O Vale do Javari, no AM, recebeu entre os dias 8 e 10 de junho mais de 200 lideranças indígenas para a VII Reunião Binacional Matsés Brasil-Peru, ocorrida na aldeia Lobo
por Francisco Loebens, em Cimi
A Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, recebeu entre os dias 8 e 10 de junho mais de 200 lideranças indígenas para a VII Reunião Binacional Matsés Brasil-Peru, ocorrida na aldeia Lobo. Os indígenas do povo se posicionaram sobre os principais temas que afetam os territórios tradicionais e o bem estar, incluindo o dos grupos em situação voluntária de isolamento, na região fronteiriça dos dois países.
Participaram da reunião representantes de oito comunidades Matsés do Brasil, 12 do Peru e emissários da Organização Geral Matsés (OGM) , além de convidados da Organización Regional de los Pueblos Indígenas del Oriente/Peru (ORPIO), representantes do Ministério da Cultura do Peru, Fundação Nacional do Índio (Funai), Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Denunciaram a política atual do governo brasileiro pela adoção do Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União (AGU), que atenta contra os direitos territoriais dos povos indígenas, e pelo estrangulamento da Funai através do corte de recursos humanos e materiais, o que coloca em risco, inclusive, a continuidade da Coordenação Regional de Atalaia do Norte.
Manifestaram repúdio a qualquer atividade de pesquisa e exploração de petróleo e gás no interior da Terra Indígena Vale do Javari, da Reserva Nacional Matsés, da Comunidad Nativa Matsés, da Reserva Indígena Yavari-Tapiche (reivindicada) e do Parque Nacional Sierra del Divisor, que fazem parte do território ancestral e tradicional do povo Matsés. Exigiram do governo peruano o cancelamento definitivo dos lotes petroleiros 135 e 137 e solicitaram ao Ministério da Cultura (Peru) e da Funai (Brasil) que façam chegar às autoridades públicas do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, Presidência do Conselho de Ministros, Perupetro e Ministério de Energia e Minas do Peru esta posição de repúdio do povo Matsés.
Povos isolados
As lideranças Matsés, preocupadas com os povos indígenas isolados na região do Alto Jaquirana, nos dois lados da fronteira, reafirmaram sua posição de respeito às formas de vida destes povos e aos seus territórios. Solicitaram aos governos peruano e brasileiro a sua proteção por intermédio de mecanismos de controle e vigilância diante da ameaça de invasores, da presença de turistas e pessoas não autorizadas em suas terras.
Consideraram um grave risco contra a vida, saúde e território do povo Matsés e dos povos indígenas isolados do rio Jaquirana – Tapiche o zoneamento do Parque Nacional Sierra del Divisor devido às mudanças negativas no ecossistema e consequentemente no território dos povos que dele vivem. Requerem que o Plano Maestro (plano de gestão) e o zoneamento deste parque considere a presença e o direito dos indígenas isolados, resguarde o direito de uso tradicional do povo Matsés e restrinja a realização de atividades de terceiros que possam gerar impactos nos modos autônomos e peculiares de vida.
Por fim, solicitaram à Funai postos de vigilância no igarapé Bom Jesus (antiga pista da Petrobrás) e no igarapé Batã. As estruturas devem ser administrados pelos Matses com o apoio do órgão indigenista.
Leia na íntegra o Documento Final da VII Reunião Binacional Matsés Brasil-Peru:
Documento Final da VII Reunião Binacional Matsés Brasil-Peru
Nós, lideranças e representantes do povo Matsés, de organizações indígenas e da sociedade civil presentes na VII Reunião Binacional Matsés Brasil-Peru, realizada na aldeia Lobo, Terra Indígena Vale do Javari/ AM, rio Jaquirana, Brasil, entre os dias 08 e 10 de junho de 2018, tornamos público o seguinte pronunciamento com respeito aos principais temas tratados nesta Reunião Binacional, que afetam a integridade territorial e o bem-estar do povo Matsés e dos povos indígenas isolados em ambos os lados da fronteira do Brasil e Peru:
No atual contexto político brasileiro
Denunciamos a política atual do governo brasileiro que está afetando gravemente os direitos fundamentais dos povos indígenas através de ações políticas e interpretações jurídicas restritivas de seus direitos territoriais, como o corte dos recursos financeiros da FUNAI e a adoção do parecer 001-AGU (Advocacia Geral da União). A FUNAI se encontra limitada com sua capacidade de recursos materiais e humanos para realizar a vigilância e a fiscalização dos territórios indígenas. Em nível local, por exemplo, a Coordenação Regional de Atalaia do Norte corre sérios riscos de ser desativada.
Exploração de hidrocarbonetos
Reiteramos nosso repúdio a qualquer atividade de pesquisa e exploração de petróleo e gás dentro das terras Matses do Brasil e do Peru, ao longo da bacia do rio Jaquirana, incluídas as áreas que estão no interior da Terra Indígena Vale do Javari, da Reserva Nacional Matsés, da Comunidad Nativa Matses, da proposta de Reserva Indígena Yavari-Tapiche e do Parque Nacional Sierra del Divisor, que fazem parte do território ancestral do povo Matsés. Exigimos das autoridades do governo peruano o cancelamento definitivo dos lotes petroleiros 135 e 137 e respaldamos as ações legais que a Organização Regional del Pueblos Indígenas del Oriente – ORPIO vem realizando com esse objetivo.
Solicitamos ao Ministério da Cultura (Peru) e a Fundação Nacional do Índio – FUNAI (Brasil) que, estabeleça diálogo com o Ministério das Relações Exteriores, Presidência do Conselho de Ministros, Perupetro e Ministério de Energia e Minas do Peru com o objetivo de transmitir a posição de repúdio do povo Matsés que habita a região transfronteiriça Peru/Brasil, sobre os lotes 135 e 137 e aos impactos que lhes poderiam ocasionar a realização de operações de pesquisa e exploração de hidrocarbonetos no território Matsés e dos povos indígenas isolados.
Povos indígenas isolados
O povo Matsés vem reafirmar sua posição de respeito às formas de vida e aos territórios dos povos isolados e solicita ao governo peruano e brasileiro o respeito aos seus direitos e proteção dos seus territórios.
Assim como nossos povos e organizações vem afirmando desde vários anos e inclusive foi reconhecido oficialmente pelo estado peruano através de uma norma nacional (DS Nº 02-2018-MC), existem povos indígenas isolados na região do alto Jaquirana, nos dois lados da fronteira, Peru e Brasil. Nesse sentido demanda-se ao Ministério de Cultura do Peru que acelere o processo de categorização oficial da Reserva Indígena Yavari-Tapiche.
Respaldamos as ações legais apresentadas pela Organização Regional de Pueblos Indígenas del Oriente – ORPIO, contra o Estado peruano, devido ao grave risco contra a vida, saúde e território do povo Matses e dos povos indígenas isolados do rio Jaquirana – Tapiche pela ameaça representada pelo zoneamento do Parque Nacional Sierra del Divisor o que acarreta mudanças negativas no ecossistema e consequentemente no território dos povos indígenas isolados e do povo Matses. Solicitamos que o Plano Maestro (plano de gestão) e o zoneamento deste parque considere a presença e o direito dos indígenas isolados na área da proposta de Reserva Indígena Yavarí-Tapiche, resguarde o direito de uso tradicional do povo Matsés da região transfronteiriça Brasil – Peru sobre esta área e restrinja a realização de atividades de terceiros que possam impactar esses povos.
Apoiamos as ações das organizações indígenas peruanas e brasileiras dirigidas aos governos peruano e brasileiro para garantir os direitos e a proteção da vida, saúde e território dos povos indígenas isolados e dos povos que compartilham territórios com os mesmos, como os Matses, na área binacional denominada corredor Javari-Tapiche.
Controle Territorial (vigilância e monitoramento)
As autoridades do Ministério de Cultura do Peru devem informar as autoridades regionais, provinciais e distritais sobre a existência de povos isolados e da reserva solicitada ao seu favor em alto Tapiche e Jaquirana, afim de que implementem mecanismos de controle e vigilância. Denunciamos a presença de turistas e pessoas não autorizadas na área da reserva indígena solicitada Yavari – Tapiche.
A vigilância deve ser realizada pelos próprios Matses com apoio da Fundação Nacional do Índio – FUNAI (Brasil) e do Serviço Nacional de Areas Naturales Protegidas – SERNANP (Peru).
Solicitamos da FUNAI a implantação dos postos de vigilância no igarapé Bom Jesus (antiga pista da Petrobrás) e no igarapé Batã a ser administrado pelos Matses com o apoio da FUNAI através da sua manutenção e fornecimento de subsídios e apoio logístico (gasolina, insumos, alimentação, etc).
Historicamente existe uma demora nas respostas das autoridades governamentais acerca das reivindicações dos Matses. Solicitamos que os governos peruano e brasileiro deem uma resposta ágil e oportuna às cartas escritas pelo povo Matses durante as Reuniões Binacionais atendendo nossas exigências.
A Organização Geral Mayuruna – OGM e a Comunidad Nativa Matses – CNM se comprometem a garantir a entrega dos documentos desta reunião às suas respectivas autoridades e a cumprir os acordos aqui estabelecidos.
A ORPIO se compromete, a partir da segunda metade de agosto de 2018, a promover espaços de reunião com as autoridades peruanas na cidade de Lima, Peru, garantindo a participação das lideranças Matses para exposição de suas propostas e demandas.
Aldeia Lobo, Terra Indígena Vale do Javari, 10 de junho de 2018
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Interior da maloca da aldeia Lobo, Vale do Javari, onde ocorreram as plenárias da VII Reunião Binacional Matsés Brasil-Peru. Foto: Hilton Silva do Nascimento/CTI