Um tipo de rede social: o trabalhador que só defende os direitos do patrão, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

Tenho visto um tipo de comentário circular nas redes sociais, defendendo as Reformas da Previdência e Trabalhista, a nova lei da terceirização ampla, a limitação para gastos públicos em educação e saúde, entre outras medidas sugeridas pelo governo Temer e defendidas pelo Congresso Nacional que colocam em risco a dignidade dos mais pobres. Alguns perfis são claramente falsos, pagos por alguém ou alguma organização. Outros são de pessoas aparentemente reais. Em comum, afirmam que ”O patrão não é meu inimigo, o Estado que é”.

Isso é mais uma prova que falta amor no mundo, mas falta interpretação de texto.

Antes de mais nada, reduzir grupos com interesses distintos a inimigos é de um reducionismo infantil. Daquele tipo de semovente que divide o mundo entre o bem e o mal, a luz e a escuridão, o Palmeiras e o Corinthians – no que pese eu estar balançado a concordar com os maniqueístas quanto a esse último item. Quando isso é feito, como venho escrevendo aqui há tempos, ocorre um processo de invalidação do discurso do outro, levando até sua desumanização.

Mais ou menos assim: quem pensa diferente de mim quer apenas criar a discórdia e a violência no mundo e, portanto, não merece ser tratado como gente.

Patrões e empregados são dois desses grupos de interesses distintos, muitas vezes antagônicos, que devem coexistir quer gostemos ou não.

Para tanto, precisam dialogar e negociar. Quando o diálogo chega a um impasse, os trabalhadores podem usar seu direito a cruzar os braços e paralisar as atividades para que o diálogo com os empregadores – sejam eles empresários ou o próprio poder público – seja destravado. A demonização des greves é coisa antiga, normalmente por quem vê o trabalho do outro como obrigação.

O Estado tem a função de mediar esses conflitos, criando regras para a compra e venda da força de trabalho que equilibrem a disputa (Poder Legislativo) ou julgando e decidindo quando há uma disputa travada (Poder Judiciário).

O que essa ideia que está circulando nas redes sociais desconsidera é que o Estado, sua burocracia, seus eleitos e concursados têm seus interesses próprios, mas também seguem a interesses de terceiros.

No Brasil, mesmo em governos autoproclamados progressistas, a vontade de empresários sempre esteve mais representada que a dos trabalhadores. E não estou falando apenas da Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez e outras construtoras que compraram políticos. Quem financiou e elegeu a maior parte dos deputados e senadores não foram trabalhadores, mas grandes empresas com seus milhões. Por vezes apostando em concorrentes adversários para que, seja qual fosse o resultado, saíssem vencedoras.

Isso falando de doações de campanha. Levantamento do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) apontou que 221 entre os 513 deputados federais eleitos em 2014 possuíam estabelecimentos comerciais, industriais, de prestação de serviço ou do segmento rural, de acordo com sua declaração de bens. Ou seja, são eles próprios os patrões.

Da mesma forma, o governo Michel Temer, acuado por denúncias de corrupção por todos os lados, mantém-se vivo pelo endosso de empresários. Prometeu a eles entregar uma redução drástica nos direitos trabalhistas, na seguridade social e nas prioridades do Estado em geral. Por exemplo, limitar novos investimentos em educação e saúde públicas, através da já aprovada PEC do Teto, para garantir que os mais ricos não fossem taxados nos lucros e dividendos vindos de suas empresas, muitos menos um imposto de renda realmente progressivo que mordesse quem tem muito.

As denúncias envolvendo políticos do PMDB, PSDB, PT, DEM, entre outros, mostram como interesses privados de corporações acabaram sendo bancados com o dinheiro de todos.

Ao mesmo tempo, quem tem se apresentado como o ”novo” não parece mudar o cenário, pois continua trazendo a iniciativa privada para dentro do poder público, acabando por confundir administração da coisa pública com gestão empresarial – apesar das regras de ambas serem bem diferentes para evitar a corrupção. Podem não ter sido eleitos com doações de empresas, mas também são avessos à transparência e a regras democráticas.

Com tudo isso, estou querendo insinuar que patrões são malvadões e trabalhadores são bonzinhos? Longe disso.

Apenas dizer que, caro amigo, cara amiga, não faz sentido você dizer ”o patrão não é meu inimigo, o Estado que é”. Pois, na esmagadora maioria das vezes, o Estado sempre serviu ao seu patrão, com umas poucas concessões e migalhas distribuídas aos trabalhadores ao longo do caminho.

Se você não perceber isso, acabará sendo o feitor que garante a escravização de si mesmo.

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