Marcha das Mulheres atrai multidões em protestos por igualdade

Mulheres católicas deixaram claro que suas vozes foram ouvidas entre os milhões que se reuniram em marchas e comícios em cidades nos EUA e ao redor do mundo no dia 21 de janeiro em defesa dos direitos da mulher e para enviar uma mensagem ao presidente Donald Trump um dia depois de inauguração à frente da presidência. Nos eventos realizados, perpassou uma ampla gama de assuntos, incluindo a reforma imigratória, assistência à saúde e tolerância religiosa

Global Sisters Report e National Catholic Reporter / IHU On-Line*

Multidões de mais de 500 mil pessoas – dobro do que os organizadores esperavam – inundaram Washington, DC, a ponto de que uma parcela da Marcha das Mulheres precisou ser abandonada e transformada em uma série de comícios e minimarchas espontâneas em torno da cidade.

Em Boston, Chicago e em dezenas de outras cidades, as multidões excederam as expectativas dos organizadores.

Centenas de religiosas também se juntaram aos protestos e comícios, identificando-se com as causas e temas que refletem seus carismas e obras missionárias. As Irmãs de São José tiveram uma forte presença na Marcha das Mulheres em Washington, DC, com mais de 130 irmãs, colaboradores, parceiros de ministério, amigos e familiares, todos fazendo suas vozes serem ouvidas.

Um ônibus as Irmãs de São José de Brentwood, Nova York, encheu-se rapidamente e teve uma lista de espera com 10 pessoas, segundo a Irmã Helen Kearney, superiora da congregação religiosa. Entre as 53 participantes estiveram irmãs, colaboradoras de um centro de enfermagem especializada e de um centro assistencial e de alfabetização. Estiveram também clientes desses próprios centros.

O carisma da congregação inclui os valores de unidade e empoderamento feminino. Kearney disse que participou da marcha para comunicar aos líderes políticos “os valores de inclusão, respeito pela diversidade e a necessidade de fomentar a justiça para todas as pessoas”.

Em Nova York, a Marcha das Mulheres foi uma extensão do trabalho diário das irmãs católicas que representam suas congregações nas Nações Unidas. A Irmã Winifred Doherty, representante na ONU para a Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor (Congregation of Our Lady of Charity of the Good Shepherd) e a Irmã Celine Paramunda, representante das Irmãs Missionárias Médicas (Medical Mission Sisters), ergueram cartazes reafirmando o compromisso com os direitos das mulheres e com a justiça de gênero, justiça econômica e justiça climática.

“Todas estas coisas estão inter-relacionadas”, disse Doherty, e realizá-las requer uma mudança da consciência que as mulheres podem ajudar a fazer acontecer. Doherty falou que tais eventos são necessários para recusar uma mentalidade predominantemente masculina que torna ilusória a igualdade de gênero e que continua a empobrecer muitas delas.

“Em muitas partes do mundo, as mulheres não têm direito à terra, não têm acesso ao crédito”, disse. “Temos de desafiar isso, desafiar o poder que é exercido sobre estas mulheres”.

Entrevistada pouco antes da marcha, as irmãs disseram que ficaram impassíveis com as bandeiras e cartazes anunciando oposição a Trump, dizendo que estavam ali marchando em solidariedade.

Doherty, de nacionalidade irlandesa, e Paramunda, indiana, enfatizaram o caráter internacional dos eventos naquele dia, observando que as marchas estavam acontecendo em 33 países. A marcha em Nova York começou na Dag Hammarskjold Plaza próximo das Nações Unidas e terminou não longe da Trump Tower no centro de Manhattan. O presidente do condado de Manhattan Gale Brewer disse que o comício e a marcha atraíram 200 mil pessoas.

A Irmã Justine Gitanjali Senapati, representante das Congregações de São José na ONU, disse que estava participando para reafirmar “a sabedoria feminina” e opor-se ao que disse ser “o ódio no mundo de hoje”.

“É uma marcha sobre quem são as mulheres”, disse ela, “ela dá ao mundo uma mensagem de que todas as mulheres têm dignidade e valor”.

Ressaltando a necessidade de unidade, algumas religiosas disseram não compreenderem o sentimento expresso por algumas pessoas de se afastarem da marcha em Washington porque ela não representava os seus interesses.

“Não podemos continuar divididas”, disse a Irmã Dillard, religiosa do Sagrado Coração que viajou de San Francisco a Washington para a marcha.

Falando em um evento mobilizatório no dia 20 de janeiro, Dillard falou que teve de vir à marcha para representar as idosas e os pobres a quem serviu em seus 30 anos em entidades de caridade. O medo entre estas populações é muito real, disse ela.

“Como iremos mudar as coisas se não nos reunimos em torno da mesa juntas?”, perguntou-se.

O apoio da ONG Planned Parenthood dado à marcha e às muitas placas e cartazes defendendo os direitos reprodutivos femininos não dissuadiram as irmãs de participar. Somente uma percentagem muito pequena do orçamento da Planned Parenthood é usado em abortos, disse a Irmã Teresa Shields, membro das Irmãs dos Sagrados Nomes de Jesus e Maria (Sisters of the Holy Names of Jesus and Mary), enquanto a maior parte é destinado a serviços de saúde e exames que toda a mulher precisa.

“É claro que não somos a favor do aborto”, disse. Mas os temas da justiça e da paz a chamaram a participar, independentemente do envolvimento da Planned Parenthood.

“Quero ficar ao lado de outras pessoas que defendem as mesmas coisas que nós: dignidade, respeito, justiça”, disse a Irmã Anne Curtis, da Divina Miseriórdia. “Estamos preocupadas com que estas coisas, com as quais somos comprometidas, estejam em risco agora”.

O apoio da Planned Parenthood e a retirada de um grupo pró-vida da lista dos parceiros da marcha a fizeram refletir sobre a participação no evento.

“Eu esperava que a Planned Parenthood e os grupos de apoio ao direito à vida pudessem juntos trabalhar e se manter parceiros porque todos estamos no lado das mulheres”, disse ela. Mesmo assim, decidiu participar.

“Jesus jantou com coletores de impostos e pecadores”, disse ela, acrescentando em seguida: “A única forma de encontrarmos um denominador comum é estando juntas”.

Em El Paso, no Texas, defensores pró-vida e pró-escolha estiveram lado a lado enquanto a Marcha das Mulheres se movia ao longo do histórico Segundo Barrio em direção à Praça San Jacinto, a apenas poucos quilômetros dos portos de entrada na fronteira EUA-México.

As condições climáticas desfavoráveis não mantiveram as pessoas longo das manifestações. Manifestantes vieram do México e do Novo México para expressar a preocupação com alterações nas políticas imigratórias, de saúde e educacionais.

A Irmã Janet Gildea, que participou na marcha em El Paso, disse ter se surpreendido que, numa cultura marcada pelo machismo, havia um grande número de homens na “Marcha das Mulheres”.

“Isso mostra a percepção de que os direitos e preocupações das mulheres são direitos e preocupações do ser humano”, escreveu em e-mail enviado ao Global Sisters Report. Enquanto o grupo marchava pela paróquia jesuíta do Sagrado Coração e em frente ao famoso santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, Gildea disse que sentiu uma forte emoção de solidariedade pela comunidade fronteiriça e por sua história de resistência.

Com efeito, muitos dos valores expressos pelos manifestantes são coerentes com o ensino católico, afirmaram muitas das entrevistadas.

“O amor é a coisa mais importante no mundo”, disse Taylor Lach, estudante de 21 anos da Loyola University que participou da Marcha das Mulheres em Chicago.

“Sinto isso como sendo 100% daquilo que a Igreja Católica ensina”.

Lach juntou-se a aproximadamente outros 250 mil manifestantes da região de Chicago. Os/as manifestantes entoaram frases como “Vidas negras importam” e “Sim, nós podemos”. Um dos gritos favoritos da multidão era este chamado e a sua reposta:

“Me digam como é a democracia. A democracia é assim”.

Depois das declarações humilhantes de Trump para com os muçulmanos durante o período eleitoral, os participantes da marcha fizeram questão de falar por este grupo. Os manifestantes em Chicago disseram: “Ódio não, medo não. Os muçulmanos são bem-vindos aqui”.

Outros manifestantes se certificaram de que os valores inclusivos de suas religiões estivessem presentes nos cartazes.

“Cristão para o amor, não para o ódio” lia-se em um cartaz segurado por Kyri Sierra. Sierra, 36, é membro do Tabernáculo de Chicago, uma igreja cristã local.

“O meu marido e eu estamos realmente decepcionados com o que alguns cristãos disseram nesta eleição”, disse ela. “Eu não acho que eles refletem um ponto de vista cristão”.

Kathleen Weiss Boyle, paroquiana, 53, frequentadora da Queen of All Saints, comunidade católica em Chicago, conversou sobre a sua esperança para os próximos quatro anos.

“Estou em busca de valores que reflitam Jesus (…) Acho que as pessoas que Donald Trump procura afastar são as pessoas que Jesus teria trazido junto de si”, disse ela.

Na Filadélfia, Sarah Weisiger, pastora da Igreja Presbiteriana Ivyland em Warminster, na Pensilvânia, disse que a marcha “é coerente com os meus valores cristãos, e eu queria fazer algo de positivo”. Ela participou da marcha junto de seu marido, Alex, e dos três filhos (de 6 meses a 5 anos), acrescentando que também queria expor os filhos à ação positiva.

Kristy Modarelli, católica de 34 anos de Ohio que ainda está em busca de uma comunidade religiosa na Arquidiocese da Filadélfia, disse que participou do evento para manifestar apoio às causas que ela valoriza, que incluem a igualdade da mulher, a igualdade para as pessoas marginalizadas e ações para remediar os efeitos das mudanças climáticas.

“Estou aqui para mostrar que existem muitíssimas pessoas insatisfeitas neste momento”, disse ela.

No começo da semana, os organizadores da Marcha das Mulheres em Boston esperavam cerca de 20 mil pessoas. Em vez disso, mais de 100 mil compareceram, segundo disseram no sábado à tarde.

Os senadores de Massachusetts, Elizabeth Warren e Ed Markey, discursaram no comício.

“Acreditamos que o sexismo, o racismo e a homofobia não têm lugar nesse país (…) Acreditamos que igual signifique igual”, disse Warren.

A multidão em Boston se animou quando os políticos levantaram o tema da educação e proteção aos imigrantes.

Em St. Louis, Ann Compton Kammien, membro da Comunidade de Loretto, disse que a marcha de sábado era uma grande oportunidade para “demonstrar as nossas frustrações com o que o presidente está dizendo hoje e que possivelmente iremos ouvir nos próximos quatro anos”.

A energia e o comprometimento devem continuar, disse.

“Nós não iremos ficar caladas. Iremos ser fortes em nossa obra no sentido de um tratamento justo e generoso a todos e à terra que compartilhamos”, declarou. “Haverá uma oposição para equilibrar e superar aquilo que estamos ouvindo de Donald Trump e sua equipe”.

No sábado à noite, no lado de fora da embaixada dos EUA, cerca de 500 pessoas se reuniram em Tel Aviv, Israel, em reação a Trump e suas propostas.

Muitos manifestantes expressaram a preocupação com o anúncio do novo presidente de que planeja mover a embaixada do país de Tel Aviv para Jerusalém, plano polêmico que, muitos temem, poderá levar à violência na região. A maioria dos países tem a embaixada em Tel Aviv para evitar reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, dado que os palestinos reivindicam esta cidade como a capital de seu futuro estado. Muitas pessoas na multidão israelense-americana disseram que possuíam familiares participando das manifestações nos EUA.

“É uma oportunidade de realmente expressar uma posição em relação ao governo Trump, que ama odiar. Além disso, muitos israelenses-americanos não apoiam Trump, e certamente o mesmo acontece com a maioria dos judeus”, disse Ayelet Shuber, uma das organizadoras do evento.

O fato de as multidões se reunirem para marchar independentemente de raça ou credo envia uma mensagem poderosa aos governantes, disse a Irmã Simone Campbell, diretora da NETWORK, grupo católico que busca promover nos meios políticos a agenda da justiça social e que foi uma das que discursou na Marcha das Mulheres.

Segundo disse, ela e outras irmãs “viajamos pelo país todo, encontramos muitas pessoas, mas tenho que dizer que não vi nada como isso daqui: todas nós juntas em um único lugar”.

Como em Pentecostes, quando os apóstolos de Jesus se reuniram em um só lugar, assustados e com medo, até que um vento poderoso “elevou a coragem e deixou as pessoas saberem que não estamos a sós, que estamos juntas”, disse a religiosa.

“Estamos unidos e unidas independentemente das nossas crenças, independentemente da cor da nossa pele, independentemente de quem definimos como próximos. Todos somos próximos uns dos outros, e essa é a verdade profunda sobre a qual o nosso país foi edificado: somos as guardiãs das nossas irmãs; somos as guardiãs dos nossos irmãos. É esta verdade que vai nos ajudar a costurar as brechas em nossa sociedade. É esta verdade que vai nos curar da divisão econômica, onde aqueles no topo continuam tirando mais daqueles que estão trabalhando pesado para gerar riqueza”.

Encontrar solidariedade nos números é importante, disse Kathy Tobin, membro da Paróquia de St. Joseph, em Pinole, na Califórnia. Ela planejou participar na Marcha das Mulheres em San Francisco porque “a marcha representa um modo de nos unir com outras pessoas que se opõem a tudo o que Donald Trump defende. É difícil pensar que as marchas irão conseguir muita coisa diretamente, mas espero que este grande número de manifestantes atraia a atenção para o fato de que existe uma grande força aqui fora contra a pauta deste governo. O magistério católico valoriza a vida de todas as pessoas, e o comportamento do novo presidente tem mostrado que ele quer ser o valentão com respeito aos outros, principalmente com os menos afortunados”, disse Tobin.

Em San Francisco, a Marcha das Mulheres seguiu-se a um outro grande evento, a 13ª Caminhada Anual pela Vida no Litoral Oeste. Estimava-se que 50 mil pessoas iriam participar na Caminhada pela Vida, com um número igual de participantes sendo esperado para participar, poucas horas depois, da Marcha das Mulheres na cidade.

Uma reportagem publicada no jornal San Francisco Chronicle disse que os organizadores dos dois eventos mantiveram conversas entre si para evitar algum conflito.

“Nós realizamos a nossa marcha anual há 13 anos já, e hoje foi uma estranha coincidência”, disse ao jornal EvaMuntean de San Francisco, um dos organizadores do Caminhada pela Vida. “Elas colocaram a marcha delas na frente da nossa. Não gostamos disso (…), mas fazer o quê? Estamos em contato com o pessoal de lá para coordenar as atividades, muito embora não concordemos nas ideias”.

“Certamente não estamos planejando nenhum problema”, disse Martha Shaughnessy, organizadora da Marcha das Mulheres na cidade. Segundo ela, durante semanas houve uma formação sobre protestos pacíficos em torno da Marchas das Mulheres que aconteceriam na região. “Estivemos no nosso o limite, o que é um bom sinal” Shaughnessy. “O que realmente queremos que seja reconhecido aqui é que estamos todos e todas enfrentando o mesmo tipo de pressão e dor. Por isso é importante criamos uma sintonia em todos os temas debatidos”.

Rosa King, estudante de pós-graduação na Santa Clara University, disse em entrevista que a Marcha das Mulheres é um “exemplo perfeito dos ensinamentos católicos sobre justiça social transformados em ação. Nós, como americanos e americanas, precisamos ser solidários uns com os outros para pedir pelas mudanças positivas necessárias que cada um quer ver. A Marcha das Mulheres mostra ao mundo que não estaremos divididas, que a vida humana é sagrada e que deve ser tratada com dignidade e respeito”.

“Quero que minha voz seja ouvida, que minha vida importe, como mulher afro-latina, imigrante e feminista com orgulho”, disse.

A Irmã Cathy Cahur, 88, membro das Irmãs da Caridade de Cincinnati, esteve entre as que marcharam em San Francisco, onde ela atuou, durante muitos anos, como conselheira espiritual de viciados. Segundo ela, a Marcha das Mulheres alinha-se com os valores de sua comunidade, ao “trabalhar para o testemunho da presença ativa e amorosa de Deus, ao escolher agir de forma justa, construir relações, compartilhar recursos com os necessitados e cuidar de toda a criação. Portanto irei marchar para dar a minha parte no apoio da mensagem vibrante e esperançosa de Deus”.

*A tradução é de Isaque Gomes Correa.

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