Assim que a Reforma Trabalhista foi aprovada no Senado Federal, na noite desta terça (11), por 50 votos a favor, 26 contra e uma abstenção, Michel Temer veio a público para um pronunciamento. Por mais que o conteúdo parecesse voltado aos trabalhadores, ele não falou a eles. Seu discurso tinha outros destinatários: os grandes empresários e o mercado financeiro.
O poder econômico havia lhe incumbido da tarefa de combater a crise econômica, jogando a fatura para longe do colo dos mais ricos, e aproveitar a própria crise para reduzir o tamanho do Estado. Não na parte que garante subsídios, desonerações e isenções de impostos sobre lucros e dividendos, o que beneficia aos ricos, mas desidratando a parte que atende às necessidades da parcela humilde.
Ele já havia entregado a aprovação da PEC do Teto dos Gastos, congelando investimentos em áreas como educação e saúde públicas pelos próximos 20 anos, e a Lei da Terceirização Ampla, permitindo a contratação de prestadores de serviço para todas as atividades de uma empresa. Mas faltavam as joias da coroa: a Reforma Trabalhista (antigo sonho de grandes empresários) e a Reforma da Previdência (tara do sistema financeiro).
Claro que Temer teve uma ajudinha, dada a quantidade de senadores-empresários e senadores que representam empresários. Mas ele correu para os jornalistas para contar a quem o ajudou a chegar lá que ele é capaz de entregar a encomenda. O problema é que o outro grupo que o colocou lá, os políticos que temiam a guilhotina da Lava Jato e viam nele uma pessoa mais capaz de capitanear um ”grande acordo nacional”, estão neste momento tão enrolados quanto ele. Ele, o primeiro presidente denunciado por corrupção durante o exercício do cargo da história do país.
Isso não é novidade. Temer, sua equipe e base aliadas sistematicamente beijam a mão do grande empresariado em eventos corporativos. Mas evitam encontrar o populacho, a xepa, o andar de baixo. Porque sabem onde estão concentrados os 7% de aprovação (números da última pesquisa Datafolha) à sua gestão.
Se o Brasil tivesse um governo republicano e democrático, Michel Temer estaria pedindo um voto de confiança para o conjunto da sociedade diante do escândalo em que foi envolvido pela delação dos donos da JBS. Ao invés disso, reuniu-se novamente com o grande empresariado e o mercado financeiro em um evento em São Paulo a fim de solicitar sua benção.
”Não há Plano ‘b’. Afinal, a responsabilidade rende frutos”, disse Temer em maio, a uma plateia de empresários. ”Seria cômodo que eu assumisse o governo e deixasse as coisas como estavam para o meu sucessor pudesse levar adiante as reformas fundamentais para o Brasil”, completou. Hoje, em outro discurso, ele afirmou que seu governo estaria colocando o país nos trilhos para que, em 2019, outro assumisse com tudo certo. Um recado aos tucanos, que sonham em assumir o governo federal após as eleições sem o ônus de ter que aplicar um estelionato eleitoral. Porque, apesar das impopulares Reformas Trabalhista e da Previdência terem mais a cara liberal tucana do que a malemolência peemedebista, os pré-candidatos sabem que dificilmente será eleito quem tentar empurrá-las para cima dos eleitores.
Mas o mercado já apontou que, para ele, há um plano B. E pode se chamar Rodrigo Maia, uma vez que Henrique Meirelles seria quase impossível.
No fim de seu pronunciamento, Temer disse:
”Tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal, a matéria foi ampla e largamente debatida [o que não é verdade – nota deste jornalista] e hoje tivemos essa satisfação de verificarmos que o Brasil caminha, cada vez mais, para a modernidade.”
Modernidade. No ensaio ”O Fausto de Goethe: A Tragédia do Desenvolvimento”, de Marshall Berman, Fausto vende sua alma em troca de experimentar as sensações do mundo. Mas o diabo não é o Lúcifer da cristandade, não representa o mal em si, mas sim o espírito empreendedor capitalista e burguês. A mentalidade que fomenta Fausto (“destruir para criar”) é a realidade em constante movimento. Afinal, Deus não havia destruído as trevas que reinavam no universo para poder criar o mundo?
No meio do caminho estavam Filemo e Baúcia, um casal de idosos. Eram um empecilho para os planos do empreendedor Fausto e precisavam ser removidos. Quando eles são mortos, não quer Goethe provar a sua maldade, mas expor exatamente o contrário: o empecilho precisa ser extirpado para que a sociedade possa seguir em direção ao futuro sem estar presa, por pontes, ao passado. Mas, com eles, morre também o que havia de bom e belo no mundo.
Ironicamente, ao eliminar os vestígios desse passado, não resta a Fausto mais nada a fazer. E, com isso, ele pronuncia o seu próprio fim.
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Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress