Checagens investigam o número de desempregados, o tamanho da informalidade, a antiguidade da CLT e se há direitos que só estão previstos nesta e em outras leis
por Maurício Moraes e Patrícia Figueiredo, da Agência Pública
Parlamentares ligados ao governo Michel Temer (PMDB) têm defendido a reforma trabalhista (PLC 38/2017) como forma de modernizar essa área, trazer empregos e impulsionar a economia. Para a oposição, as alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) vão remover direitos conquistados há décadas pelos trabalhadores e precarizar as relações. Em meio a esse debate acirrado, existem argumentos favoráveis e contrários às mudanças que têm sido repetidos com frequência.
O Truco – projeto de verificação de fatos da Agência Pública – analisou quatro frases dos senadores Ricardo Ferraço (PSDB-ES), Romero Jucá (PMDB-RR) e Paulo Paim (PT-RS) usadas em relatórios sobre a proposta apresentados em duas comissões do Congresso. A reforma trabalhista está prestes a ser votada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Depois, será analisada pelo plenário e, se não houver modificações, pode se transformar em lei em breve.
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“Vinte milhões de brasileiros não têm acesso ao direito trabalhista mais básico: o direito ao emprego.” – Ricardo Ferraço (PSDB-ES), senador, no relatório da reforma trabalhista rejeitado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado.
No trecho em que fala sobre a população desempregada no Brasil, Ferraço alega que 20 milhões de brasileiros não teriam direito ao emprego. O Truco entrou em contato com a assessoria de imprensa do senador para solicitar a fonte dos dados, mas não obteve retorno.
O número de desocupados no Brasil, segundo as estatísticas mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), corresponde a aproximadamente 14 milhões de pessoas. Para chegar à cifra de 20 milhões de cidadãos sem “direito ao emprego”, o senador utiliza um dado do instituto que inclui uma parcela da população que não está procurando ocupação ativamente. Como Ferraço manipulou um dado oficial para produzir uma falsa impressão da realidade, o Truco classificou a frase como distorcida.
O IBGE registrou, na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, feita em abril deste ano, um volume de 14,2 milhões de desempregados. Só é considerado desocupado pelo instituto quem não está trabalhando, procurou emprego nos 30 dias anteriores à pesquisa e se considera apto a começar a trabalhar imediatamente.
O órgão compila ainda um índice chamado “taxa combinada da desocupação e da força de trabalho potencial”. Esse número, diferentemente da quantidade de desempregados, abrange também as “pessoas que gostariam de trabalhar, mas não procuraram trabalho, ou que procuraram, mas não estavam disponíveis para trabalhar (força de trabalho potencial)”, como explica o IBGE em release oficial. No primeiro trimestre de 2017, se encaixavam nesta categoria 21,3 milhões de brasileiros.
O dado é próximo ao apresentado pelo senador em seu relatório. Mas Ferraço erra ao dizer que essas pessoas não têm “direito ao emprego”, já que há esse índice reúne pessoas que admitiram não ter procurado ocupação no período da pesquisa.
Em seu relatório, o senador traz uma pista de onde teria retirado o número de 20 milhões de pessoas sem “direito ao emprego”. No texto, ele fala em trabalhadores “desalentados” que, segundo ele, seriam aqueles que “estão dispostos a aceitar um emprego, mas não procuraram um no mês de referência das pesquisas amostrais”.
O grupo não é considerado desempregado ou desocupado pela metodologia do IBGE. Adriana Saraiva, assessoria de imprensa do instituto, explica que a chamada taxa combinada da desocupação e da força de trabalho potencial é utilizada para compor outro índice, a taxa de subutilização da força de trabalho. “Trata-se de um conceito novo no IBGE e que não é sinônimo de desemprego. Na verdade, essa pesquisa surgiu para traçar um retrato mais fiel do mercado de trabalho em geral”, explica Saraiva.
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“Vamos esperar mais 74 anos para mudar esta legislação [CLT]?” – Ricardo Ferraço (PSDB-ES), senador, no relatório da reforma trabalhista rejeitado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado.
Ferraço afirma que “o futuro é o que fazemos agora”, em outro trecho do seu relatório, e questiona se o Brasil vai demorar 74 anos para alterar novamente a legislação trabalhista. Na pergunta, o parlamentar sugere que a CLT não teria sido alterada ao longo dos seus 74 anos de vigência. No entanto, no mesmo relatório, o senador elenca as principais mudanças feitas na CLT desde sua criação, em 1943. O Truco considera a afirmação contraditória, uma vez que há outras declarações em sentido oposto feitas pelo mesmo autor.
O senador dedica um capítulo inteiro do relatório à discussão das alterações já feitas na legislação trabalhista. No trecho “7. Histórico da CLT”, Ferraço lista pelo menos 53 mudanças e afirma que “a CLT foi, ao longo das décadas, alterada por diversas normas”. O documento lista 53 leis, decretos e medidas provisórias que tinham como objetivo regulamentar, complementar ou alterar a Consolidação das Leis do Trabalho e que alteraram seu texto original. Dessas mudanças, 29 foram aprovadas durante os governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT).
Entre as alterações citadas estão leis importantes como a Lei 8.921, de julho de 1994, que aborda a falta ao serviço em caso de maternidade e o salário-maternidade, e a Lei 10.537, de agosto de 2002, que trata dos custos de ações e procedimentos de competência da Justiça do Trabalho.
Além disso, o relatório também reforça as importantes mudanças trazidas pela Constituição de 1988 para a legislação trabalhista. “Entre outras conquistas, a Constituição reduziu a jornada semanal de trabalho de 48 para 44 horas, elevou o adicional de hora extra para 50%, criou o terço de férias e a licença à gestante de 120 dias”, ressalta Ferraço no documento.
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“A informalidade nas relações de trabalho (…) hoje assola cerca de 45% dos trabalhadores do nosso país.” – Romero Jucá (PMDB-RR), senador, no relatório da reforma trabalhista apresentado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado.
O excesso de trabalhadores na informalidade no Brasil é um tema recorrente entre os defensores da reforma trabalhista. No relatório apresentado à CCJ, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) diz se tratar de um problema que hoje “assola” cerca de 45% dos trabalhadores do país. Para ele, é uma situação em que todo esse contingente não gostaria de estar, por ficar desprotegido em seus direitos. A análise do Truco concluiu, no entanto, que a afirmação é exagerada.
O dado de que a informalidade representa 45% do total de trabalhadores foi retirado, segundo a assessoria de imprensa do parlamentar, do estudo “Mercado de Trabalho – Conjuntura e análise”, divulgado em abril pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Nas páginas 16 e 17, há uma explicação sobre o tema e um cálculo do tamanho desse grupo entre 2013 e 2016, feito a partir de microdados da Pnad Ampliada, do IBGE. No quarto trimestre do ano passado, a informalidade chegou a 45,37%, o que aparentemente tornaria verdadeiro o dado de Jucá.
O número engloba todos os trabalhadores nessa condição. Não se pode dizer, contudo, que todos sofrem por não serem contratados, uma vez que uma pequena parte deles consegue obter uma renda mais alta sem possuir carteira assinada. O estudo do Ipea mostra que, dos 45% de informais, 40% contribuem para a Previdência Social. Logo, o grupo em situação extremamente crítica seria formado pelos 5% que não contribuem e dificilmente vão se aposentar.
O Ipea não soube informar qual é o contingente, dentro dos 40% que contribuem para a Previdência, que está nessa condição por falta de alternativa. “Não temos como checar qual a parcela dos trabalhadores informais que se encontra nessa condição por falta de opção. É de se esperar que aqueles sem carteira assinada prefiram ter a carteira assinada, mas a comparação envolvendo o conta própria é bem mais complicada”, explicou o pesquisador responsável, Carlos Henrique Leite Corseuil.
A pedido do Truco, o IBGE produziu uma tabela que mostra os rendimentos dos trabalhadores de acordo com o grupo a que pertencem, a partir dos dados da Pnad 2015. “O percentual de trabalhadores com redimentos inferiores a um salário mínimo é de 13,2% para os empregados com carteira assinada, de 13% para os militares e de 9,8% para os funcionários públicos”, informou a assessoria. “Já entre os empregados sem carteira assinada esse percentual chega a 49,5%, ou seja, praticamente a metade deles tem rendimentos inferiores a um salário mínimo. Entre os trabalhadores por conta própria, a proporção também é alta, embora seja um pouco menor: 39,5%, ou quase dois em cada cinco.”
Na outra ponta, 3,2% dos trabalhadores sem carteira assinada ganham mais de cinco salários mínimos. Entre aqueles que trabalham por conta própria, 6,6% têm renda superior a esse valor. Os dados indicam, portanto, que há uma pequena parcela bem remunerada dentro da informalidade. O número usado por Romero Jucá aponta na direção correta, de que há uma grande taxa de trabalhadores assolados pela informalidade. Mas não se pode dizer que isso ocorre com todos os 45% nessa condição.
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“Muitos direitos relevantes estão previstos ou regulamentados apenas na CLT e em outras leis ordinárias.” – Paulo Paim (PT-RS), senador, em relatório da reforma trabalhista aprovado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado.
A bancada governista tem afirmado que a reforma trabalhista não mexe nos direitos garantidos pela Constituição. Como se trata de um projeto de lei, realmente ele não pode alterar a Carta. Isso só ocorreria por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que requer votação em dois turnos, com aprovação por três quintos dos parlamentares, no Senado e na Câmara. Logo, não haveria motivo para alguém se preocupar. Não é o que diz a oposição. Para o senador Paulo Paim (PT-RS), a CLT e outras leis ordinárias regulam ou preveem direitos que podem, sim, ser alterados com a reforma. Ao checar a frase, o Truco classificou a afirmação como verdadeira.
A assessoria de imprensa do parlamentar afirmou que a reforma trabalhista “altera ou revoga 106 artigos da CLT, além de vários direitos previstos nos seguintes dispositivos legais: Lei 6.019. de 3 de janeiro de 1974 – regulamenta a terceirização; Lei 8.036, de 11 de maio de 1990 – Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências; Lei 8.212, de 24 de julho de 1991 – Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências.”
Ainda assim, não ficam claros quais são os direitos afetados pelo projeto que estão previstos na CLT e em outras leis ordinárias. Segundo a advogada Fabiola Marques, professora de direito do trabalho na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a afirmação de Paim é verdadeira. “Os direitos mais importantes estão previstos na CLT e em algumas leis ordinárias”, afirma. “O que a reforma está fazendo é justamente alterar esses direitos. Infelizmente a imprensa não tem divulgado os grandes problemas da reforma.”
Segundo Marques, as discussões têm recaído sobre o fracionamento das férias, o fim do imposto sindical, a possibilidade de redução de intervalo para 30 minutos e as negociações coletivas. “São 117 artigos que alteram completamente a estrutura da própria CLT. Enquanto você tem uma organização legislativa voltada para a proteção do trabalhador, com a reforma essa proteção desaparece totalmente e permite que o empregador negocie o que quiser”, diz. “É óbvio que os direitos estão lá previstos. Mas ele vai poder negociar e, com isso, precarizar os direitos.”
Um exemplo é a negociação do banco de horas, que poderá ser feito diretamente entre o trabalhador e o empregador, sem que o sindicato participe. Outro problema citado pela professora é que, se o empregado entrar com uma ação judicial, pode ser obrigado a pagar honorários caso não consiga vencer. Há também alterações em direitos como horas extras, intervalo intrajornada, férias, insalubridade e 13º salário. “Permite-se a negociação de qualquer direito”, afirma. De acordo com ela, isso mostra que a reforma vai retirar direitos por abrir sempre a possibilidade de negociação.
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Imagem: O presidente Michel Temer (PMDB), defensor da aprovação da reforma trabalhista. Foto: Beto Barata/PR