Índios e venezuelanos disputam comida em aterro de Boa Vista

Por Marcelo Toledo e Danilo Verpa, na Folha

Em meio ao forte mau cheiro, a ossos bovinos, ao lixo de estabelecimentos comerciais e a todo tipo de sujeira, diariamente centenas de pessoas– entre elas indígenas e venezuelanos disputam comida com um número incalculável de urubus e procuram algo que possam limpar e vender.

Algumas delas moram numa espécie de “condomínio” com 35 barracos que existe dentro do aterro sanitário de Boa Vista (RR). São pessoas como o desempregado Oliveira Lisboa Borges, 62, que diz viver com a mulher há três anos no local.

Funcionários do aterro sanitário e catadores de lixo ouvidos pela Folha afirmam que até mil pessoas, todos os dias, vão ao lixão com o objetivo de, de alguma forma, viver do que encontrarem por ali. A situação se agravou desde o ano passado, quando a onda imigratória de venezuelanos levou ao menos 30 mil pessoas a Roraima.

Já os índios, entre eles ianomâmis, têm saído de suas aldeias devido à invasão de garimpeiros em suas terras, segundo o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), seduzidos por propostas de uma vida melhor na cidade. “Todos nós estamos aqui quase todos os dias, índios, venezuelanos… A crise acertou todos, né?”, diz o indígena João Macuxi, que vai ao local de segunda a sexta.

O lixão tem acesso restrito, mas os próprios funcionários do aterro indicam um rombo numa das cercas pelo qual os “usuários não moradores” entram a todo momento. A reportagem seguiu uma rota feita por um trio de garotos que encontrou uma peça de metal no local e a transportava numa bicicleta na esperança de vendê-la em Boa Vista. O local fica a 13 km do centro da capital.

O cenário do lixão assusta. Há grande quantidade de urubus, focos de incêndio –feitos por invasores, segundo funcionários– e disputa por um lugar na “primeira fila” no momento em que um caminhão chega de Boa Vista para descarregar lixo. “Está muito difícil conseguir serviço, aqui consigo uma ou outra coisinha e vamos levando”, diz Borges.

Ele e a mulher, juntos, conseguem até R$ 300 por mês –a média é R$ 200– vendendo o lixo obtido no aterro, o suficiente para comprar farinha, arroz e, “muito de vez em quando, um pouquinho de carne”. Banheiro não há. Água também não.

IMPROVISO

Os barracos erguidos no local são feitos de pedaços de madeira encontrados no próprio aterro e lonas. “Aumentou muito o total de pessoas desde que os venezuelanos começaram a vir para o Brasil. Estão aqui todos os dias”, diz um dos funcionários.

Espalhados por Boa Vista, os estrangeiros têm aos poucos se adaptado ao cotidiano do norte do país e alguns já ocupam funções como a de garçom e de caixa de supermercados. A maioria, porém, tem atuado nos semáforos, lavando vidros de veículos ou vendendo frutas e sucos.

Para Dilson Ingarikó, secretário do Índio de Roraima, os indígenas “sofrem influência de pessoas de má índole”. “Eles chegam achando que vão melhorar a qualidade de vida na cidade. Como não há trabalho para todos, acabam indo para o lixão.”

Já Egydio Schwade, 81, fundador do Cimi, afirma que os indígenas enfrentam uma situação “muito dolorosa e triste”. “[A fome que os leva ao lixão] É um problema grave, mas mais grave ainda é a invasão de garimpo nas terras deles, principalmente ianomâmis.”

Schwade diz que os problemas que os índios passam em Boa Vista são resultado da má vontade dos governos com essa população. “Eles ficam cada vez mais degradados, mais vulneráveis. Quando chegam a Boa Vista, quase sempre estão abandonados.”

PREVENÇÃO

A Prefeitura de Boa Vista, afirma que uma equipe de humanização da Secretaria de Gestão Social “trabalha constantemente na identificação e na orientação as pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade” no local.

Em nota, a administração diz que as equipes alertam que não é permitida a entrada no aterro, ” porque o local apresenta riscos à saúde destas pessoas”. Apesar da presença de índios no aterro, o secretário Ingarikó afirma que a permanência deles no lixão da cidade é momentânea.

“Quando percebem que o negócio está ruim, retornam para a comunidade. Há comunidades que vieram por [ouvir] conversa de alguém, que afirmava que iriam melhorar a vida. Vieram iludidos, passaram por grandes dificuldades e acabam retornando para sua terra, começando a produzir.”

Foto: Danile Verpa, Folhapress

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

3 × quatro =