No blog do Sakamoto
O Ministério do Trabalho cancelou uma operação de fiscalização de trabalho escravo que seria realizada na zona rural de um Estado da região Norte do país por falta de passagens aéreas para os policiais que fariam a proteção da equipe. Questionada, a assessoria do ministério não havia respondido até a publicação deste texto.
A base do sistema de combate ao trabalho escravo no Brasil são os grupos móveis de fiscalização, coordenados por auditores fiscais do trabalho e que contam com a presença de procuradores e policiais, entre outros agentes públicos. A Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal têm acompanhado as operações.
Quem arca com as despesas de transporte, alimentação e hospedagem das forças de segurança é o Ministério do Trabalho. Desta vez, segundo fontes ouvidas pelo blog, a chefia do ministério teria questionado a área responsável pela fiscalização por conta da necessidade de enviar sete policiais – número que está dentro da média das operações e que foi demando pela própria polícia. A coordenação do ministério queria um número menor. Quando a autorização foi dada para a emissão, após o envio de justificativas que mostravam a necessidade desse número a fim de garantir a segurança da equipe, não havia mais disponibilidade de passagens. Esse tipo de questionamento não é usual para uma política que existe há 23 anos,
Fontes informam que o ministério firmou um contrato muito limitado com agências de viagens para emissão de passagens. O acordado gira em torno de 300 para o ano inteiro, incluindo todas as áreas do ministério. Para efeito de comparação, apenas o setor de fiscalização tem uma demanda anual dez vezes maior.
Enquanto isso, eventos continuam sendo realizados pela pasta, como uma reunião envolvendo os seus superintendentes regionais, entre 22 e 23 de janeiro, em Manaus. Em tese, operações que tratam de condições análogas às de escravo são prioridade diante das demais atividades.
A Defensoria Pública da União, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal, além da Polícia Rodoviária Federal (que faria a segurança), dariam apoio a essa operação. A 2a Câmara Criminal da Procuradoria Geral da República estuda responsabilizar o ministério por conta do prejuízo aos trabalhadores decorrente do cancelamento.
A presença de policiais em ações na região rural é uma questão delicada para os auditores fiscais do trabalho. Há casos em que os fiscais são recebidos à bala em fazendas. E já houve situações que terminaram em tragédia.
No dia 28 de janeiro de 2004, quatro auditores fiscais e um motorista foram emboscados e mortos durante uma inspeção de rotina na região de Noroeste de Minas Gerais, no que ficou conhecido como a ”Chacina de Unaí”.
Antério Mânica, ex-prefeito do município mineiro, e seu irmão, Norberto Mânica, ambos grandes produtores de feijão, foram apontados como mandantes do crime e condenados, em 2015, a penas que, juntas somam quase 200 anos. Além deles intermediários e pistoleiros também foram condenados. O contratante dos matadores morreu antes de ser julgado.
Mas os irmãos Mânica estão recorrendo em liberdade, o que vem sendo alvo de protestos por parte das famílias das vítimas e do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
A história desse caso está ligada ao combate à escravidão contemporânea no país, apesar dos quatro não estarem fiscalizando esse tipo de exploração no momento de sua morte. Tanto que o 28 de janeiro tornou-se, desde 2009, o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.
Em 2004, a votação em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional que previa o confisco de propriedades flagradas com escravos e sua destinação à reforma agrária ou a programas de moradia urbanos, ocorreu sob a forte comoção pública gerada pelo assassinato dos quatro. A chamada PEC do Trabalho ainda levaria mais dez anos para ser aprovada e promulgada em 2014.
Polêmicas
O Ministério do Trabalho tem sido palco de polêmicas nos últimos meses. No dia 16 de outubro, o ministério publicou uma portaria afirmando que, para efeitos de fiscalização, a caracterização de trabalho escravo dependeria de flagrante de cárcere privado. Ou seja, as condições de trabalho e de jornada, por piores que fossem, não seriam consideradas para configurar esse crime. A reação da sociedade civil, da maioria da imprensa, de magistrados e procuradores, do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Trabalho, das Nações Unidas e mesmo de grandes empresas nacionais e de investidores e compradores internacionais foi imensa. O Supremo Tribunal Federal acabou por suspender a medida e o governo, no dia 29 de dezembro, publicou nova portaria, devolvendo os parâmetros de resgate de pessoas ao que era antes.
Outro caso: a Justiça Federal concedeu liminar suspendendo a posse da deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ) como ministra do Trabalho usando como justificativa a proteção da moralidade administrativa. O Tribunal Regional Federal no Rio de Janeiro negou os recursos apresentados pelo governo Michel Temer. O Superior Tribunal de Justiça permitiu a posse, mas a presidente do Supremo Tribunal Federal manteve a suspensão enquanto analisa o mérito da questão, que pode ir à plenário. Cristiane foi condenada por não assinar a carteira de trabalho, nem pagar direitos trabalhistas básicos a um motorista que a acusou de jornadas de 15 horas diárias entre 2011 e 2014. Enquanto a confusão não se resolve, o Ministério do Trabalho segue sem um ministro efetivo.
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Trabalhador de carvoaria em Minas Gerais. Foto: João Roberto Ripper