Mais de 50 projetos de lei sobre a questão tramitam na Câmara e no Senado. A maioria busca impor algum tipo de restrição ou criminalização do exercício desse direito constitucional
Tramitam no Congresso Nacional mais de 50 projetos de lei que tratam da realização de protestos de rua no Brasil. A ampla maioria dessas proposições busca impor algum tipo de restrição ou criminalização do exercício desse direito constitucional.
Na quinta-feira (14), uma audiência pública discutiu os impactos dessas propostas nas garantias dos direitos de reunião e de expressão, assegurados pela Constituição Federal. O diálogo foi promovido pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados e contou com a participação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal.
Na ocasião, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, destacou que o direito de reunião e de protesto constitui uma das garantias mais centrais da atual ordem constitucional, estando diretamente relacionado a princípios essenciais de nosso regime democrático e republicano – como a liberdade de expressão e a de livre associação.
“O direito de protesto possibilita ao povo exercer sua soberania, inclusive para se colocar contra o Estado. A tentativa de controlar essa garantia constituiria, portanto, uma apropriação da própria soberania popular – visto que em um regime democrático não cabe ao Estado dizer onde, quando e de que maneira essa soberania irá se exercitar”.
A representante do Ministério Público Federal destacou que o direito de protestar não significa a ausência de responsabilização para aqueles que, de alguma maneira, desbordem da reunião e da manifestação para atos de violência: “esses, evidentemente, devem ser contidos dentro dos princípios que ordenam uma polícia democrática. O que não pode haver é a utilização de forças do Estado para inviabilizar o exercício do direito de manifestação”.
Deborah Duprat lembrou ainda que a liberdade de protesto constitui importante mecanismo para a própria contenção da violência e também do terrorismo. “ Os atos de terrorismo e de extrema violência surgem exatamente quando a possibilidade de reunião e de formação de consensos no espaço público se inviabiliza”, alertou. “Espero que o Congresso Nacional – como uma das instituições mandatárias do povo – considere essas importantes dimensões na análise dos projetos de lei que tratam do tema”, destacou a PFDC.
Criminalização – Para Camila Marques, representante da organização não-governamental Artigo 19 é preocupante o número de propostas tramitando na Câmara e no Senado que criminalizam o direito de protesto no Brasil. A organização – cujo tema central de atuação é o direito à liberdade de expressão – destacou que a medida integra um conjunto de ações que vêm sendo implementadas pelo Estado brasileiro para a repressão do direito de manifestação. “Desde 2013, tem havido um verdadeiro redesenho nas políticas direcionadas à área – com a sofisticação de técnicas e meios de repressão, aumento da compra de armamentos e de sistemas de vigilância, a criação de novos tipos penais e a consolidação de uma jurisprudência voltada à criminalizar quem participa de protestos”.
Lucas Sada, advogado do Instituto de Defesa de Direitos Humanos, lembrou que o Brasil já conta com mais de 1.600 tipos penais e que não há na atual legislação brasileira nenhuma lacuna no que se refere à responsabilização de quem venha a extrapolar o direito de protesto conforme previsto na Constituição Federal de 1988. “O que a ampla maioria dessas propostas busca, portanto, é retirar um direito essencial da democracia, em um grave nível de arbitrariedade e de risco para toda a sociedade”.
Darci Frigo, presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, compartilhou da preocupação: “a aprovação dessas leis permitiria a um delegado, policial ou promotor aplicar contra qualquer cidadão que decida participar de uma manifestação – ainda que absolutamente pacífica – tipos penais que se assemelham às mais altas penas existentes na atual legislação brasileira. Em um cenário de graves retrocessos de direitos sociais que se vive no País, o que se busca com essas medidas é calar, a qualquer custo, o direito de protesto dos brasileiros”.