O colegiado do CNDH emite alerta especialmente vinculado a conflitos fundiários, contra povos indígenas e para a quantidade de chacinas ocorridas em 2017
O crescimento da violência que vitima povos, comunidades e trabalhadores e trabalhadoras do campo foi visto com preocupação e rechaço pelo Plenário do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), reunido em Brasília nos dias 31 de janeiro e 1° de fevereiro em Brasília, em sua 34ª Reunião Ordinária.
Em nota aprovada pelo Plenário nesta quarta-feira (31 de janeiro), o colegiado alerta sobre o crescimento da violência contra defensores e defensoras de direitos humanos, especialmente vinculada a conflitos fundiários; contra povos indígenas, e para a quantidade de chacinas ocorridas em 2017. “As execuções em Colniza/MT (nove trabalhadores), Pau D’arco/PA (nove trabalhadores e uma trabalhadora) e Vilhena/RO (três trabalhadores), demonstram um ataque indiscriminado à luta pelos direitos humanos, especialmente vinculados às questões agrárias no Brasil”, diz a nota.
Leia na íntegra:
NOTA PÚBLICA DO CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS SOBRE O AUMENTO DA VIOLÊNCIA EM CONFLITOS NO CAMPO
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH, órgão de Estado instituído pela Lei nº 12.986/2014, vem a público manifestar sua preocupação com o crescimento da violência que vitima povos, comunidades e trabalhadores e trabalhadoras do campo.
Considerando os dados preliminares apresentados pela Comissão Pastoral da Terra/CPT sobre o assassinato de 65 defensores e defensoras de direitos humanos, vinculadas/os à questão agrária, em 2017, registramos que este é o maior número dos últimos 15 anos. Apenas a título de contextualização, em 2014 foram assassinadas 36 pessoas; em 2015 o número sobe para 50 pessoas; em 2016 as mortes chegam ao número de 61 pessoas. Em 03 (três) anos, o número de assassinatos quase que dobrou
Soma-se a este quadro as violências contra povos indígenas, com crescimento sensível no mesmo período. O relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2016, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), aponta que naquele ano foram assassinados 118 indígenas, número que se manteve tão grave quanto os referentes ao ano de 2015, quando registrou-se 137 assassinatos. Na série histórica de 2003 a 2016, o estado de Mato Grosso do Sul destaca-se, sendo o estado em que ocorreram 44% do total de assassinatos de indígenas neste período.
Além do crescimento quantitativo no número de assassinatos, também preocupa o número de chacinas ocorridas em 2017. As execuções em Colniza/MT (nove trabalhadores), Pau D’arco/PA (nove trabalhadores e uma trabalhadora) e Vilhena/RO (três trabalhadores), demonstram um ataque indiscriminado à luta pelos direitos humanos, especialmente vinculados às questões agrárias no Brasil. Em todas as chacinas apontadas acima, os crimes ocorreram com indícios de tortura seguida de morte.
Em paralelo também observa-se (a) o aumento do número de conflitos pela água, como o caso de criminalização da luta em Correntina/BA; (b) o número crescente de despejos, em agrupamentos consolidados sem providências para realocação ou quaisquer outras que permitam ao grupo deslocado condições mínimas de dignidade, como os casos de São Joaquim do Monte/PE e os múltiplos despejos programados no sul do Pará.
Também chama atenção os elementos do racismo estrutural presente nas violências ocorridas, por exemplo, (a) na tortura contra e tentativas de assassinatos de indígenas Akroá-Gamella em Viana/MA; (b) na execução de seis trabalhadores quilombolas em Lençóis/BA; e (c) na denúncia de massacre contra indígenas isolados, conhecidos como “flecheiros”, no Vale do Javari/AM. Casos como estes, recorrentes, apontam para um cenário onde os territórios dos povos e comunidades tradicionais são locais onde a violência e a insegurança são negligenciadas e invisibilizadas.
Paralelo a este crescimento nos dados sobre a violência no campo, o Estado brasileiro tem tomado medidas que, na contramão dos direitos humanos, podem agravar um quadro que já é extremamente grave. A Medida Provisória 759/2016 (altera a política de reforma agrária), o sucateamento do INCRA e FUNAI (redução orçamentária e fechamento de regionais), a publicação do Parecer 001/2017 pela AGU, contrariando decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) ao obrigar a administração pública federal a aplicar o marco temporal e as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol, a paralisação das demarcações dos territórios indígenas e quilombolas, a drástica redução orçamentária para políticas públicas voltadas para a agricultura familiar, são exemplos de que a questão agrária no Brasil poderá enfrentar ainda mais retrocessos. No caso dos povos indígenas isolados, o risco de violações e massacres como o denunciado no Vale do Javari são agravados ainda mais pelo fechamento de diversas Frentes de Proteção Etnoambiental, decorrente do corte de recursos da Funai.
O ano de 2018 começa com o assassinato de dois defensores de direitos humanos (execuções ocorridas em Anapu/PA e Iramaia/BA), o assassinato de dois professores indígenas (mortos a pauladas, em Penha/SC, e por apedrejamento, em Confresa/MT) além de um atentado por arma de fogo contra um indígena Munduruku em Itaituba/PA. São casos que apontam para um quadro gravíssimo de violência que requer urgente e necessária proteção e garantia dos direitos humanos.
Neste cenário, se assiste com preocupação os processos de criminalização de organizações, movimentos sociais, defensores e defensoras de direitos humanos que lutam pela garantia destes direitos no Brasil. Somam-se a isso as perseguições e assédios sofridos por agentes estatais que estabeleçam diálogo com movimentos sociais, violando, assim, o próprio princípio do Estado Democrático de Direito.
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) reafirma – e vem alertar a sociedade brasileira – sua preocupação com o crescimento da violência contra defensores e defensoras de direitos humanos, especialmente vinculada a conflitos fundiários, ao passo que entende que a solução para este quadro de violações tem sua base na efetivação dos direitos dos povos indígenas, comunidades tradicionais e trabalhadores e trabalhadoras do campo; pela efetivação das demarcações e titulações das terras indígenas e quilombolas; pela efetivação de uma real Reforma Agrária; e pela apuração integral dos casos, com fortalecimento das perícias criminais e procedimentos de investigação.
Brasília-DF, 31 de janeiro de 2018
CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS – CNDH
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Imagem: Protesto por demarcações movimentam os povos indígenas no Brasil. Foto: Portal Desacato