Quinze meses de Prefeitura Crivella, Parte 2: intervenções urbanas e sociais

por Luisa Fenizola, em RioOnWatch

Como apontou a primeira parte dessa série, a gestão do Prefeito Crivella é marcada por mais inações do que ações, além de que frequentemente promessas e programas anunciados de fato não se traduzem em ações. No que diz respeito às políticas específicas para favelas e territórios vulnerabilizados, quando não são marcadas pela omissão, comumente são de afronta. Como exemplo, podemos citar as suas declarações sobre a necessidade de dar “banho de loja” na Rocinha e a derrubada dos quiosques de comerciantes na Vila Kennedy.

A favela “está muito feinha”

Nas favelas, o prefeito não deu continuidade ao Morar Carioca ou mesmo o programa Cimento Social, o qual ele propôs enquanto senador e executou no âmbito do governo federal. Ao invés destes resolveu retomar no ano passado o Favela-Bairro, privilegiando o programa criado por César Maia. O Favela-Bairro deverá atingir 16 comunidades e beneficiar 40.000 famílias, com obras de urbanização, construção de unidades habitacionais, e um procedimento de regularização fundiária. O Plano Estratégico de fato prevê obras de urbanização em 21 favelas, regularização urbanística e fundiária de 10.000 domicílios e contratação de 20.000 unidades de habitação de interesse social até 2020, entre outros, mas os critérios de definição de quais serão as áreas beneficiadas, o cronograma ou como será feita essa urbanização não são claros.

O controverso projeto de urbanização da sua gestão até então foi o anúncio da verticalização de Rio das Pedras, o qual foi dito abandonado em seguida pelo prefeito, graças à poderosa e bem-sucedida mobilização comunitária. O estudo de requalificação urbana na qual a ação se apoiaria nunca foi divulgado, tampouco o estudo previsto no Plano Estratégico para ser feito no Complexo da Maré. O que ele chegou a fazer na Maré foi publicar um decreto, em outubro do ano passado, renomeando 42 ruas da Vila do João, uma das comunidades da Maré, com nomes de cunho religioso, como Perdão, Adoração, Éden e Monte Sião.

Em Rio das Pedras, no lugar da verticalização, Crivella anunciou investimentos em saneamento, iluminação e alargamento de vias. No que diz respeito ao saneamento, seu programa de governo já trazia a promessa de “resolver definitivamente, através de uma parceria entre a Comlurb e a Cedae, os problemas de saneamento, abastecimento de água e limpeza urbana das 20 principais comunidades do município” até 2019, apesar do Plano Estratégico só trazer metas para a expansão do saneamento na região da Barra e de Jacarepaguá. De qualquer modo, não foi feita a dita parceria nem vêm sendo observadas ações nesse sentido.

O prefeito anunciou, ainda, a pintura de casas e trocas de fiação na Rocinha, para que “as pessoas, quando passem pela Lagoa-Barra […] tenham ideia de uma comunidade arrumada, bonita, de um povo trabalhador”, construindo o público-alvo beneficiário da ação como os moradores da Barra e Zona Sul que atravessam o local, e não os moradores da favela. Antes disso, já havia falado que a comunidade precisava de “um banho de loja“. A ação “de maquiagem” se daria em abril, mas até o momento de publicação da matéria ainda não havia iniciado.

“Não vamos esperar o verão chegar” para fazer obras de mitigação do efeitos das chuvas

Também em visita à Rocinha, em setembro do ano passado, o prefeito prometeu R$4 milhões para obras de contenção de encostas, dizendo:

Alguns bairros aqui têm risco de deslizamentos. Não vamos esperar o verão chegar. Como já anunciei antes, é muito importante cobrir o valão, reparar casas e algumas igrejas também, que estão cravadas de balas, reformar as escolas, reabrir a biblioteca. Há diversas ações que vamos fazer.

O verão, no entanto, chegou trazendo chuvas e, ainda que possamos questionar as medidas propostas na fala acima em termos de eficácia para conter os efeitos das chuvas, nem mesmo essas foram tomadas. Pelo contrário, Crivella afirmou que a cidade respondeu bem ao temporal. Isso apesar de 2000 pessoas terem ficado desabrigadas. Foi denunciado, inclusive, o corte, por parte da prefeitura, de verbas destinadas à obras de contenção de encosta. O prefeito chegou a propor a instalação de bueiros eletrônicos, que sinalizariam quando tivessem cobertos de lixo, como proposta de mitigação, em vez de obras de contenção de encostas e drenagem ou coleta regular de lixo. A proposta tampouco está sendo implementada.

Mais de dois meses depois, a única coisa que está sendo feita com respeito às chuvas é a retirada de uma ponte que impede o escoamento de água no Rio Acari, na favela de mesmo nome, contribuindo para as enchentes no local. A obra, no entanto, é extremamente pontual e dificilmente resolverá o problema recorrente de inundações na bacia do Rio Acari, como visa a iniciativa chamada “Controle de Enchentes” do Plano Estratégico, que prevê em primeiro lugar a elaboração de modelagens matemáticas da bacia (que, se realizada, não foi até então divulgada).

Além disso, para realizar a obra a prefeitura removeu 19 famílias que ocupavam o local para residência ou comércio. A prefeitura prometeu a essas famílias o pagamento de aluguel social, mas entre a remoção e a regulação das burocracias necessárias e o pagamento de fato do benefício há um lapso de tempo no qual essas famílias ficam vulneráveis, sem terem onde morar, como aconteceu com as famílias que perderam as casas nas chuvas de fevereiro no Parque Everest no Alemão.

Outra promessa recorrente de Crivella é a construção de um parque urbano à semelhança do Parque de Madureira. A localização desse parque, no entanto, varia de acordo com a área da cidade que está em pauta na mídia dominante da vez. No Plano Estratégico, a localização do Parque era em Realengo, bairro da Zona Oeste. No início de março desse ano, o Parque foi anunciado na Cidade de Deus. Após a morte de Marielle, no mesmo mês foi anunciado o Parque da Maré. Diante do anúncio, o coletivo Maré Vive publicou em sua página:

Fala Favela!

Sobre os 100 milhões “previstos” na construção do tal “Parque da Maré

Então, não seria melhor pegar esse recurso e distribuir nas praças, existentes? Posso citar aqui várias praças que vai do Palace até a Kelson’s, se ligou?

Ações que poderiam ser feitas com o recurso citado: a revitalização do Piscinão além da sua concha acústica, a Lona Cultural Hebert Vianna, a própria Vila Olímpica, o Parque Ecológico que está com solo degradado, assoriado e precisa urgentemente ser revitalizado, a Ciclovia do Pinheiro onde se propõe este parque, os campos sintéticos que estão acabadaços e diversos equipamentos públicos que estão super bad. Taí, esse dinheiro certamente daria pra cobrir toda esta estrutura de revitalização e manutenção.

A proposta é boa e bem bacana no papel e nas animações, mas dessa forma, tá equivocada. Será muito dinheiro empregado numa só ação.

“A ideia é levar as informações à comunidade, para que ela participe. A participação dos moradores, indicando as principais necessidades, é que vai nos ajudar a concluir o projeto”. Como participação popular, se já vieram com o projeto pronto? Como seu prefeito?

As promessas são feitas, ainda que a prefeitura esteja proibida de iniciar obras, pelo Tribunal de Contas do Município, até retomar e garantir recursos para concluir os 131 projetos paralisados no município, a maioria herança da gestão anterior, famosa pelas “grandes obras” como tentativa de deixar um “legado Olímpico”. A proibição tampouco impediu que Crivella assumisse compromisso conjunto com o governo do estado para a reforma do estádio do Flamengo. Promessas de investimentos e obras, afinal, são populares com os eleitores.

Além de não fazer o planejado, ele vem tomando ações arbitrárias, como a derrubada das barracas de comerciantes na Vila Kennedy, sob acusações de ilegalidade dos trabalhadores. A mobilização dos moradores garantiu promessa de instalação de novos quiosques, disponibilização de micro-crédito e até mesmo aluguel social, mas desarticulou suas fontes de renda e levanta o questionamento do real motivo da ação, já que novos quiosques serão colocados no mesmo lugar.

“Vamos por abaixo este monumento à miséria, à desigualdade e à pobreza”

No campo das políticas de habitação, Crivella tomou algumas iniciativas. Reassentou famílias que viviam em um antigo prédio do IBGE no morro da Mangueira, também prometendo a elas aluguel social. O aluguel será pago enquanto o prédio não é derrubado, pondo “abaixo este monumento à miséria, à desigualdade e à pobreza”, nas palavras de Crivella, e substituído por unidades do Minha Casa Minha Vida (MCMV), o que deve acontecer dentro de um ano e meio. Ele ainda declarou, mostrando sensibilidade às histórias individuais, que dessa forma o morador poderá “continuar a residir no local onde tem suas origens”.

Ainda nesse sentido, anunciou o programa Minha Casa Meu Gari, com condições especiais de financiamento de apartamentos do MCMV para essa classe de trabalhadores. Anunciou também a construção de 600 unidades do MCMV no Mandela de Pedra, em Manguinhos. Para Crivella, os gargalos na construção de habitação social e projetos do MCMV estão nos altos custos dos materiais de construção e demora nas desapropriações de ações judiciais para obter a posse de terrenos que serão destinados para esses fins.

No entanto, ao anunciar unidades habitacionais como parte do MCMV que não vêm acompanhadas de obras de urbanização e infraestrutura, reproduz-se o problema da falta de sustentabilidade desses projetos, por estarem afastados e mal conectados ao resto da cidade e por terem carência de serviços, lazer e comércio. Além disso, o foco exclusivo no MCMV exime a prefeitura da responsabilidade de fazer investimentos, pois o projeto é bancado pelo governo federal, cabendo à prefeitura designar as famílias participantes.

A implementação do Plano de Habitação de Interesse Social da Região do Porto e a produção de Unidades Habitacionais de Interesse Público na favela do Jacarezinho, por sua vez, prometidas como parte do programa Mais Moradias, ainda não foram anunciadas. E nem foram a contratação de novas unidades habitacionais na área central e a ocupação ou revitalização de imóveis vazios e subutilizados para fortalecer o potencial habitacional do Centro, previstas no programa Centralidades Cariocas do Plano Estratégico.

“Dando visibilidade a essas pessoas invisíveis”

No que diz respeito a intervenções de cunho social, a prefeitura mostra-se mais proativa. Em parceria com o Instituto Pereira Passos, realizou em 2017 entrevistas e estudo para a identificação de núcleos familiares aos quais não chegam políticas públicas. A ação faz parte do programa Territórios Sociais, previsto no Plano Estratégico, que irá dar “visibilidade a essas pessoas invisíveis“, não atingidas pelas políticas públicas, nas palavras de Mauro Osório, diretor do IPP. O estudo em si não foi divulgado, tampouco a localização geográfica das famílias consideradas mais vulneráveis. Apenas foi dito que a maioria delas encontrava-se na Zona Oeste.

A primeira ação do programa foi a entrega, às famílias identificadas, de cestas básicas (no caso daquelas que não recebiam Bolsa Família) e filtros de água, em janeiro desse ano. O programa prevê ainda o cadastramento dessas famílias nos serviços básicos, como de saúde, a emissão de documentação e a realização de diagnósticos que as qualifiquem para ações mais pontuais de outras secretarias, como de Habitação, Emprego e Inovação, Educação, e Assistência Social.

Para outra parcela da população, a das pessoas em situação de rua, até o momento somente 400 das 4.000 novas vagas em abrigos prometidas foram abertas. No entanto, existem alguns esforços visando esse segmento específico da população: em fevereiro foram anunciados os programas Vaga Social e Independência Social, que irão oferecer cursos profissionalizantes e destinar 5% das vagas de trabalho terceirizados da prefeitura a pessoas acolhidas em abrigos municipais.

Além disso, após um levantamento sobre essa população feito como parte de um programa intitulado Somos Todos Cariocas, foi lançado no final de março o programa Emancipa Rio, que prevê o pagamento de aluguel social por seis meses, renováveis por mais seis, para aqueles usuários de abrigos que consigam um lugar no mercado de trabalho e ainda precisem de ajuda financeira para morar por conta própria. Segundo o prefeito, “há vagas nos abrigos municipais, que custam R$2.000 por mês. Mas é muito mais barato para os cofres públicos, e melhor para as pessoas assistidas, o aluguel social de R$450 por mês”.

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