João Pedro Stedile fala sobre a pressão ruralista para flexibilizar o uso dos agrotóxicos no país
Por Julio Carignano, em Porém.Net / MST
A Comissão Especial Deliberativa da Câmara dos Deputados analisa desde maio o projeto que busca alterar regras de comercialização de agrotóxicos e limita a atuação de órgãos reguladores como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). A matéria principal, o PL 6299/02, tramita conjuntamente com outras 28 proposições de conteúdos semelhantes, o que fez com que as medidas fossem apelidadas de “Pacote do veneno”.
O argumento do relator do projeto, o deputado Luiz Nishimori (PP-PR), é que o pacote busca “modernizar” o processo de liberação dos produtos. Nessa “modernização” os defensores pretendem até mesmo substituir o termo “agrotóxico” por “produto fitossanitário”, como forma de deixá-lo mais “palpável” para a população.
Porém, essas alterações têm sofrido grande resistência de movimentos sociais e da sociedade civil que têm chamado atenção para os riscos que a medida oferece. O lobby maior para sua aprovação vem da bancada ruralista e um dos principais articuladores é o senador Blairo Maggi (PP-MT), atual ministro da Agricultura e um dos homens mais ricos do Congresso Nacional.
Para o coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile, a aprovação deste pacote representará mais um retrocesso ao Brasil que, desde o golpe de 2016, estaria andando na contramão do mundo nas questões ambientais. “A comunidade europeia estabeleceu um prazo para que em sete anos seja eliminado o uso de glifosato em todo território europeu, glifosato que é a matéria-prima de todos os venenos. Países como Holanda e Dinamarca, que têm sistemas de biodiversidade mais frágeis, já proibiram. Além disso a pulverização aérea, que aqui é liberada, por lá já não é permitido”, comenta.
O líder do MST aponta que desde o golpe as grandes empresas ligados ao agronegócio têm pressionado deputados para acelerar pautas que promovem um desmonte na legislação ambiental, na legislação sobre agrotóxicos e nos direitos às terras indígenas e quilombolas. “Com o golpe as grandes empresas transnacionais estão mandando na legislação e nos deputados. Houve um retrocesso desde abril de 2016 que caminha na contramão da história. Estão tentando liberar agrotóxicos, liberar transgênicos, aproveitando a hegemonia dos ruralistas no Congresso”.
Stedile admite que os movimentos sociais estão correndo contra o tempo e que a correlação de forças é ainda desfavorável, porém algumas vitórias foram obtidas pelos setores progressistas na tentativa de barrar o PL do veneno no Congresso. “Eles [bancada ruralista] já perceberam que não podem ir com tanta sede ao pote como estavam. Eles acharam que iriam passar na surdina ou de roldão. Em poucas semanas coletamos mais de 500 mil assinaturas, a Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz] já se manifestou publicamente contra e a Anvisa já reagiu. Além disso nós conseguimos montar uma comissão sobre agrotóxicos presidida pelo deputado [Nilto] Tatto [PT-RS]”, comenta.
Conscientização
Para João Pedro Stedile, o grande mérito dos movimentos sociais nos últimos anos foi conseguir criar a conscientização na população urbana sobre o debate da alimentação saudável. Ele apontou o crescimento do consumo de produtos agroecológicos, uma média de 10% ao ano. “É notável o aumento da procura por feiras agroecológicos, até mesmo em espaços que não são nossos. Vou dar um exemplo lá da minha terra, no Rio Grande do Sul. A direção do shopping Praia de Belas [Porto Alegre] convidou o MST para montar uma banca dentro do shopping, pois os consumidores perceberam que o que estava sendo vendido no local era tudo contaminado. Entendemos isso com um gesto de consciência”.
Para o coordenador do movimento, a pauta deixou de ser um debate do campo popular da agricultura. “O grande mérito neste anos, uma grande vitória do campo progressista, foi criar essa consciência na população que esses produtos que as multinacionais empurram nas gôndolas dos mercados estão contaminados com veneno e causam graves problemas de saúde”, diz Stédile.
Segundo ele, até mesmos os grandes meios de comunicação passaram a olhar com outra visão a questão dos agrotóxicos. “O câncer é democrático, nem os poderosos estão livres dele. Teve câncer na família Marinho [patriarca da Rede Globo]. Nós, do MST, tínhamos um adversário no Congresso, o ex-deputado Homero Pereira [PSD-MT] que passou quatro anos de seu mandato falando mal do MST e defendendo o uso do agrotóxico. Ele morreu de câncer no estômago, portando Deus protege os seus e o Diabo leva os seus”.
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João Pedro Stédile na 17ª Jornada de Agroecologia, em Curitiba. Foto: Leandro Taques