Y tengo que apagar la vela, pero no la esperanza. Esa … ni muerto.
(Subcomandante Insurgente Marcos, EZLN, Chiapas, México)
Por Átila Da Rold Roesler, no Justificando
Neste sábado, 11 de novembro de 2017, o fim de mundo do trabalho começou com a entrada em vigor da Lei n. 13.467/2017 que alterou mais de 200 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), retirando diversos direitos trabalhistas da classe operária e até mesmo impedindo o acesso do trabalhador ao Poder Judiciário.
Não bastasse, as ameaças contra os trabalhadores continuam a pleno vapor através de outros projetos de lei e emendas constitucionais visando retirar ainda mais direitos sociais. O assédio institucional aos magistrados do trabalho e à própria Justiça Especializada continuam sendo levados à mídia pelos poderosos de ocasião.
Não pretendo repetir os equívocos jurídicos e as inconstitucionalidades que contém a “CLT de Temer” e que causarão insegurança jurídica e incontáveis retrocessos à vida dos trabalhadores e dos sindicados organizados em todo o país. Isso já foi dito e repetido em diversas outras ocasiões.
Pretendo, em poucas palavras, desmistificar o discurso mentiroso e enganoso desse governo que está a serviço do grande capital financeiro. Afinal, chega de ouvir mentiras em pronunciamento oficial no sentido de que a “Nova CLT” é “uma conquista dos trabalhadores” porque “vai gerar mais empregos” e se trata de verdadeira “modernização das relações de trabalho”[1]. Canalhas, canalhas, canalhas!
É preciso contextualizar que o caráter político da reforma trabalhista é inegável, ela foi usada como “moeda de troca” no golpe parlamentar de 2016 que retirou a presidenta eleita.
Precisamente por isso, foi aprovada às pressas com pouco mais de quatro meses de tramitação no Congresso Nacional, enxertando normas unicamente com caráter patronal na CLT.
A retórica dos parlamentares que defenderam a “reforma trabalhista” precisa ser colocada em xeque, já que não se sustenta por ser mentirosa e baseada em falácias. Um dos primeiros mitos apregoados seria de que “a CLT é velha, é de 1943”. Dentre os 921 artigos que a CLT anterior a 11/11/2017 continha, apenas 188 ainda vigoravam com a sua redação original da década de 40, o que corresponde a dizer que 84% da “velha” CLT já tinha sido alterada, especialmente desde os anos 1960 e, com mais intensidade, durante a década neoliberal de 1990.
Desses 188 artigos originais, nenhum foi alterado pela Lei nº 13.467/2017. Uma mentira repetida muitas vezes não pode se sustentar. A verdade é que as relações de trabalho no Brasil eram regidas especialmente pelos artigos 7º a 11 da Constituição Federal de 1988 e pela interpretação dos órgãos jurisdicionais que compõem a Justiça do Trabalho.
Outra falácia divulgada é no sentido de que a “reforma trabalhista” irá trazer “mais segurança jurídica” e, com isso, “gerar mais empregos”. Não vai acontecer. A Lei nº 13.467/2017 facilita a dispensa plúrima e coletiva nos termos dos artigos 477-A e 477-B, incentiva a dispensa individual por “mútuo acordo” no artigo 484-A e, entre outros, gera a contratação através de contratos de trabalho precários, com baixos salários e aumento da jornada com intervenção mínima dos sindicatos de trabalhadores.
A insegurança jurídica é evidente, as dúvidas de interpretação que a “Nova CLT” traz são gritantes ao passo que o próprio governo já confirma que há necessidade de se fazer a “reforma da reforma”.
Por último, mas sem a pretensão esgotar o desvelamento das mentirosas propagadas pela base de apoio governista, teria sido dito que a “CLT foi inspirada na Carta del Lavoro de Mussolini”. Afirmativa essa que não corresponde à realidade dos fatos, considerando que se trata de uma consolidação normativa que agrega leis esparsas desde os anos 1900 a 1930 sendo que muitas foram positivadas devido às greves gerais do início do século XX.
A história do direito do trabalho brasileiro é muito complexa, repleta de lutas sindicais e greves gerais que ocorreram entre o final do século XIX e dos anos 1900 para que simplesmente se fale em “paternalismo de Vargas” ou “inspiração fascista” da “velha CLT”. Bastaria citar, dentre outras, a grande greve geral de 1907 que reuniu mais de 150 mil operários no Rio de Janeiro ou a principal paralisação operária de 1917 que se iniciou em São Paulo e logo se espalhou por todo o país após a morte de um jovem trabalhador pela Polícia.
Mas a verdade não basta.
É necessário criar espaços de resistência para que o direito do trabalho volte minimamente a oferecer uma proteção adequada aos trabalhadores frente à exploração desenfreada proporcionada pelo Capital. Na seara jurídica, advogados, procuradores e magistrados trabalhistas terão um leque de princípios, dispositivos constitucionais e convenções internacionais para dar uma interpretação adequada à “nova CLT” a partir de 11/11/2017. Entretanto, isto não será suficiente.
É necessário e urgente que a classe trabalhadora se manifeste novamente como antes, que as centrais sindicais atuem com firmeza e determinação, que o povo perceba o grave retrocesso social instalado e tome as ruas com o objetivo de recuperar aquilo que lhe foi retirado sorrateiramente.
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Átila Da Rold Roesler é juiz do trabalho na 4ª Região e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD). Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Processual Civil.
[1] Conforme discurso em cadeia de rádio e televisão em 10/11/2017, às 20h30, pelo Ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira.
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Imagem: Montagem sobre cena de “Tempo Modernos”. Fonte: RBA