Professora da Ufba ameaçada prestará queixa na PF: ‘Dizem que vão pegá-la’

Colega relata teor de mensagens de ódio; segurança no campus é reforçada

Por Nilson Marinho e Júlia Vigné, no Correio

A professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), que está sendo ameaçada de morte por desenvolver pesquisas na área de gênero, irá denunciar o caso à Polícia Federal ainda nesta semana. A informação foi divulgada ao CORREIO pela pesquisadora Maíra Kubik Mano, uma das 15 pesquisadoras do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim), grupo de estudos sobre gênero e sexualidade vinculado à graduação de Ciências Sociais que a professora ameaçada faz parte.

Maiores detalhes sobre o conteúdo das ameaças, que são feitas há pelo menos um mês, também foram descritos por Maíra. De acordo com ela, são perfis de pessoas no Facebook que “destilam mensagens de ódio” e afirmam que “sabem onde encontrar a professora, e dizem que vão pegá-la”.

“Além disso, essas pessoas criticam a professora e a chamam de pedófila. A gente não entende nada disso”, afirmou.

A crítica relaciona a performance “La Bête” [O Bicho] que ocorreu no Museu de Arte Moderna (MAM) em setembro deste a no. No espetáculo, uma criança aparentando ter quarto anos toca no artista Wagner Schwartz, que se apresentou completamente nu. “Ela inclusive não fez apoio a nada. Nós simplesmente não entendemos. São diversas mensagens de ódio”, lamentou Maíra.

A professora não quis divulgar o conteúdo exato das mensagens porque ele está sendo compilado para ser utilizado na justiça como prova. Ela afirmou que a vítima não sabe se os perfis são falsos, ou não, e que as ameaças cessaram há uma semana, mas que o medo continua.

A reportagem questionou a Polícia Federal se alguma medida seria tomada pelo órgão, mesmo antes da denúncia ser formalizada. Em resposta, eles afirmaram que apenas poderiam se manifestar se fossem provocados pelo Ministério Público Federal (MPF). O CORREIO entrou em contato com o MPF para questionar se a promotoria tem conhecimento do caso e se abriu alguma investigação para apurar a denúncia, mas não obteve respostas.

Em nota, a Ufba informou estar tomando todas as providências para assegurar os envolvidos. Por conta das ameaças, a instituição reforçou a segurança do campus de São Lázaro, onde fica o Neim e onde a professora leciona. Questionada se o reforço na segurança foi da própria instituição ou se um apoio da Polícia Federal foi requerido, a universidade não se posicionou.

Cerca de 80 professores e alunos da Ufba se reuniram na manhã desta quarta-feira (22) no pátio de pavilhão de aulas Raul Seixas, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH), na Federação, em solidariedade à professora. Outros dois docentes também foram ameaçados, recentemente, por conta do teor de pesquisas que desenvolvem dentro da instituição.

O movimento também é em solidariedade ao docente André Mayer da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), alvo de um inquérito movido pelo Ministério Público Federal (MPF) por coordenar a pesquisa Liga Comunista – Núcleo de Estudos Marxistas no âmbito da Ufop.

“Estamos vivendo uma situação no país que é de um imenso retrocesso. Um retrocesso que vem crescendo e que, agora, se configura com uma parte da sociedade que, em vista da permanência da crise e a aparente falta de alternativa, tem caminhado para atitudes mais extremistas”, comenta Carlos Zacarias, professor do departamento de História.

“No espaço acadêmico, essas pessoas (pesquisadores) ficam mais evidentes, já que a universidade é o local onde, naturalmente, eles estão mais visibilizados”, completa Zacarias.

Durante o ato, alunos e professores temiam que militantes do Movimento Brasil Livre (MBL) – grupo organizado de direita – fossem até o local impedir a realização do evento.

Para a professora do departamento de Sociologia, Graça Druck, as ameaças ferem o carácter democrático da instituição. “Essa situação que estamos vivendo, para além de uma onda conservadora, é uma onda extremamente perigosa que tem utilizado de métodos que não são democráticos. Uma universidade, como o próprio nome diz, tem o sentido de universal, então, ela deve comportar todas as posições, seja um ponto de vista acadêmico ou político”, considera a professora.

Segundo o professor do departamento de Filosofia, Daniel Tourinho, o conservadorismo tem afetado a produção acadêmica, a medida em que docentes e discentes são impedidos de expor suas produções científicas.

“Existem manifestações de intolerância por parte desse grupo (conservador) e isso não é algo espontâneo, é algo muito bem articulado e a nossa intenção é de saber como vamos reagir a isso porque é uma situação complicada”, comenta Tourinho.

Precedente e processo

A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) enviou nota ao CORREIO afirmando ser contra “ofensivas desta natureza e solidários com a Ufba e aos ameaçados”. “Casos de ameaça de morte não foram registrados na UFRB. No entanto, a posição da universidade é de defender a liberdade de expressão e de autonomia institucional na atividade de produção do conhecimento como atividade inerente às universidades”, diz a nota.

Há oito anos, no entanto, a professora Ludmilla Barros, do Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas (CCAAB), da UFRB, sofreu ameaças de agressão por conta da realização de uma pesquisa sobre a qualidade de alimentos produzidos na cidade de Cruz das Almas.

“Não teve uma ameaça de morte explícita, mas foi quase isso. Um produtor de leite da região me difamava e fazia ameaças por conta da minha pesquisa, que registrava um nível de coliformes fecais muito acima do permitido no leite comercializado”, contou a professora.

Na época, a reitoria emitiu nota de repúdio à ameaça e a direção do CCAAB deu suporte à professora. Ludmilla recorreu à Justiça através de um advogado particular. No final, acabou aceitando um acordo em que o autor das ameaças teria que arcar com o valor dos honorários advocatícios de Ludmilla e se retratar em todas as redes sociais em que ele se expressou, o que não foi realizado.

“Não pararei nunca. Expor e vender alimento contaminado é contrário à lei. Fico feliz em ter divulgado o resultado e visto que eles pararam de vender o conteúdo contaminado explicitamente. Continuo minhas pesquisas e já levei a UFRB em congressos na Europa e no Brasil, para expor a condição de nossos produtos de origem animal e da água que usamos. Minha voz é a pesquisa”, defende.

Ludmilla demonstrou solidariedade à professora da Ufba e a orientou a também entrar na justiça contra os agressores.

O CORREIO entrou em contato com a Uneb, para saber se há relatos de ameaças a pesquisadores, mas até o fechamento desta matéria não houve resposta.

Foto: Evandro Veiga/Arquivo CORREIO

Comments (1)

  1. Nenhuma surpresa. Uma das razões do nosso distanciamento no concerto mundial das nações desenvolvidas e democraticas ee a profunda ignorância, violência e intolerancia das pessoas – via de regra adeptos de religiões fanáticas e de seitas – que se julgam profetas ou pseudo pensadores. NÃO SABEM DE NADA…

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