CIDH e ACNUDH expressam preocupação sobre denúncias de massacre contra indígenas em isolamento voluntário e contato inicial na Amazônia brasileira

Por Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH)

Washington D.C. / Santiago do Chile – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) expressam sua preocupação com a informação recebida sobre um possível massacre de indígenas em isolamento voluntário conhecidos como “flecheiros”, perto do alto curso do rio Jandiatuba, no território indígena Vale do Javari, localizado no extremo oeste do estado do Amazonas. A informação amplamente difundida em meios de comunicação indicaria que cerca de 10 pessoas indígenas em isolamento, incluindo mulheres e crianças, foram assassinadas. O Ministério Público Federal (MPF) confirmou publicamente que está investigando denúncias sobre mortes de indígenas em isolamento no território indígena Vale do Javari.

A Comissão e o ACNUDH observam com preocupação que a região enfrenta atualmente uma situação caracterizada pelo aumento das incursões e de atos de violência contra as comunidades indígenas  em isolamento voluntário e contato inicial na região do Vale do Javari. Segundo a informação recebida pelas instituições, o suposto massacre seria uma das numerosas denúncias de parte das comunidades indígenas em relação a incursões e ataques contra povos indígenas em isolamento voluntário e contato inicial na área, perpetrados por garimpeiros, produtores e extrativistas de madeira ilegais. Ambas instituições receberam também informação sobre o possível massacre de integrantes da comunidade indígena em contato inicial Warikama Djapar. Ao mesmo tempo, a CIDH e o ACNUDH receberam informação indicando que a suspensão há alguns anos das atividades da “Base de Proteção Etnoambiental (BPE)” da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), localizada no rio Jandiatuba, a qual oferecia salvaguarda aos povos indígenas isolados na Amazônia, havia deixado as comunidades em isolamento voluntário e contato inicial em uma situação de desamparo frente a terceiros.

A Comissão e o ACNUDH recordam que os Estados têm uma obrigação especial de proteção e respeito com relação aos direitos das comunidades em isolamento voluntário e contato inicial por sua situação única de vulnerabilidade. Esta obrigação foi consagrada diretamente no artigo 26 da Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indigenas, e também foi refletida na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, na Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, na Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais em países independentes, na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, assim como nas Diretrizes de Proteção dos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e em Contato Inicial da Região Amazônica, do Gran Chaco e da Região Oriental do Paraguai. Os Estados se comprometeram a garantir o direito dos povos indígenas isolados e em contato inicial a permanecer nesta condição e a viver livremente e de acordo com suas culturas. A Comissão e o ACNUDH também observam que a região do Vale do Javari conta com a maior presença de povos indígenas em isolamento no mundo, o qual exige esforços diligentes do Estado brasileiro para adotar políticas e medidas apropriadas para reconhecer, respeitar e proteger as terras, os territórios, o meio ambiente e as culturas destes povos, bem como sua vida e integridade individual e coletiva.

Neste sentido, a CIDH e o ACNUDH celebram a decisão do Ministério Público Federal (MPF) no Estado do Amazonas e da Polícia Federal (PF) de realizar uma investigação em conjunto com a Polícia Federal sobre as ações das quais teriam sido vitimas os “flecheiros”. O governo brasileiro informou que as investigações pelo MPF e PF estão ocorrendo a pedido da FUNAI, e que os garimpeiros que foram vistos falando do suposto ataque foram presos e conduzidos a prestar depoimento, cumprindo mandado de busca e apreensão. O governo também informou que realizou operação de combate ao garimpo ilegal na região. Nestes termos, a CIDH e o ACNUDH urgem o Estado brasileiro a apresentar os resultados de tais investigações sobre todas as ações de violência e alegadas incursões com a devida diligência, de uma maneira adequada e culturalmente apropriada, bem como julgar e sancionar os possíveis responsáveis de forma ágil e efetiva.

A Comissão e o ACNUDH reiteram que os Estados estão obrigados a adotar medidas céleres e integrais para respeitar e garantir os direitos das comunidades índigenas ao gozo e controle de seus territórios e a viver livres de todo tipo de violência e discriminação. Este dever de proteção é acentuado em terras indígenas demarcadas administrativamente para a proteção de comunidades indígenas em isolamente voluntário e contato inicial, como a Terra Indígena Vale do Javari. Ao mesmo tempo, a Comissão e o Escritório do ACNUDH recordam que os Estados devem adotar medidas imediatas de ação de maneira articulada, destinadas à prevenção das incursões aos territórios dos indígenas em isolamento voluntário e contato inicial na Terra Indígena do Vale do Javari. Os contatos não desejados e as incursões por parte de terceiros nos territórios dos povos em isolamento voluntário e contato inicial constituem um sério risco para sua sobrevivência física. Tais contatos resultam em agressões diretas, problemas sérios de saúde devido à falta de defesas imunológicas, e escassez de alimentos, entre outros riscos. Todos estes problemas têm um impacto irreversível na capacidade do povo afetado de sobreviver e podem resultar em seu desaparecimento.

A Comissão e o ACNUDH exortam o Estado a implementar políticas imediatas para efetuar, nos territórios indígenas, controle de entrada, vigilância permanente, e ações de localização e monitoramento dos movimentos territoriais dos povos em isolamento. Ademais, a Comissão e o ACNUDH instam o Estado brasileiro a adotar medidas para prevenir e responder ãs atividades ilegais de mineração, cultivo, caça, pesca e extrativismo ilegal de madeira nos territórios indígenas sob análise. A CIDH e o ACNUDH reconhecem a importância da recente ação tomada pelo Exército para combater a presença dos garimpeiros ilegais no rio Jandiatuba, e insta o Estado a seguir ampliando esforços nesta direção.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

O Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACNUDH) tem o mandato de promover e proteger o desfrute e a realização plena, para todas as pessoas, de todos os direitos contemplados na Carta das Nações Unidas, bem como nas leis e nos tratados internacionais de direitos humanos. O ACNUDH realiza o seu trabalho à luz do mandato que lhe foi conferido pela Assembleia Geral das Nações Unidas em sua resolução 48/141. Sua sede internacional se encontra em Genebra, na Suíça. Já o Escritório Regional do ACNUDH para América do Sul está localizado em Santiago, no Chile, e cobre os seguintes países: Argentina, Brasil, Chile, Equador, Peru, Uruguai e Venezuela.

Imagem: Garimpo ilegal na região do rio Jandiatuba, localizado no município de São Paulo de Olivença (Foto: Divulgação/MPF)

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