Quem se indigna com a política migratória do governo Donald Trump, que teve como capítulo mais recente a separação forçada de famílias que tentaram entrar nos Estados Unidos de forma ilegal, com o enjaulamento de crianças enquanto seus país eram encaminhados a presídios federais, precisa acompanhar o tema mais de perto no Brasil.
Diante do pedido de fechamento da fronteira do Brasil, em Roraima, com a Venezuela feitos pela governadora Suely Campos (PP-RR) ao Supremo Tribunal Federal para reduzir o número de migrantes, o ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes Ferreira soltou um ”Esta é uma ideia…tenha santa paciência”. O governo Michel Temer tem, portanto, mantido a fronteira aberta e não deve adotar nenhuma medida mais extravagante para lidar com o problema. O que é um bom sinal.
Mas se não são muitos os que defendem o fechamento total de fronteiras para refugiados e a expulsão sumária de migrantes sem documentos de permanência por aqui, por outro é crescente a quantidade daqueles que acreditam que eles roubam empregos e pioram a crise. Ou que caem no conto da notícia falsa que diz que o Brasil vai gastar bilhões com Bolsa Família para refugiados, tirando da boca dos que nasceram aqui.
Sem contar os fãs de Donald Trump, que aprendem a serem pessoas piores ao absorverem como verdade as seguidas declarações dele sobre o tema. ”Nós devemos manter o ‘mal’ fora de nosso país!”, tuitou ele sobre uma decisão do Tribunal Federal de Seattle que havia suspendido o seu decreto impedindo a entrada de pessoas de sete países de maioria islâmica no ano passado. E quem é o mal? Desde sua campanha eleitoral, culpa os migrantes pobres por desgraças que acontecem em solo norte-americano – de estupros ao tráfico de drogas e principalmente o terrorismo. Recentemente, disse que eles ”infestam” o país.
Vale lembrar que, no ano passado, pouco antes da sanção da Lei de Migração, grupos de extrema direita realizaram microprotestos em cidades como São Paulo usando argumentos que reduzem migrantes pobres a ladrões e traficantes – o mesmo discurso adotado por Trump. Diziam que o país se transformaria no caos com a mudança da lei, seguindo o que há de pior no nacionalismo ultraconservador que tenta fazer com que a Europa e os Estados Unidos se tornem uma sucursal do inferno. O mais irônico é que a lei nasceu com problemas que ainda dificultam a vida dos refugiados e migrantes mais pobres.
Esses grupos no Brasil culpam migrantes por roubar empregos, trazer violência, sobrecarregar os serviços públicos porque é mais fácil jogar a responsabilidade em quem não tem voz (apesar de darem braços para gerarem riqueza para o Brasil) do que criar mecanismos para trazê-los para o lado de dentro do muro que os separa da dignidade – o que, inclusive, gera recursos através de impostos.
Grande parte desses migrantes faz o trabalho sujo que poucos querem fazer, limpam latrinas, costuram roupas, recolhem o lixo, extraem carvão, processam gado, constroem casas. Até porque os países que recebem esses trabalhadores ganham com sua situação de subemprego e o não pagamento de todos os direitos. Não se enganem: a porosidade de fronteiras ajuda na regulação do custo da mão de obra global.
Em São Paulo, o preconceito tem perdido a vergonha e brotado do esgoto. Ataques violentos a bolivianos e haitianos foram registrados nos últimos anos. Pedidos de devolução de refugiados sírios são lidos nas redes sociais.
O que nos faz lembrar que o problema não é com os migrantes ricos e brancos, mas os refugiados econômicos, sociais e ambientais. Ou seja, o problema é com pobres e – claro – negros. Por que os racistas brasileiros não são diferentes dos racistas norte-americanos.
Trabalho há quase 20 anos com a questão do tráfico de seres humanos para o trabalho escravo e posso atestar que nossa sociedade tem despejado preconceito, racismo e xenofobia sobre trabalhadores que vêm para cá fugindo de catástrofes ou na esperança de uma vida melhor. Se, por um lado, muitos abrem os braços para eles, por outro, há quem os escraviza. Bolivianos, paraguaios, haitianos, chineses, venezuelanos já foram resgatados pelo poder público em oficinas de costura, frigoríficos, empresas de construção civil, mineradoras. Nossa roupa barata e nossa comida barata não raro custam caro para muita gente.
É claro que não há nada tão ruim que não possa piorar ainda mais. Pois são vários os candidatos a cargos públicos nas eleições de outubro que compartilham com a visão de fronteiras e de migração do presidente norte-americano. Não é possível dizer que concordam com o enjaulamento de crianças, mas já se declararam simpáticos a ações adotadas por Trump nessa área. Um deles é o deputado federal Jair Bolsonaro.
Em evento de pré-campanha, nesta quinta (21), em Campina Grande (PB), ele afirmou ao repórter Leandro Prazeres, do UOL, que não adotará a separação de crianças caso assuma a Presidência da República, mas defendeu o endurecimento da política migratória. ”Não pode separar pais e filhos. Mas também não pode receber imigrantes ilegais. Ninguém entra na tua casa sem autorização. No Brasil, qualquer imigrante tem que ser legal. Mas não pode separar. Você pode até deportar, sem problema nenhum”, afirmou.
Questionado pelo jornal O Estado de S.Paulo, em março deste ano, sobre a ampliação do muro separadando os EUA do México, ele afirmou:
”Ele [Donald Trump] quer cérebros lá dentro. Os Estados Unidos, pelo que eu entendo, são uma fábrica de cérebros. E não pode, no meu entender – no lugar dele eu faria a mesma coisa – aceitar à vontade tudo quanto é tipo de gente. Porque junto com gente boa entra quem não presta. Olha a nossa querida Roraima, Boa Vista e Pacaraima. Eu estive lá. Hoje em dia calculam que Boa Vista tem em torno de 40 mil venezuelanos. E olha só, a ditadura, quando começa a tomar forma, a elite é a primeira a sair. Essa foi pra Miami. A parte mais intermediária, grande parte foi para o Chile. E agora os mais pobres estão vindo para o Brasil. Nós já temos problemas demais aqui. Se vamos incorporar aquele exército que recebe Bolsa Família, quem vai pagar isso aí? Vamos aumentar impostos?”
Logo na sequência, questionado sobre a solução, afirmou:
”Primeiro, via Parlamento, revogar essa lei de imigração aí. Outra, fazer campo de refugiados. Outra: em vez de esperar passar o vexame do [Nicolás] Maduro expulsar os nossos embaixadores, já era para ter chamado há muito tempo e tomado outras decisões econômicas contra a Venezuela.”
O tamanho do deslocamento de venezuelanos através da fronteira Norte por conta da crise do governo Maduro não justifica, nem de longe, a construção de campos de refugiados. Eles são considerados pela comunidade internacional o último recurso, pois trazem ainda mais sofrimento aos envolvidos. Já visitei vários deles na África e na Ásia como repórter e sei o que significam. Buscar a inserção econômica desses trabalhadores, de acordo com a aptidão e a formação de cada um, tende a ser uma das melhores saídas não apenas para eles mas também para a economia brasileira.
O Brasil não é o local mais acolhedor do mundo para estrangeiros, apesar de mentir para si mesmo que é. Ficar em silêncio diante do crescimento do discurso xenófobo por aqui, alimentado por uma extrema direita maluca, vai apenas ampliar esse fosso entre a fantasia sobre quem somos e a dura realidade.
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Agente de migração na fronteira separa mãe de criança nos Estados Unidos. Foto: John Moore/Getty Images