Resíduos produzidos pela empresa CSN são acumulados há anos em terreno próximo à margem do rio Paraíba do Sul, o mais importante do estado
por Luciano Velleda, da RBA
Vista de longe, a enorme montanha quase a margem do rio Paraíba do Sul, em Volta Redonda (RJ), até parece parte natural da paisagem. Ledo engano. A formação cinza é na verdade resíduo siderúrgico, chamado de escória de aciaria, e sua presença tão perto do rio representa uma ameaça ao abastecimento de 12 milhões de pessoas, cerca de 80% da população da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Subproduto da produção de aço pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a escória produz gás sulfídrico e enxofre, além de conter substâncias tóxicas como manganês, zinco, cádmio, cromo, níquel, chumbo e cal virgem, nocivas à saúde humana e ao meio ambiente. Diariamente, dezenas de caminhões entram no terreno para descarregar toneladas desses resíduos, crescendo paulatinamente a montanha que há anos tem provocado problemas respiratórios e alérgicos na população de Volta Redonda.
Além de afetar a saúde dos moradores locais, a presença do material a cerca de 50 metros da margem do Paraíba do Sul tornou-se uma ameaça à contaminação do rio. Ambientalistas alertam que basta uma chuva forte e a montanha de escória poderá deslizar para dentro do rio, causando uma contaminação que levará à suspensão do abastecimento de água para milhões de pessoas, além de enormes danos ambientais e socioeconômicos.
“Isso tudo é de conhecimento do poder público e há anos nada é feito, é uma inércia, uma conivência e omissão. É inadmissível que todos tenham conhecimento e nada seja feito”, critica o ambientalista Sérgio Ricardo, um dos fundadores do Movimento Baía Viva. A montanha de escória da CSN é sua velha conhecida. Desde 2013, ele se dedica a denunciar o problema.
Em abril daquele ano, a questão motivou a criação de uma Comissão Especial na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, com a missão de acompanhar o processo de descontaminação do solo e do lençol freático, e a indenização das famílias afetadas. Presidida pelo deputado estadual Edson Albertassi (MDB) – atualmente preso acusado de envolvimento com a “máfia dos transportes” do Rio de Janeiro –, a comissão especial teve seus trabalhos prorrogados em setembro de 2013, mas foi encerrada pouco depois, em novembro, sem apresentar relatório final ou diagnóstico das situações de risco a serem investigadas.
“A CSN é uma notória criminosa ambiental do rio Paraíba do Sul”, afirma Sérgio. Segundo ele, existe no Rio de Janeiro uma histórica conivência e omissão dos órgãos ambientais do estado com a atuação da empresa. “Temos uma das assembleias legislativas mais corruptas do país, e há uma promiscuidade de parte do parlamento com as empresas poluidoras.”
Sem respostas
Diante do risco iminente de contaminação do rio Paraíba do Sul, deputados das comissões permanentes de Meio Ambiente, de Saneamento Ambiental e de Saúde da Assembleia Legislativo do Rio de Janeiro (Alerj) vistoriaram, na terça-feira (3), a área da montanha de resíduos, localizada em terreno administrado pela empresa Harsco Metals, prestadora de serviço para a CSN.
Durante a vistoria, a CSN não permitiu a entrada de jornalistas e vereadores de Volta Redonda, sob a alegação de falta de equipamentos de segurança para todos. A empresa também se negou a fornecer informações sobre o controle químico do material e estudo da qualidade do lençol freático, apesar de declarar ter esses dados.
“Infelizmente saímos daqui sem as respostas que queríamos. Constatamos o enorme risco que essa montanha de resíduo siderúrgico causa pra cidade, a quantidade de poeira e, principalmente, a possibilidade de contaminação do lençol freático da calha do rio Paraíba do Sul. A empresa deixou claro que não vai liberar as informações que nós pedimos, sem a abertura de uma CPI”, explicou o deputado estadual Dr. Julianelli (PSB).
De acordo com o parlamentar, a gravidade do problema é consequência da pouca eficiência da fiscalização do Instituto Estadual do Ambiente (Inea). “Não é possível que o Inea se exima das suas responsabilidades”, afirmou. Presentes na vistoria, fiscais do órgão também não sanaram as dúvidas dos deputados sobre os riscos do produto. Se não conseguiram obter as informações que desejavam, a visita ao menos serviu para os parlamentares constatarem que a montanha de escória já tem mais do que os 20 metros de altura denunciados até então – o equivalente a um prédio de sete andares.
“Está muito acima daquilo que o Inea diz que tem, mas também não vieram medir. Então, aqui nessa região de Volta Redonda, tem sim um risco ambiental grave, podendo se transformar realmente numa grande catástrofe”, enfatizou Dr. Julianelli, que estima que a montanha de escória tem mais de 35 metros.
Ao lado dos deputados Nivaldo Mulim (PR) e Lucinha (PSDB), os três anunciaram que farão o pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o problema e obrigar a CSN a prestar esclarecimentos.
Urgência
No mesmo dia da vistoria, o Movimento Baía Viva protocolou uma representação junto ao Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema) do Ministério Público Estadual, e aos núcleos da Procuradoria Geral da República no Rio de Janeiro e em Volta Redonda. No documento, o grupo solicita a interdição imediata da montanha de escória de aciaria para evitar o risco de suspensão do abastecimento público de água de 12 milhões de pessoas. O rio Paraíba do Sul é o mais importante do estado do Rio.
Entre as consequências de uma possível contaminação do rio, o Movimento Baía Viva destaca os danos ambientais, como a mortandade de peixes, perda de biodiversidade, contaminação do solo e das águas subterrâneas; danos à saúde pública, com a redução do abastecimento de água às populações; e consequências socioeconômicas para todas as empresas e indústrias que dependem da água do rio Paraíba do Sul para funcionar, além do impacto à pesca e à agricultura familiar.
A representação também propõe a adoção, em caráter de urgência, de um Plano de Alerta e Emergência para a garantia do abastecimento público na Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul e Guandu (Sistema Guandu), o principal corpo hídrico do Rio de Janeiro, e de outros mananciais destinados ao abastecimento da população fluminense.
No pedido, é solicitada a elaboração de um cronograma para a retirada e destinação final adequada dos resíduos, além do custeio do tratamento de saúde da população afetada e o pagamento de eventuais indenizações aos cofres públicos. A representação entregue ao Gaema ainda recomenda que todos os custos relativos à remediação da área contaminada, a despoluição das águas subterrâneas e indenizações financeiras sejam assumidos integralmente pelas empresas CSN e Harsco Metals, a empresa encarregada de estocar o material e que o faz a céu aberto e sem contenção.
“Em outros momentos de crise, autoridades ambientais tentaram transferir imoralmente os custos da reparação de passivos ambientais para o erário público, o que denota o elevado grau de relação promíscua existente entre determinados setores da classe política com grandes empresas poluidoras que, como é da tradição da velha política brasileira, foram durante anos as principais fontes de financiamentos das campanhas eleitorais”, afirma o ecologista Sérgio Ricardo.
Outro lado
Após a vistoria dos deputados estaduais, a CSN emitiu nota afirmando que o material armazenado “não é perigoso, conforme classificação da ABNT, não representando qualquer risco ao meio ambiente ou a saúde”. A nota diz que a empresa Harsco Metals é especializada no processamento deste tipo de material.
“Foi ainda explicado aos visitantes o processo de beneficiamento, realizado de acordo com todas as normas ambientais pertinentes e conforme licença ambiental válida, o qual consiste em reciclagem do material em que a parte metálica é separada e volta a ser usada no processo siderúrgico. O restante do material, estéril e incapaz de contaminar o meio ambiente, ao invés de ser descartado é processado e resulta em agregado siderúrgico, produto mundialmente utilizado na fabricação de cimento, em pavimentação, em lastro de ferrovias e como base para asfaltamento de vias de tráfego, dentre outras formas de utilização. A CSN reiterou que doará parte desse material para recuperação de estradas vicinais do Estado do Rio de Janeiro”, encerra a nota.
Para o fundador do Movimento Baía Viva, a proposta da CSN em “doar” a escória é apenas uma tentativa de descartar seu resíduo siderúrgico. “É uma aberração que mais uma vez a empresa tente se livrar do seu passivo ambiental, propondo o asfaltamento de rua. É uma profunda irresponsabilidade.”
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Imagem: Ao lado do rio Paraíba do Sul, uma montanha cinza de resíduos siderúrgicos se destaca na paisagem – RAFAEL WALLACE/ALERJ