#AbrilIndígena: Após 28 anos, acusados de matar indígena idoso são condenados a 18 anos de prisão

A acusação foi feita por três procuradores do Ministério Público Federal em Mato Grosso (MPF/MT) em júri popular que durou cerca de 10 horas

MPF/MT

Os réus Sadi Francisco Tremea e Antônio Lopes da Silva foram condenados a 18 anos e nove meses de prisão em regime fechado, cada um, por homicídio doloso qualificado contra o indígena de 70 anos Yaminerá Suruí, ocorrido em 16 de outubro de 1988, na Reserva Indígena Zoró, localizada no Município de Aripuanã, região noroeste de Mato Grosso. A condenação foi resultado do júri popular realizado nessa quarta-feira (05) em Cuiabá (MT) pela Justiça Federal de Mato Grosso (JFMT), e anunciada após 10 horas de embates calorosos entre a defesa e acusação. Os acusados estão foragidos.

A sessão teve início por volta das 9h30 com o sorteio dos sete jurados que compuseram o júri. Em seguida, foi reproduzido em vídeo os depoimentos de três testemunhas ouvidas por carta precatória. Os primeiros a serem ouvidos foram dois servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) que afirmaram que o indígena havia sido assassinado devido a disputa de terra, pois colonos estavam invadindo os limites da área indígena dos Zoró. Uma das testemunhas afirmou que só foi possível localizar o corpo do indígena, que estava em boa parte carbonizado, graças ao depoimento dado por um dos acusados que estava preso em Cuiabá. Essa testemunha também afirmou que Yaminerá foi morto pois, sendo idoso, não conseguiu correr para dentro da mata, fugindo dos tiros como os outros indígenas fizeram.

A terceira testemunha a ser ouvida foi o indígena Celso Natin Suruí, sobrinho da vítima. Ele contou que estavam caminhando próximo a estrada, ele, o pai dele, o indígena Yaminerá e o balseiro “Osvaldo”, quando os acusados passaram de caminhonete e começaram a atirar. Os outros índios e o balseiro conseguiram correr para a mata, mas Yaminerá não conseguiu correr por causa da idade. “Ele foi morto a queima roupa. Meu pai ainda chegou a ser atingido de raspão no braço, mas conseguiu fugir”, afirmou em depoimento.

Não houve leitura das cartas precatórias de outras testemunhas, e então iniciou-se a fase dos debates. O primeiro a iniciar o debate, representando o MPF/MT, foi o procurador da República Vinícius Alexandre Fortes de Barros. Ele enfatizou que havia provas suficientes para a condenação, mas mais que condenar os réus, a questão era a de se fazer justiça depois de 28 anos, acabando com a sensação de impunidade. “O MPF tem o papel não de condenar, mas de defender a sociedade, e é isto que queremos fazer aqui”, afirmou.

Durante o seu discurso, o procurador lembrou que o indígena havia sido assassinado 11 dias depois da promulgação da Constituição Federal, que traz em seu artigo 230 a garantia da vida das pessoas idosas, e o artigo vizinho, o de número 231, trata sobre o reconhecimento dos indígenas, suas crenças e costumes, e direito de demarcação de terras. “A vítima teve ceifados dois de seus direitos reconhecidos pela Constituição Federal recém promulgada”, completou.

Em seguida, a palavra foi passada para a procuradora da República Marianne Cury Paiva, que leu alguns depoimentos dados pelos réus, confirmando terem sido convidados para fazer parte da chamada “caravana da morte” e que todos estavam armados e em duas caminhonetes. Nos depoimentos, os acusados deixaram claro que o grupo teria atacado quatro vezes os indígenas, sendo que no terceiro ataque o indígena Yaminerá Surui foi morto. Ela apontou que em depoimento os réus não negaram o crime.

Já o procurador da República, Ricardo Pael Ardenghi tratou de explicar aos jurados os quesitos que seriam usados no julgamento e enfatizou que, além de condenar os acusados, um dos principais objetivos do júri era o de acabar com a sensação de impunidade. “Absolver os dois acusados, será como deixar um vazio, assim como está a cadeira dos réus aqui hoje, vazia. Basta desta sensação de impunidade. É preciso que sejamos justos”, ressaltou Pael, que enfatizou a situação em como se deu o crime e a impossibilidade de reação por parte da vítima idosa. A acusação usou as duas horas e meia a que tinha direito.

Após a suspensão do júri por uma hora para o almoço, a vez foi da defesa retomar o debate. A defesa foi feita pelo defensor público da União, João Paulo Rodrigues de Castro, que tentou convencer os jurados que os invasores da terra indígenas eram fazendeiros e agiram em legítima defesa, pois dois dias antes do assassinato do indígena alguns índios teriam ido até o local onde os posseiros estavam e feito ameaças de morte caso eles não se retirassem das terras Zoró.

O defensor também usou a tese de que o indígena assassinado também teria participado do ataque feito pelos indígenas no acampamento dos posseiros, e ainda que, o motivo do crime não teria sido fútil, desqualificando o crime. Além disso, afirmou também que não houve uma “caravana da morte” e que a vítima não foi alvejada pelas costas, e muito menos em um terceiro ataque feito pelos posseiros. Para o defensor, a vítima teria sido atingida por um tiro durante intenso tiroteiro entre os posseiros e indígenas, em uma batalha campal. A defesa também usou as duas horas e meia.

Ainda foram usadas a réplica por parte da acusação e a tréplica por parte da defesa, ambos sustentando as suas versões.

Por volta das 17 horas os jurados se retiraram para a sala secreta, onde fizeram a votação de acordo com os critérios colocados pelo juíz: a materialidade do caso, ou seja, se o crime havia ocorrido; o segundo quesito era sobre a autoria, se os réus teriam concorrido de alguma forma para a morte da vítima; caso positivo, o terceiro quesito era que, mesmo tento participado de alguma forma, os jurados os absolviam; e o quarto quesito era quanto a qualificadora, ou seja, por motivo fútil e indefensável.

A setença foi lida pelo juiz federal Francisco Moura Júnior, que presidiu a sessão. Os jurados reconheceram a culpabilidade dos réus e também a qualificadora, ou seja, que o crime foi cometido por motivo fútil, condenando assim os réus. A pena aplicada foi a de 18 anos e nove meses para cada réu, sendo que como eles já haviam estado presos em 1989, houve uma redução de aproximadamente quatro meses para cada um. A defesa irá recorrer da decisão.

Os réus são considerados foragidos desde 1989, quando tiveram a prisão preventiva decretada e posteriormente a liberdade provisória, tendo mudado de endereço sem prévia autorização, não sendo mais localizados.

Foto: Tribunal de Júri – Ascom/MPF

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