Rompimento da Barragem de Fundão completa dois anos em novembro
Wallace Oliveira, Brasil de Fato
Ainda sem reparação. Quase dois anos após o rompimento da Barragem de Fundão (Samarco/Vale/BHP), vítimas do maior crime ambiental do país se queixam da assistência dada pelas empresas. Entidades questionam o cadastro promovido pela Renova, fundação vinculada à Samarco, afirmando que processo não contempla necessidades dos atingidos e não leva em conta sua participação.
Amparo emergencial
“Mesmo em áreas de risco, há famílias que querem sair de suas propriedades, mas têm medo, pois a empresa só aluga pra a gente uma casa. Eu mesma saí de um sítio e a empresa só alugou uma casa e eu não tenho terreno para pôr meus animais”, contou, durante entrevista coletiva no dia 20 de setembro, Maria do Carmo Silva, moradora de Paracatu de Cima.
Ela disse que muitas pessoas não receberam nenhum amparo emergencial, como o aluguel e auxílio financeiro. “Tem famílias que moram em municípios onde não chegou a lama, mas são funcionários de empresas onde a lama passou e levou tudo; esses funcionários foram demitidos e não foram reconhecidos”, exemplifica.
Cadastro
No início de 2016, as empresas responsáveis pela barragem assinaram um Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC) com a União, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e diversos institutos e agências de regulação ambiental. Fruto desse acordo, criou-se a Fundação Renova, entidade vinculada à Samarco, cuja finalidade seria restabelecer as comunidades ou, quando isso não fosse possível, compensar as perdas. Para tanto, a Renova contratou junto à empresa Synergia um cadastro-padrão das famílias atingidas ao longo de toda a Bacia do Rio Doce, iniciado em julho de 2016.
O cadastro, segundo atingidos, não levou em conta sua participação no processo, mas apenas o ponto de vista da empresa. Suspeitando que o levantamento pudesse gerar informações prejudiciais aos próprios atingidos, passou-se, então, a questionar o processo judicialmente. “Conquistamos o direito à reelaboração do cadastro por decisão do juiz, que identificou que não é nem de perto a nossa realidade”, afirma Luzia Queiroz, moradora de Paracatu de Baixo.
Desde então, alguns pareceres foram publicados, questionando a metodologia adotada pela empresa. Entre eles, um documento do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA) da UFMG; outro elaborado a pedido do Ministério Público Federal; ainda outro pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Escopo reduzido
Os pareceres questionam o conceito de “população diretamente impactada”, presente no cadastro, apontando que ele exclui diversos atores que foram vítimas do rompimento da barragem. Também chamam a atenção para o fato de que o questionário foi elaborado segundo uma lógica estranha à realidade de várias famílias: “uma perspectiva urbana e/ou empresarial agroindustrial alheia, portanto, às dimensões próprias do universo rural composto sobretudo por pequenos produtores, agricultores familiares, camponeses, pescadores artesanais, grupos tradicionais e étnicos”, afirma o parecer do GESTA (disponível aqui).
O GESTA também aponta que o referencial para ordenamento dos dados e análise está centrado na propriedade/edificação e não nas famílias. “Essa estratégia coaduna com a avaliação do enfoque patrimonial do cadastramento, o que resulta em severas limitações no tocante ao exame das esferas coletivas que estruturam as rotinas, as estratégias de vida, memórias, pertencimento e identidade”, afirma o documento.
Segundo o MAB, as perguntas do cadastro têm uma linguagem pouco acessível, com excesso de informações e mecanismos de comprovação das perdas muito documentais. “Isso preocupa porque pode associar a garantia de direitos a mecanismos probatórios que no caso da dimensão de impacto das famílias encontram-se prejudicados, já que diversas delas perderam tudo, não podendo reconstituir os dados sobre o patrimônio através de registro fotográfico ou prova documental”, diz trecho do parecer.
Audiência pública
No dia 5 de outubro, acontece no Fórum de Mariana uma audiência pública para debater a situação dos atingidos que não foram contemplados pela empresa, a reformulação do cadastro, o reassentamento das comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, bem como a reconstrução de outras localidades do município de Mariana, como Borba, Pedras, Campinas e Ponte do Gama.
Edição: Joana Tavares.
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Atingidos afirmam que cadastro não levou em conta sua participação / Mídia Ninja