerra, autora do requerimento que levou à realização da audiência.
A aluna Ana Júlia Pires Ribeiro, do Paraná, que teve um vídeo com discurso feito na semana passada, amplamente divulgado em redes sociais, disse que não entendeu tamanha repercussão da sua fala. “Falei de coisas que deveriam ser importantes para todos, são problemas que todos conhecem”, acrescentou. Ana Júlia disse esperar que a PEC 55, assim como a MP 746, sejam rejeitadas ao final de toda essa campanha.
“Nas nossas ocupações, o intuito primeiro é lutar pelo ensino público de qualidade. Sofremos repressão constantemente, com policiais passando à noite pelas escolas, integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) cantando o hino nacional em frente aos prédios durante a madrugada, como se quisessem dizer que estamos contra o país. Mas estamos lá pacificamente, procurando conversar e priorizar o diálogo aberto. Quando nos perguntam se não achamos que está na hora de parar, nós erguemos a cabeça e dizemos que não”, afirmou Ana Júlia.
A estudante paranaense ainda mandou um recado a todos os parlamentares: “Aqueles que votarem contra o congelamento dos gastos com educação estarão com suas mãos sujas por 20 anos. Lembrem-se disso”, destacou, em meio a aplausos.
A presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Camila Lanes, afirmou que o debate dos estudantes no movimento pela ocupação das escolas é pelo futuro da educação como um todo. Camila afirmou que o apoio que os alunos pedem aos parlamentares e demais movimentos sociais se dá porque querem que as ameaças que estão sofrendo sejam tratadas na Justiça. “Também peço aqui aos estudantes que estão ocupando escolas, e nos escutam agora, que procurem delegacias para fazer boletins de ocorrência. Nunca fechamos escola alguma, nem aceitamos, de forma alguma, a violência. Um exemplo disso é que o senador Aécio Neves (PMDB-MG) votou em Belo Horizonte, ontem, numa escola que está ocupada.”
A representante da Ubes denunciou, também, que vários diretores têm pedido a funcionários para anotarem os nomes dos estudantes do movimento. E em muitos locais tem sido dito que, se não houver desocupação até a próxima quinta-feira (3), os alunos serão retirados das instituições de ensino por forças de segurança.
Governo sem argumentos
“A realidade é que não há mais argumentos pela base aliada do Executivo para defender as propostas que o governo Temer tenta aprovar”, afirmou Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação. “Todos os argumentos já foram esgotados e desconstruídos. Mais do que comprovaram que as duas propostas vão prejudicar o país”, disse. Segundo ele, “se não fosse a luta dos estudantes, a sociedade brasileira não teria dado tanta importância à discussão sobre como o novo regime fiscal é danoso”.
“A PEC tem um equívoco de origem que é transformar política fiscal em política econômica. Precisamos ter clareza sobre a dívida pública, que existe e precisa ser combatida no país. Mas essa clareza precisa ser raciocinada e planejada conforme os interesses da sociedade brasileira, não por meio do congelamento de gastos com saúde e educação”, afirmou Daniel Cara.
“O governo federal quer se eximir da responsabilidade do financiamento estrutural do ensino médio com essa proposta e, dessa forma, desconstruir áreas estruturantes que foram conquistadas depois de muita luta. Isso mostra bem o tipo de sociedade que o governo Temer persegue, que não é condizente com a Constituição Federal de 1988”, acrescentou.
Já Priscila Cruz, presidente do Movimento Todos pela Educação, passou uma mensagem otimista e disse que os estudantes esperam ajudar os senadores a rejeitarem a proposta. “Nossa luta é pela educação pública, mas tem como foco fazer com que a educação neste país seja um projeto de Nação. Primeiro temos que garantir e cumprir as metas da agenda do século 20, que ainda está atrasada. Temos 1,2 milhão de crianças fora da escola no país, mesmo com os avanços observados no setor, nos últimos anos. E temos metade das crianças com idade até oito anos que são analfabetas”, afirmou.
Para Iago Montalvão, diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE), as propostas não consistem num remédio amargo para o país, como já se chegou a argumentar, mas sim “num modelo político neoliberal que está sendo posto em prática”.
Um dos depoimentos que mais chamou a atenção foi o de Sheila de Araújo Seabra, estudante do Distrito Federal, que contou um pouco do cotidiano das ocupações. Sheila disse que ela e todos os colegas sabem que seria melhor dormir em suas casas, saber o que vão comer no dia seguinte e se vão receber doações no horário das refeições para poderem se alimentar direito. Além de não se revezarem em turnos “nem ficar temendo ataques nas escolas ou passando frio durante a noite”.
Mas, apesar de citar todas essas dificuldades, disse considerar o movimento válido porque a infra-estrutura observada em muitas das instituições de ensino é “péssima”. “São escolas com banheiros quebrados, salas sem portas, áreas interditadas, tantas coisas a serem melhoradas que se me perguntam se vale a pena, eu garanto que não tenho dúvidas a respeito. Se eu tiver de perder um semestre do meu ano escolar para impedir esses prejuízos que ameaçam a educação no país, que já é tão carente, pelos próximos vinte anos, mesmo assim estarei satisfeita”, enfatizou.
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Imagem: Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa discute PEC 55 e MP 746. Em destaque, aluna Ana Júlia – GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO