Quando o povão for às ruas cobrar a fatura, o Brasil fechará para balanço, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

Antes de mais nada, considero mais do que justa e necessária mobilizações contra a corrupção. Como escrevo sempre neste espaço, espero que a operação Lava Jato alcance todos os partidos políticos e suas lideranças envolvidos em falcatruas, bem como grandes empresas, mesmo que isso signifique o fim do mundo. Até porque mobilização contra apenas um lado não é mobilização, é massa de manobra.

Da mesma forma, considero mais do que insana e descabida qualquer mobilização por ”intervenção militar”. Espero que essa minoria barulhenta nas manifestações – minoria que tem problema de cognição no que diz respeito à História do Brasil – não seja contagiosa a ponto de inviabilizar o futuro do país.

Dito isso, é fascinante como é construída a noção de que uma sociedade complexa, como a brasileira, conta com apenas uma única ”opinião pública”.

Milhares de manifestantes tomam as ruas de várias cidades brasileiras contra as mudanças no pacote anticorrupção realizadas pela Câmara dos Deputados e em apoio à operação Lava Jato. A partir desse fato, políticos, jornalistas e formadores de opinião passam a dizer que a ”população brasileira” foi às ruas, que a ”população brasileira” quer tal coisa, que a ”população brasileira” está cansada disso ou daquilo.

Mas sem uma pesquisa de opinião que mostre que os manifestantes representam, de forma proporcional, todos os estratos e grupos da sociedade, não é possível fazer essa tal afirmação. Isso é desejo de quem faz a análise ou, pior, má intenção.

Porque a mesma extrapolação nunca foi aplicada para dizer que a ”população brasileira” exigia uma reforma agrária e a limitação do tamanho dos latifúndios com base nas históricas marchas do MST, que reuniam dezenas de milhares de pessoas.

Tratar das reivindicações do ”grupo que foi às ruas” seria mais honesto. Mas que graça teria, não é mesmo?

Durante as manifestações pelo impeachment nos últimos dois anos, muitos analistas afirmavam que elas eram herdeiras das jornadas de junho de 2013. Contudo, pesquisas realizadas pelo instituto Datafolha mostraram que o perfil de participantes de ambos os protestos eram diferentes e que aqueles jovens de 2013 não haviam retornado às ruas para ser a favor ou contra o impeachment.

Voltaram, por um breve período de tempo, nas manifestações contra Cunha por conta de seu projeto que limitava o direito ao aborto e durante as ocupações das escolas públicas. Mas, interessantemente, não foram poucos os analistas que chamaram essas manifestações de ”coisa de baderneiro” sendo que há três anos diziam que os mesmos jovens eram ”herois” ou estavam ”construindo o futuro”.

O que nos lembra que um discurso é promovido em certas estruturas tradicionais de comunicação se pode ser apropriado e ressignificado por elas.

Uma manifestação pode ter vários significados. E isso não depende apenas de quem recebe a notícia, mas também de como esse ato vai ser interpretado e difundido por jornalistas, políticos, magistrados, procuradores, ativistas, formadores de opinião nas redes sociais, entre outros.

Não raro, a simplificação boba que diz que um grupo de pessoas, por mais numeroso que seja, representa toda a ”população brasileira” serve a um discurso e é vendido como tal.

Mesmo durante o impeachment, pesquisas mostraram que as razões pela insatisfação com o governo Dilma eram diferentes entre os mais ricos (que eram maioria nas manifestações de rua, reclamam da corrupção e defendiam um Estado menor) e os mais pobres (que passaram a querer sua saída, mas porque a economia estava ruim e o Estado não estava sendo suficientemente grande para garantir um colchão melhor de proteção social).

Diante disso, qual a principal razão da ”população brasileira” para a insatisfação com a ex-presidente?

Uma coisa relativamente simples é colocar um assunto na lista de trending topics do Twitter. Basta que um tema ative formadores de opinião na rede em um curto espaço de tempo ou que uma milícia digital, que possua perfis falsos, ative sua rede.

O resultado é que muita gente acredita realmente que o mundo está falando sobre aquele assunto. Não, não está. O mundo não são algumas milhares de pessoas ou robôs atuando por um propósito. E isso é o suficiente, contudo, para que isso paute parte da imprensa.

Por fim, sem demérito para todos os grupos que ocupam as ruas com suas demandas, fico me perguntando se chegará o dia em que o ”povão” – a maioria amorfa em nome do qual tudo é feito, mas que raramente se beneficia do grosso do Estado – irá às ruas. Até agora, ele não saiu de casa nem pró, nem contra nenhum governo. Não posta sua indignação nas redes sociais, porque faz parte daqueles 40% de população que está fora da internet. Continua onde sempre esteve: trabalhando pelo bem-estar de uma minoria, com medo de perder o emprego e assistindo a tudo bestializado pela TV.

No dia em que esse pessoal resolver dizer basta às castas de políticos corruptos, de elites econômicas sanguessugas e de demagogos violentos e antidemocráticos, percebendo que, crise após crise, são eles que pagam o pato num país em que lucros ficam com o andar de cima e prejuízos com o andar de baixo, acho que o tempo vai fechar.

Desconfio, que – nesse dia – essa imensa maioria não será chamada pelos mesmos analistas de ”população brasileira”, mas de vândalos e hordas de bárbaros. Mas, daí, será tarde demais.

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