Sobrevivente de chacina sofre racismo: ‘É preto, né?’

Informada de que o “preto” era uma das vítimas, e o assassino, branco, a internauta respondeu: “alma de preto no corpo de um branco meu querido”

Por Shana Pereira, no Correio

Um dos sobreviventes da chacina de Campinas, Admilson Verissimo de Moura, de 45 anos, foi alvo de comentários racistas na internet. Em uma postagem no Facebook sobre o crime que matou 12 pessoas da mesma família no Réveillon, uma internauta fez comentários e ofendeu a vítima pela cor de sua pele. O advogado de Admilson registrou um boletim de ocorrência (BO) para que a polícia investigue o caso.

De acordo com o advogado da vítima, Adilson Borges, Admilson levou um tiro na perna e deixou o Hospital Celso Pierro nesta sexta-feira (6), onde estava internado desde o dia 1º. Segundo ele, o sobrevivente está abalado com os comentários. “Ele está inconformado em saber disso. Está em choque, pois perdeu a esposa, viu o filho ser alvo do atirador que conseguiu se esconder, quase perdeu a própria vida e ainda sofreu esse tipo de ataque e ofensas da sua dignidade”, afirmou.

Um homem fez uma publicação do caso em sua página na rede social, onde aparece uma foto de Admilson. Em seguida, aparece um comentário de uma mulher dizendo: “Preto, né?”. A pessoa que fez a postagem respondeu para a mulher que ela estava mencionando a pessoa errada: “minha querida, o verdadeiro autor da chacina é esse, o ‘preto’ que você mencionou é uma das vítimas”. O homem colocou uma foto de Sidnei Ramis de Araújo junto com o filho para identificar o real atirador que atingiu as 12 pessoas na virada do ano. A internauta ainda comentou novamente com frases preconceituosas na publicação e disse: “alma de preto no corpo de um branco meu querido”.

Como Admilson foi confundido com o atirador Sidnei na publicação, ele está com medo de sofrer represália na rua. Segundo o advogado, a publicação foi visualizada por amigos da vítima, que pediram a ele que tomasse as devidas providências. Borges informou ainda que irá fazer uma petição e pedir uma liminar para que o Facebook seja notificado para ter acesso aos perfis das pessoas que postaram as mensagens e excluíram a página da rede social. “Essa injúria racial é uma ofensa grave e terá consequências”, disse. O boletim de ocorrência foi registrado no 3º Distrito Policial. Para dar andamento, o BO tem que ser representado.

Injúria

O crime de injúria está previsto no Código Penal e consiste em ofender a dignidade ou o decoro de alguém “na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.” A pena pode chegar a três anos de reclusão. O crime de racismo não prescreve e também não tem direito à fiança.

Comentários

Em diversos comentários no Facebook do Correio, internautas se manifestaram a favor do que o autor do crime escreveu na carta e declarou nos áudios deixados enviados para os amigos. Um dos comentários diz: “Ficou louco… Mas falou umas verdades no texto, justiça porcaria que temos, juízes deuses e governo desgraçado… O cara ficou doidinho e fez uma insanidade…”. Em outro comentário, um internauta coloca a culpa na família pelo crime, “Culpa da família dele que não fez nada! Nessas horas as famílias são omissas, sabem que a pessoa precisa de ajuda psicológica e não fazem nada. Aí dá nisso! Lamentável!”.

De acordo com a psicóloga Cristiane Valli, as mensagens precisariam ser analisadas, para compreender com o que a pessoa se identifica. “É complicado, pois as pessoas que são a favor do que aconteceu se identificam de alguma maneira com o agressor. Isso acaba mobilizando um sentimento de expressar nas redes sociais tentando justificar o injustificável. Na verdade, foi um ato abominável”, disse.

A psicóloga afirmou ainda que muitas pessoas não entendem a ideia do feminismo e acabam criticando o movimento. “Como na carta, o agressor atacou muito o feminismo, muita gente concorda com ele de alguma forma, porque fazem uma interpretação errônea do que prega o movimento. As pessoas tomaram as dores e acham que o ato tem uma legitimidade que não tem.”

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